agosto 07, 2008

Centro de Manaus – nos limites do escárnio

Abrigo Pensador - Manaus - Anos 1960
Nota do Blog: Querido Belmirinho, a qualidade de vida em Manaus deteriorou a olhos vistos. O cenário desta fotografia dos anos 1960 pode ser singelo, e nem de longe revela as relações entre espaço público, urbanismo e cidadania da época, mas uma coisa é certa: ainda é possível sonhar e trabalhar para evitar o desastre final, antes que a civilização do automóvel faça do Teatro Amazonas um parque de estacionamento.

Na Mira do Belmiro 066

Centro de Manaus – nos limites do escárnio

Belmiro Vianez Filho(*)
belmirofilho@belmiros.com.br

A ausência de um debate pra valer entre os candidatos a prefeito municipal sobre os temas e problemas que, efetivamente, desassossegam os habitantes de Manaus, me fez mudar o tema desta Mira, inicialmente planejada para abordar a economia criativa e alternativa ao modelo de desenvolvimento aqui adotado. Parto de um comentário, entre vários, que repercutiram a Mira da semana passada a propósito da “...paixão por Manaus”. Recebi do cineasta amazonense Aurélio Michiles, atualmente residindo em São Paulo, uma consideração contundente e emblemática que traduz a inquietação de quem ama esta cidade e lastima seu abandono e destruição: “Você tocou num ponto que realmente exige uma reação imediata, trata-se de uma calamidade pública. Um lesa a memória da nossa História. Todas as vezes que passeio pelo "centro histórico de Manaus" sinto algo bater no meu coração...com certeza são as batidas de (dos) picareta (s) q têm administrado a cidade dos manauaras”.

A análise de Aurélio - que cursou Arquitetura na Universidade Nacional de Brasília, e aprendeu com o antropólogo Darci Ribeiro, reitor e guru na fase áurea e produtiva daquela instituição, a relação íntima entre espaço público, urbanismo e cidadania - sugere que todos nos recusemos a aceitar que este conjunto urbano e arquitetônico se transforme definitivamente em escombros, como se tivéssemos sido vítimas de um bombardeio de guerra. Estamos, definitivamente, no limite do escárnio. O porto flutuante, uma sofisticação da engenharia e da arquitetura, hoje é apenas um vão fixo, contrariando toda a herança da nossa geografia regida pelas águas. E o que é pior: um patrimônio colocado no centro de uma encrenca política das mais vergonhosas e constrangedoras. A área portuária, como um todo, apodrece por conta disso em todos os sentidos e nada sugere qualquer tipo de intervenção e moralização.

A Biblioteca Pública, para exemplificar, abriga algumas preciosidades sem os cuidados de preservação e uso que este patrimônio requer. Palco de muitas manifestações e iniciativas de afirmação de nossa identidade e glamour, o prédio assim como tantos de nossa memória urbana, exigem tomadas de posição urgentes e eficazes do poder municipal para sua guarda e zelo. Não há como desenhar um futuro para esta cidade sem priorizar seu passado, suas lutas e heranças. A história de uma sociedade ou civilização tem nexo causal, e saltos necessários de qualidade e avanços. Sem olhar para trás ninguém vislumbrará um futuro coerente e consistente de uma comunidade ou da sociedade como um todo.

E como desfecho desta temática tão vital e essencial recebi e transcrevo um comentário de Antônio Haddad, neto do grande empreendedor Jorge Haddad, figura marcante da construção de Manaus e de seus avanços: “Reverbera em mim suas assertivas sobre o caos que vive a nossa cidade, mormente falo a respeito do Centro, onde nasci e cresci morando no prédio que meu avô, Jorge Haddad, construiu na rua Barroso, e depois me mudei para a rua Monsenhor Coutinho, no endereço localizado onde existiu o palacete dos Miranda Correa na Praça do Congresso. A deterioração urbana é uma constante. Sua coluna tem sido uma trincheira de defesa da lei e da ordem no Centro, já que o Prefeito passou quase quatro anos e fingiu que o caso não é responsabilidade dele”. É preciso, portanto, cobrar dos candidatos, sem messianismo nem oportunismo eleitoreiro, para que eles venham a debater, propor e enfrentar, no caso do eleito, a gravidade caótica dessa paisagem que incomoda e traduz a todos nós.

Zoom-zoom

· Grampo universal – as operadoras de telefonia celular confirmaram na semana passada que a permissão da justiça de acesso ao sigilo telefônico de determinados cidadãos acaba universalizando o grampo e dando acesso à Polícia Federal aos números de todos os usuários do país. Isso fere frontalmente a Constituição e acaba de vez com a privacidade do homem e da mulher de bem.

· Pobres e ricos - O número de pessoas pobres caiu de 35% para 24,1% no período de 2003 a 2008, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) que considera como pobres todas as pessoas com renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo, ou seja, R$ 207,50. Os ricos, com renda mensal igual ou superior a 40 salários mínimos (R$ 16,6 mil), que eram 362 mil passaram a 476 mil segundo a mesma pesquisa.

· Redução por decreto - Isso mostra que o ganho de produtividade acumulado na economia não está sendo repassado para os salários. Ao não repassar esses ganhos, os produtores terminam formando um segmento mais privilegiado da população. Ou seja, a pobreza está sendo enfrentada por decreto, pelos programas sociais e não por mudança nas estruturas da economia. Daí a artificialidade de redução das desigualdades.

· Cana-de-açúcar – Como se fosse uma grande sacada, o governo federal anunciou esta semana a proibição peremptória ( e vesga) do plantio de cana na Amazônia, onde existem 16% de áreas de campos gerais, onde não seria necessário derrubar uma árvore. Uma proibição que faz o jogo das corporações estrangeiras e de suas organizações não-governamentais que aqui atuam na defesa de interesses escusos e estranhos à brasilidade.

(*) Belmiro é empresário e membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Amazonas.
Posted by Picasa

2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda acho que o Centro de Manaus precisa de providências. É vergonhoso chegar e avistar tanta sujeira que somada aos camelôs fazem os cartões postais sumirem...

Unknown disse...

Endosso as palavras do primo Belmiro. Crescemos nesta cidade e temos parâmetros para avaliar a degradação sofrida por ela nas últimas quatro décadas. Falta identidade da nossa população com a sua história. Por isso falta indignação dessa população que não se traduz em representação política que possa mudar o status quo do nosso urbanismo. Sinto que a cada dia fica mais difícil recuperar a face desta cidade cada vez mais desfigurada. Vamos torcer para que homens inteligentes venham a se interessar pela política e possam mudar esta situação.
Basílio Vianez