dezembro 21, 2009

Drogas “ilícitas”: tentando superar a hipocrisia

Foto postada em pintandoosete.blogspot.com

... não é a mão que acende o "baseado", mas a que dissemina a hipocrisia.
(Zefofinho de Ogum)
ou qual o mal maior: a descriminalização ou a violência do narcotráfico?

Luzete Pereira

Vou fazer aqui tão somente um exercício e defender a hipótese de que não existe qualquer interesse em acabar com o tráfico de drogas e que a sua descriminalização se apresenta como a única saída, para por fim à violência decorrente das fracassadas políticas repressivas. Seria também uma forma de a sociedade se repensar, na medida em que o uso indiscriminado da droga funciona como fuga a algo que não está sendo fácil de enfrentar pelos individuos.

Todos nós sabemos que, do ponto de vista individual, o uso indiscriminado de qualquer droga provoca danos à saúde do indivíduo. Este dano se agrava se nossa referência for aquelas drogas classificadas de ilícitas. E é disto que queremos tratar aqui. Estamos falando de cocaína, maconha, ópio, anfetaminas, drogas cujo uso indiscriminado e sem finalidade terapêutica, alteram o estado de consciência do sujeito, a ponto de provocar danos com severas repercussões sobre a vida pessoal do sujeito e estendendo-se sobre a vida familiar. E, do ponto de vista social, todos nós somos vítimas da violência decorrente do flagrante insucesso das políticas de repressão, comandadas desde sempre pelo país que agrega o maior número de usuários.

Apesar de ser um país que reúne as condições mais precisas para ser definido como portador de uma narcoeconomia, os Estados Unidos continuam reunindo o maior número de consumidores de cocaína do mundo, com 2,5% da população viciada na droga, algo em torno de 7 milhões de pessoas, seus sucessivos governos se declaram e assim agem como o grande gestor das políticas mundiais de combate ao narcotráfico.E é aí que reside a hipocrisia!

Para se entender este aparente paradoxo, é importante saber que a indústria do narcotráfico movimenta entre 750 bilhões de dólares a US$ 1 trilhão, com lucros que não se comparam àqueles obtidos em qualquer outro ramo da produção. E isto sem falar na indústria de combate às drogas e que vai desde a produção de armas, aviões, até as políticas de repressão, à manutenção de presídios e hospitais, além do fornecimento de parte importante dos insumos e compostos químicos destinados a industrialização da droga, o qual rende à economia norte-americana algo em torno de US$ 240 bilhões anuais.

Estes números se elevam se considerarmos dados da revista Newsweek. Ela estima que o capital acumulado, a cada ano, por todas as máfias do mundo é estimado em US$ 3 trilhões, ou seja, mais de 10% de toda produção mundial de bens e serviços.

Talvez esta seja a contribuição mais relevante do neoliberalismo dos anos 90: a abertura indiscriminada dos mercados, a desregulamentação financeira internacional, abrindo as comportas do sistema financeiro mundial para uma enxurrada de narco-dólares que são lavados em paraísos financeiros do Caribe, Uruguai, Argentina, Brasil, Suíça, EUA, Israel. Grandes bancos aceitam de bom grado o que se estima em US$ 1 trilhão de narco-dólares que são lavados anualmente no sistema financeiro mundial.

A parte do leão fica com os países imperialistas que recolhem a maior parte dos lucros deste negócio, enquanto que para os países "produtores de matérias primas", ficam as menores fatias do bolo e, mesmo assim, nas mãos dos grandes traficantes.

A etapa principal do processo está nas mãos dos distribuidores nos grandes centros de consumo (principalmente EUA, que consome 240 toneladas de cocaína por ano, e Europa), em geral controlada pelas máfias destes países, estas raramente denunciadas ou perseguidas. Elas ficam com a maior parte dos lucros do negócio e estima-se que, sozinho, os EUA reciclam US$ 500 bilhões do negócio. Isto transforma os EUA no país onde a narco-economia tem uma importância vital, ocupando, aproximadamente, 5% do PIB e se convertendo no setor mais importante da economia norte-americana. Estima-se que apenas 10% do lucro ficam nos países produtores, enquanto 90% vão para as mãos das máfias que operam dentro dos EUA.

Estudo efetuado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro "A Economia do Tráfico na Cidade do Rio de Janeiro: Uma Tentativa de Calcular o Valor do Negócio", efetuado em dezembro de 2008, estimou que o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, envolvendo maconha, cocaína e crack, fatura entre 316 e 633 milhões de reais por ano.

Portanto, os interesses em jogo são muitos. No que se refere as políticas de combate às drogas, os Estados Unidos servem, novamente como referência. Dados indicam que, entre 1980 e 2000, o orçamento federal passou de 1 bilhão para 18.5 bilhões de dólares. E são reveladores estes dados trazido por Jack Cole. Detetive aposentado da Polícia de Nova Jersey, nos Estados Unidos, ele diz que quando o combate começava, na década de 1970, os estudos apontavam que cerca de 1,3% da população era viciada em algum tipo de droga. Por conta disso, começamos uma guerra, diz ele, com custos de aproximadamente US$ 100 milhões ao ano. Passadas algumas décadas, os gastos que temos nessa área já chegam a US$ 70 bilhões e o percentual de viciados continua nos 1,3%, argumenta.

E, apesar disto, o acesso a droga não é nenhum mistério. Dados de 1999 revelam que estudantes secundários americanos consideram fácil adquirir drogas ilícitas: 88% dos entrevistados disseram que é fácil comprar maconha e 47% afirmaram poder comprar cocaína sem dificuldades. E as coisas não mudaram. No Brasil, a realidade das ruas é suficiente para ilustrar o fato.

Se formos considerar a letalidade das drogas ilícitas, anualmente (para dados por volta do ano 2000) morrem, nos Estados Unidos, aproximadamente 500.000 pessoas em conseqüência do uso de drogas lícitas e apenas 20.000 mortes relacionam-se ao uso de drogas ilícitas. A ponderação dos dados mostra que as drogas lícitas são, de fato, muito mais letais: morrem 506 pessoas em cada 100.000 usuários de álcool e tabaco, contra 166 em cada 100.000 usuários de maconha, cocaína, crack e heroína. Talvez aqui, tenha que se considerar o custo psicológico e social das drogas ilícitas, sem dúvida mais danoso.

As mortes clínicas são superadas pelas mortes decorrentes da violência que ronda as políticas de combate ao tráfico. Nos Estados Unidos, 2/3 dos homicídios envolvendo drogas são provocados por armas de fogo. E aqui o dano é final.

Mas, para o grande gerente do mundo, o mal está nos produtores das matérias primas. São citados os 20 países que, de acordo com o Departamento de Estado norte-americano, são considerados produtores ou plataformas de drogas: Afeganistão, Bahamas, Bolívia, Brasil, Mianmar, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Índia, Jamaica, Laos, México, Nigéria, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela.

Trata-se apenas de mais uma desculpa para criar outra frente de negócios, numa forma clássica de transferência de problema e abrir mais uma frente de exploração. Esta é a hipocrisia. Por exemplo, a pretexto de defender uma política de combate às drogas, Estados Unidos e Colômbia anunciaram, em 31 de agosto de 2000, em Cartágena, o lançamento do Plano Colômbia que, apesar do nome, estendia as ações americanas, desde o início, para o Equador e Peru. Com a eleição de Rafael Correa, o Equador se retirou do processo e revogou a presença dos EUA na base localizada em Manta, no litoral noroeste do país.

A Colômbia previa ceder sete bases em seu território e um investimento de US$7,5bilhão, em cinco anos, para fomentar o desenvolvimento econômico do país e financiar culturas alternativas em substituição às plantações de coca. Mas, do montante, os EstadosUnidos forneceriam apenas U$1,3 bilhão (incluindo U$47 milhões como ajuda ao Equador), e US$4 bilhões seriam providos pelo Governo da Colômbia, US$1.9 bilhão pela Europa e algumas instituições. Essa iniciativa afigurou-se uma estratégia, visando a redesenhar o mapa da América do Sul. Não é à toa que tal “ajuda” tem sido questionada especialmente por Bolívia, Venezuela e Equador, que veem riscos a sua soberania. Mas tal plano também foi levado aos mexicanos.

Oficialmente aprovado em maio de 2008, o Plano México tem um orçamento de 1,4 bilhão de dólares durante três anos e pretende, sobretudo, criar um corredor de capacitação das instituições de segurança mexicanas, estadunidenses e colombianas, numa clara intromissão no gerenciamento do país.

Com essa estratégia, os Estados Unidos visam diminuir a oferta da cocaína em seu país. Mas, além de obter vantagens com a venda de armas e aeronaves norte-americanas,, também ficam livres para exercer o poder na região. Como é o caso do que ocorreu no departamento de Arauca, no oriente colombiano, onde está a segunda riqueza em petróleo do país, explorada pela multinacional dos Estados Unidos Exxon. Ali, o governo estadunidense entregou uma quantidade enorme de recursos para a unidade militar da região e, assim, tratando a população camponesa local como se fosse guerrilha, perseguiram sistematicamente os movimentos sociais que se opunham ao projeto. E, em se tratando de fronteira com a Venezuela, é fácil entender o valor desse investimento.

Atualmente, os EUA mantêm cerca de 820 bases em 60 países. Dispõem de um exército de 1,5 milhões de homens, dos quais 300 mil no exterior, sendo metade no Iraque e no Afeganistão. A outra metade espalha-se por outros países. O Grande Império do Norte gasta em seu aparato bélico o equivalente a 42% dos gastos militares globais, algo próximo a 610 bilhões de dólares.

Muitas são as mentiras. Pouco interessa o combate às drogas. Pouco interessa que as sociedades regulem seu destino. Se alega que a descriminalização da droga fará com que os traficantes se desloquem para outras áreas, inclusive chegando-se ao cúmulo de alegar que isto provocaria desemprego.

Proibir é o que mais interessa. É a única coisa que interessa. Só isto gera os lucros astronômicos que assistimos impávidos. Mas a sociedade e seus homens precisam entender que políticas de prevenção (no Brasil o caso da política de combate à AIDS é exemplar) é a única política que pode dar certo. Orientar. Prevenir. Este é o caminho.

A agressividade tem que mudar de lugar. Tem que ir para a nossa coragem de dizer não. Para a coragem de exigir uma legislação de controle de venda da droga. Para uma política que busque entender porque tantos dos nossos homens precisam desta fuga psicológica que arruína suas vidas. Arruína, sobretudo, porque a violência resulta na única forma de vida permitida por aqueles que alegam defender a sociedade.

E, afinal, por que tantos precisam de drogas para viver? Estamos esquecendo de ensinar que viver é bom, mas não é fácil. É fácil apenas para os aproveitadores da boa fé dos homens ingênuos.Para fazer este texto usei referências de artigos encontrados nestes endereços:

http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/jornal.2009-...
http://cebrapaz.org.br/site/index.php?option=com_content&task=v...
http://www.ucamcesec.com.br/md_art_texto.php?cod_proj=33
http://veja.abril.com.br/idade/educacao/pesquise/drogas/1465.html
http://processocom.wordpress.com/2009/09/14/bases-militares-dos-eua...
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=40919
http://www.portalpopular.org.br/joomla/index.php?option=com_content...
http://www.pampalivre.info/narcotrafico_maior_negocio_imperialista.htm

Fonte: Portal Luis Nassif
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Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom o artigo. Bastante esclarecedor. Realmente violência gera violência, que gera morte que gera lucro.

Estas pessoas não devem ter lamas, nem consciência. A competição do mercado Neoliberal nos torna simples animais pedradores! Podemos ser mais que animais?????