O Complexo de Espermatozóide
uma campanha feminista contra o massacre da velocidade
Os homens que estão nos poderes inventaram o essencialismo. Essa maneira de pensar é um truque sujo para justificar a exploração dos “Outros” que eles consideram inferiores por “natureza”. Sabemos quem são essas outras e outros, a lista é grande.
De tanto proclamarem que tudo tem uma essência última, acabaram acreditando que são mesmo a expressão dessa “lei natural ” que impõe comportamentos obrigatórios, dos quais ninguém escapa, a não ser atuando “contra a natureza”.
Esquecidos de que interpretam os fenômenos biológicos pelas lentes de sua ideologia, tomam esses fenômenos como manual de conduta.
É o caso da corrida dos espermatozóides. Em vez de olhar aqueles milhares de espermatozóides nadando juntos, fazendo um enorme movimento sem o qual morreriam todos, digamos, na praia, projetam a idéia do único vencedor, o primeirão, aquele que “chegou lá”. Os outros todos são loosers, os perdedores, aqueles que não ganharam milhões de dólares, não têm um carrão super potente, não andam a 300 por hora.
Onde deveriam ver cooperação, só conseguem projetar a competição.
Escrevo isso depois de ver, finalmente, a mídia dar algum destaque para o massacre da guerra no “trânsito”. A maioria dos “acidentes” é causada por machos jovens, da classe média. As companhias de seguro sabem disso há tempos, tanto que dão desconto para mulheres, aquelas que os eles chamam de barbeiras, de dona maria. Mas as seguradoras sabem que as mulheres dão mais lucro, causam menos danos.
Na mesma semana em que as TVs e os jornais batem na tecla dos acidentes, e pessoas se manifestam pedindo o fim da impunidade, as mesmas TVs e os mesmos jornais, nos tons triunfalistas - alimento das competições- anunciam as emoções da fórmula –1.
É nesse espetáculo grotesco que milhões são investidos para manter o mito da indútria automobilística aceso e brilhando. Velocidade, potência, se possível alguns acidentes para aumentar a adrenalina.
Muito dinheiro para fazer do cockpit um lugar seguro, para manter vivo os gladiadores desafiando a morte. (A palavra cockpit tem origens de denominações militares que por sua vez foram derivadas das brigas de galo).
O grande herói acelera e serve de outdoor: uma vitrine falante que vende marcas.
Em volta dos autódromos, motéis, bares e a indústria do sexo faturam.
As propagandas dos carros exaltam potências cada vez mais velozes, em tempos de viagra, o “medicamento” mais vendido no mundo.
Sem cockpit, os corpos mutilados e os sem vida dos “acidentados” viram estatísticas das estradas e dos hospitais.
Enquanto isso, no pódium, os heróis chacoalham o pescoço da garrafa na frente do baixo ventre e esporram champanhe uns nos outros. Uma apoteose que macho nenhum discrimina.
Não contem com a maioria deles para uma campanha contra isso tudo. Antes, é preciso desmoralizar o complexo de espermatozóide.
E lembrá-los que a rapidez do apressadinho é bandeira de ejaculação precoce.
(*) Ana Reis - pela redução radical da potência dos motores.
(*) Ana Reis é médica e feminista.
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