CAPS versus Hospício
Em Saúde Mental qualquer modelo terapêutico tem seu arcabouço ideológico e teórico-técnico. Mas é o dispositivo institucional no qual ele é executado que faz a diferença. É o caso dos modelos antagônicos sobre os quais venho escrevendo neste jornal: o manicomial e o psicossocial. Desse último faz parte o CAPS – Centro de Atenção Psicossocial (dispositivo que substitui o modelo baseado no hospital psiquiátrico); do primeiro, o hospício (dispositivo presente na história da humanidade nos últimos duzentos anos).
Para o psicanalista e professor universitário Abílio da Costa-Rosa, no modelo manicomial consideram-se orgânicos os problemas mentais, sendo o tratamento medicamentoso. Não havendo sujeito desejante, ele não é co-participante do tratamento, sendo mero organismo a receber medicamentos.
Isolado do contexto social – família, amigos, trabalho –, o sujeito em sofrimento serve apenas como objeto assistencial, enquanto famílias são alvo de uma pedagogia fracassada, que não leva em conta o sujeito que vive a experiência da loucura. Daí intermináveis palestras, indutoras da passividade, fadadas ao fracasso.
Quanto ao tratamento, pense numa fábrica de linha de montagem. Como se o sujeito fosse uma mercadoria, primeiro ele recebe um diagnóstico mal formulado, para depois passar nas mãos de outros especialistas. Pior que essa ultrapassada divisão do trabalho, só a visão alienada dos ambulatórios que julga ter posto fim ao confinamento, próprio dos dispositivos da sociedade disciplinar, sem se dar conta que deu lugar a um outro tipo de dispositivo da modernidade, onde se operam formas sutis de controle social.
Os recursos multiprofissionais deste modelo, considerado secundário, qualquer que seja a disciplina – psicologia, psicanálise, terapia ocupacional – não altera a natureza do modelo, nem a realidade política e sócio-cultural dos sujeitos em tratamento. Todos se assumem como sujeitos de especialidades (disciplina), diante de uma clientela concebida como objeto inerente da sua intervenção – clientela desprovida de história e contexto social.
Nesse modelo, o modo de tratamento da psicose é refém do modelo de cura dos cânones médicos. Pior; outras problemáticas são incluídas no mesmo saco de gatos desse modelo curativo: o alcoolismo, a drogadicção e as neuroses graves.
É instituição por excelência desse modelo o hospital psiquiátrico e seus ambulatórios de consulta, medicalizadores das dores humanas e das dores da existência.
No próximo artigo, o modelo psicossocial, com seus objetos e seus meios de trabalho.
Manaus, Dezembro de 2009.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
Nota do blog: Artigo publicado no Caderno Saúde & Bem Estar do jornal Amazonas em Tempo, que sai aos domingos.
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
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