outubro 20, 2009

A Mídia e o Plano Diretor da Cidade

Auditório de "A Crítica"
Foto: Rogelio Casado - Manaus-Amazonas-Brasil, Outubro/2009


Da esq. para dir.: Profa. Elenise Scherer, administrador Roger Peres, arquiteto Jaime (Ulbra),
jornalista Hermengarda Junqueira, arquiteto João Bosco Chamma e deputado federal Francisco Praciano

A Mídia e o Plano Diretor da Cidade


Ainda é cedo para saber se A Crítica fará um gol de placa ou se a bola vai bater na trave. Ao por o Plano Diretor em debate torna-se o primeiro veículo de comunicação a entrar em campo. Nele alguns segmentos sociais mais ou menos organizados, durante três dias, discutiram o futuro da cidade. O mérito jornalístico é inegável.

Porém, numa leitura realista, ao considerarmos o jogo de forças políticas existente entre sociedade civil e sociedade política, é certo que a bola vai bater na trave. Resta saber quem, na última hora, vai dar o toque final e fazer a bola rolar para o fundo da rede.

Digo isso porque se é animadora a presença de representantes de algumas comunidades dos arredores de Manaus e meia dúzia de intelectuais orgânicos, certamente não será esse “Exército de Brancaleone” quem irá deter a poderosa máquina a serviço de interesses classistas.

O que sobrou da esquerda amazonense tem tocado um dobrado quando no centro da análise é posto em discussão a questão das classes sociais no atual desenvolvimento do capitalismo no Brasil, sobretudo a capacidade de organização das classes trabalhadoras comparativamente à da burguesia brasileira.

Se levarmos em conta a violenta repressão que recaiu sobre as formas de organização populares e dos setores dos trabalhadores, e as facilidades com que foram asseguradas e garantidas a associatividade empresarial – conforme análise feita pela professora Virgínia Fontes em entrevista à Caros Amigos – é auspicioso verificar a presença de comunitários num debate sobre o plano diretor da cidade. Mas é sintomática a ausência de lideranças empresariais, salvo a sóbria participação da Associação Comercial do Amazonas.

Faz sentido essa ausência, quando se olha o quadro de estabilização do jogo burguês no Brasil. Sabe o patronato que o peso da balança pende mais para os donos do capital. Razão pela qual desprezam os fóruns populares e acadêmicos criados para problematizar a realidade brasileira. A presença do patronato, num encontro promovido pela Universidade do Estado do Amazonas para discutir o tema “A universidade e o mundo do trabalho”, foi menos expressiva do que a dos trabalhadores.

Entretanto, quando os temas giram em torno do destino da BR-319 ou do terminal portuário das Lajes, por exemplo, mobiliza mais os empresários do que mesmo os integrantes do moderno empresariamento de uma das formas de organização mais difundida no país conhecidas como ONGs (340 mil, segundo o censo de 2005). É vexatória a ausência de conceituadas ONGs ambientalistas, habituadas a trabalhar no atacado, desprezando o varejo da degradação-ambiental-nossa-de-cada dia.

Quanto às organizações dos trabalhadores, estes costumam ausentar-se quando o assunto não diz respeito às suas categorias. Ocorre que não se faz sindicalismo tendo como base o território nacional, ou mesmo o território estadual. Faz-se sindicalismo a partir de um território municipal. A ausência do sindicalismo organizado – para ser redundante – no debate sob o Plano Diretor da cidade onde ele é praticado, revela, senão um erro de estratégia, falta de sensibilidade, sobretudo considerando que o pólo industrial de Manaus tem gerado graves problemas socioambientais.

Aqui não se pode imputar responsabilidades pela ausência num tema de interesse da cidadania ao sindicalismo surgido do ataque aos movimentos sociais e ao movimento dos trabalhadores , que incorporou, na virada dos anos 1980-1990, com apoio patronal, parcela expressiva da organização dos trabalhadores, resultando num sindicalismo de resultados, e, pior, no braço de apoio às seduções do capital.

Por tudo isso, o sindicalismo cutista, que lutou pela liberdade sindical, quando está em causa o futuro da cidade que nos pertence, não pode ser refém de articulações extra-sindicais, sob pena de romper com um rico passado de defesa dos direitos da população.

Resta lamentar que o MST atue na área rural e não na urbe. Lástima!

Virgínia Fontes na entrevista supracitada afirma com todas as letras: a luta de classes é a luta contra o capital, é a luta pela igualdade. E é no âmbito da sociedade política, tanto quanto da sociedade civil, que se dá a luta de classes. Sabe a “classe política” que não se vive apenas de estratégias de eleição, é no chão social que se dão as lutas pela democracia plena de direitos. Aonde houver predomínio do capital – cenário da crise dos últimos trinta anos, reforçado pela crise social criada para garantir esse capital –, nem mesmo a liberdade de imprensa é garantida, quanto mais liberdade para viver numa cidade saudável, onde a igualdade não seja direito de alguns e exceção para outros, como diz a eminente historiadora.

Um ex-prefeito de Manaus, num momento de dificuldade política, afirmou que a universidade estava de costas para a cidade e a sociedade que nela habita. A crítica errou o alvo. Não são de pesquisas que carecemos. Através e diversas áreas do conhecimento, milhares de sujeitos foram ouvidos nos municípios amazonenses. Nossa dificuldade reside numa (in)explicável inibição em articular os sujeitos organizados que vivem nessas sociedades.

Em meu tempo de estudante aprendi que há momentos para interpretar a realidade; outros, para mudá-la. Não raro, é possível interpretar e mudar, num incessante movimento dialético. Um Plano Diretor para a cidade não se faz sem a audição dos segmentos organizados. Desnecessário ressaltar que a metodologia deve ser participativa. A universidade dispõe de metodologias adequadas que não privilegia nenhuma hierarquia social. A questão é saber se há interesse em ouvir a universidade, onde certamente encontram-se projetos compromissados com os problemas e as necessidades da nossa gente. Depois será tarde para lamentar.

Em tempo: As autoridades responsáveis pela implantação do monotrilho de Manaus devem ouvir, urgentemente, as advertências do arquiteto João Boscco Chamma, caso queiram evitar erros graves no traçado proposto. Onde já se viu criar impacto visual por toda a extensão da av. Constantino Nery!!! Já cometemos o erro de deixar destruir grande parte do nosso patrimônio arquitetônico. Em nome de um conceito duvidoso de modernidade, o que foi destruído deu lugar a monstrengos arquitetônicos. Há outro traçado possível para o monotrilho, sem causar impactos de vizinhança. Passado o efeito plástico da novidade, os moradores do trajeto irão conviver com mais um serviço causador de poluição sonora. Pronto! Meus desafetos vão dizer que depois de ecologista virei arquiteto. Que nada! Dar picica é um direito inalienável de todo cidadão. E depois, tia Pátria costumava dizer que porque "tem gente que se emprenha pelos olhos" é que essa cidade (Manaus) virou uma papagaiada em termos de arquitetura. Filha de pais lusitanos, nascida nos primeiros anos do século XX, ela sabia apreciar o belo. Como um bom sobrinho que fui, continuo atento às sábias palavras da saudosa tia Pátria. Eu e João Bosco Chamma - que fomos criados na praça dos Remédios, numa época em que dali tinha-se uma bela visão da baía do Rio Negro -, somos seus eternos discípulos.
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