maio 06, 2010

Grandes projetos: investimento na insanidade humana

Hidrelétrica de Balbina
Foto publicada no Jornal Amazonas em Tempo
GRANDES PROJETOS: INVESTIMENTO NA INSANIDADE HUMANA


Do meio da multidão de índios e seus aliados em festa, na aldeia de Maturuca/Raposa-Serra do Sol/RR, ouvi atentamente o discurso de Lula. Discurso impecável. Mas em conversa com os seus assessores e ouvindo, alguns dias depois, entrevista de Lula sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, parecia estar de volta no tempo, Rio de Janeiro/1973, participando da 81ª. Assembléia do Conselho Nacional de Proteção aos Índios. Naquela Assembléia o Gal. Carlos Alberto Torres declarou: “A integração do índio na comunidade nacional é inexorável e faz parte do desenvolvimento do Brasil”. E o presidente da FUNAI, Gal. Oscar Jerônimo Bandeira de Mello “referindo-se às diretrizes da Funai voltou a ressaltar que o Índio não pode deter o desenvolvimento”.

Lula e seus assessores sustentam a mesma posição sobre os projetos do PAC. Assim, consideram a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte irreversível, não porque eles o queiram, mas porque foi determinado do alto, instancia que Lula define como exigência do governo de levar o Brasil à 5ª. Potência mundial. Mero interesse de empresas multinacionais. Para torná-la uma idéia fixa de todo o mundo, a TAM condena, horas e horas, todos os seus passageiros a lerem esta frase, inscrita em todas as poltronas das suas aeronaves: “O Brasil será a 5ª. Potencia mundial na próxima década. Qual a vantagem para a sua empresa?”

Outro argumento para a construção de hidrelétricas é a produção de energia limpa. Entretanto, esquecem os governantes de dizer que o produto das hidrelétricas vai alimentar também os maiores poluidores da natureza. Para quem se destina 75% da energia produzida por Tucuruí, senão para garantir o funcionamento das duas maiores poluidoras do Pará: duas empresas multinacionais que exploram o alumínio? E nas cidades, investimentos do governo e dos bancos, aumentam os problemas ambientais financiando fábricas de plásticos, montadoras de carros e máquinas de todo o tipo que espalham e poluição pela a face da terra.

O Vale do rio Chapecó é um dos vales mais férteis do país. Impressiona a quantidade de alimentos produzidos ali, não apenas para a população local, mas para a região, para o país e para a exportação. Até a Rússia importa alimentos do vale do Chapecó. Ocupado por pequenos agricultores desde a década de 1950, estes não são organizados como os índios da região de Belo Monte para manifestarem a dor de verem suas terras roubadas pelo Estado e alagadas para produção de energia elétrica. Sabem que ninguém lhes devolverá jamais, em parte alguma, terras iguais. O desespero está visível em todas as faces. Nenhum governante e nem dono de construtora deveria ocupar tal cargo, sem antes conviver, pelo menos uma semana, com uma comunidade de agricultores ou de indígenas atingidos por barragens.

O Vale do Rio Juruena em Mato Grosso é outro exemplo esclarecedor. Durante o Governo Lula o IFAN declarou patrimônio cultural do País a celebração anual do Yankwá, do povo Enauenê Nauê, celebração da qual é parte essencial uma pescaria abundante num afluente do Rio Juruena. Passaram-se apenas dois anos e o mesmo governo construiu ali várias Hidrelétricas que inviabilizaram a pesca comunitária, parte do rito religioso e de subsistência.

Mesmo que o grande projeto visa trazer benefícios, atrás dele se instala um processo maior de morte e de rapinagem. Juscelino Kubitscheck criou no final dos anos de 1950 uma leva de empresas de construção, verdadeiros monstros que o ajudaram a realizar o sonho de Brasília e que até hoje garantem a megalomania dos governos: Paranapanema, Mendes Junior, Queiroz Galvão, Camargo Correia...

Hoje Brasília reluta entre ser “patrimônio da humanidade”, ou ser “mar de lama”, onde a corrupção se propaga como as bactérias dentro de um esgoto. Já se tornou o símbolo maior dessa praga no país. Depois de Brasília, Juscelino ocupou as empresas na construção de rodovias para a Amazônia: Brasília-Belém, com genocício do povo Avá-Canoeiro, Brasília-Porto Velho, sacrificando os povos Nanbikuara, Suruí e Cinta Larga... A ditadura militar seguiu Juscelino dando mais comida às construtoras. Construiu a Transamazônica com o sacrifício dos Parakanã, Arara entre outros, para “para dar a terra sem homens aos homens sem terra”. Mas já em 1973 de passagem pela sede do INCRA em Altamira constatei que os agricultores sem terra não eram o interesse maior, mas, o latifúndio que se instalava atrás da Rodovia e das vicinais. Construiu a Perimetral Norte, atingindo os Wai-Wai, os Yanomami e outros mais. Não melhorou a situação dos povos da fronteira, mas foi instrumento para facilitar o saque de suas riquezas naturais e para alimentar as empresas de construção. Haja visto que grande parte delas foram abandonadas após depredarem extensas florestas e causarem a destruição do povo local. Nunca trouxe os anunciados benefícios à população pobre nacional. Ainda a Cuiabá-Santarém com a morte de 2/3 dos Krenhakarore, ou índios Gigantes e o roubo total de suas terras pelo Estado e, finalmente, sua transferência para o Parque Nacional do Xingu. A Rodovia Manaus-Caracaraí matou mais de 2.000 Waimiri-Atroari e instalou na região um agressivo processo de rapinagem. A terra do povo indígena foi reduzida a 1/5 e entregue à inundação para acionar hidrelétricas, entre as quais Balbina, já qualificada como “Monumento à Insanidade Humana”. Outra parte foi entregue à construtora Paranapanema, agora transformada em exploradora e exportadora de minérios estratégicos. Assim, desde a sua origem a rodovia Manaus-Caracarai é protótipo de uma rapinagem crônica que abre caminho a grileiros, elege políticos e escolhe ministros.

A voracidade das máquinas de destruição ambiental chegou a assustar o mundo. E sob pressão internacional o Banco Mundial exigiu que a ditadura desviasse a ganância das empresas rumo ao agronegócio, criando pólos de desenvolvimento. Em especial, o Pólo Noroeste. O resultado foi a destruição de imensas extensões de cerrado, o envenenamento da terra com agroquímicos e a comercialização de milhões de toneladas de produtos alimentícios contaminados com agrotóxicos e mais recentemente com transgênicos.

Há uma relação entre grandes projetos e ditadura. O determinismo do Governo com relação a Belo Monte, às hidrelétricas do rio Chapecó/SC, enfim, referente a todos os grandes projetos, não apresenta diferença alguma com a ditadura militar. Frente a esse determinismo do governo a finalidade do IBAMA, da FUNAI e de quantos instrumentos de “defesa” popular e ambiental, o poder cria, é apenas contornar elegantemente os problemas, evitando traumas. Agentes da ditadura militar e agentes do governo da Nova República, de direita e de esquerda, mantêm sobre esse assunto uma sintonia perfeita. A política desenvolvimentista, constantemente ressaltada pelos governantes de ontem e de hoje, leva em seu bojo a destruição dos povos indígenas, do ambiente e do futuro da vida na terra.

Universidades e instituições, do governo ou privadas, financiadas com recursos públicos, respaldam os grandes projetos e a industrialização, transferindo tecnologias para ficções criadas pelo homem: empresas e estado. Não para pessoas e comunidades que vivem da terra. Um exemplo: há três anos um estudante do interior do Amazonas prestou vestibular na UEA-Universidade Estadual do Amazonas para Tecnologia Mecânica, visando armar-se de conhecimentos e práticas tecnológicas que pudesse transferir às comunidades interioranas: indígenas e de agricultores. Passou no exame, mas após dois anos desistiu do curso, pois a faculdade escolhida não tem essa preocupação. Transfere apenas teorias que visam cobrir as lacunas do Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus. Um grande projeto que ontem serviu para “des”-envolver o povo amazônida de suas terras. Hoje é o mercado maior que sustenta um Estado “necessitado” de escolas que garantam continuidade à leseira e burrice metropolitana, conduzindo o povo ao destino que recentes ocorrências em São Paulo e Rio de Janeiro vislumbram: dejetos boiando durante dias e meses, em ruas e casas de bairros inteiros. E bairro inteiro soterrado em lixeira.

É, sim, possível superar o problema da falta de energia, sem agredir os bens materiais e imateriais das comunidades indígenas e das terras de agricultores. Basta querer mudar o paradigma das cidades e dos educandários, hoje afundando na estagnação. Basta querer transformar, escolas e pequenas cidades em centros de irradiação de experiências voltadas para a terra, onde a sabedoria e a criatividade das pessoas e das comunidades irão produzir com fartura alimentos saudáveis e deliciosos para a mesa da vida e onde as mesmas comunidades tem o domínio das tecnologias necessárias para o seu bem-viver diário.

Casa da Cultura do Urubuí/Amazonas – 05-5-10

Doroti e Egydio Schwade

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