por Alan Souza * – Faltando poucos dias para o início da campanha eleitoral na televisão e rádio, o domínio da cena de campanha pertence aos factoides. Um factoide é uma ficção, uma mentira, mas que é apresentado cercado de argumentos (sempre falaciosos) que pretendem atribuir-lhe uma aparência de verdade. Em suma, é a estratégia de Goebbels em roupagem moderna. O ministro da Propaganda do Reich hitlerista dizia que uma mentira repetida cem vezes torna-se verdade. Pois assim tem sido com os factoides, são mentiras repetidas exaustivamente, até que algumas pessoas as consideram verdades.
Nas últimas semanas diversos factoides vieram à boca do palco. O vice de José Serra, Índio da Costa, do DEM/RJ, foi responsável pelo mais batido e rebatido e que mais prejuízo rendeu às hostes Tucanas e a seus aliados. Índio repisou a antiga acusação de que o PT teria ligações com as FARC, o grupo paramilitar que tenta há décadas tomar o poder na Colômbia. As FARC têm uma péssima imagem mundial, pela sua associação ostensiva com o narcotráfico e com ações covardes como sequestros e atentados. Por isso a campanha serrista sempre imagina que vá derrubar o PT associando a imagem do partido às FARC. O PSDB tenta isso há três eleições. Nunca surtiu efeito e já rendeu punições anteriores ao tucano, mas como aprender com a prática não é o forte de Serra, ele continua autorizando o comando da campanha a repetir o factoide. Para não se queimar muito, dessa vez ele escalou o neófito vice Índio da Costa para a patuscada.
A estratégia foi mais do que inútil, como já fora antes: foi desastrosa. O PSDB foi condenado pelo TSE a manter, durante dez dias, um direito de resposta do PT em seu site. Os aliados também sofreram ao dar repercussão ao factoide: a revista Veja foi condenada a veicular em suas páginas um direito de resposta do PT. Como mostra o jornalista Luis Nassif, Veja sentiu tanto o impacto que resolveu até maneirar na sua abordagem de outros factoides – a revista é disparado um dos maiores divulgadores de factoides do Brasil.
Já escrevi aqui anteriormente que as acusações midiáticas da campanha serrista, quando resolvem explorar factoides, em geral servem para encobrir situações do lado tucano. Foi assim com o factoide dos programas de governo, que abordei em um texto anterior aqui no Amálgama. Com a acusação de associação com as FARC não poderia ser diferente. Apesar da acusação recorrente, o PSDB nunca comprovou o que alega. Em compensação, foi o próprio UOL, portal de internet do Grupo Folha, que lembrou: as FARC mantiveram interlocução constante com o governo do Brasil na gestão de Fernando Henrique Cardoso. O senador Artur Virgílio, tucano de quatro costados, na condição de secretário-geral do PSDB, durante o governo FHC conversou com o representante das FARC no Brasil, inclusive recebendo-os em reunião. Isso, é lógico, Serra e seu vice Índio jamais mencionarão.
Os factoides atingem níveis inimagináveis no território livre da internet. Semanalmente circulam e-mails apócrifos e correntes, acusando Lula, o PT e Dilma Rousseff de tudo que houver de ruim. Uma das mais recentes é a que afirma estar Dilma proibida de pisar nos EUA, por sua suposta participação o sequestro do então embaixador dos EUA no Brasil, Charles Elbrick, em 1969 (a estória contada no filme O que é isso, companheiro?). Ocorre que a única mulher a participar da ação foi a socióloga Vera Magalhães (falecida em 2007), retratada no filme em diferentes momentos pelas atrizes Fernanda Torres e Cláudia Abreu. Quem atuou no sequestro e é efetivamente proibido de ingressar nos EUA é o deputado Fernando Gabeira (PV/RJ), atualmente candidato ao governo do Rio de Janeiro – e aliadíssimo de José Serra. Mais um factoide em que a oposição atira pedra sem olhar a própria vidraça.
Outra mentira requentada nas últimas semanas é um texto desancando Dilma Rousseff e atribuído à jornalista Marília Gabriela. É um factoide que veio ao mundo pelas mãos de um emérito serrista, o deputado federal José Carlos Aleluia (DEM/BA), que divulgou o texto em seu site. A própria jornalista desmentiu a autoria do texto e o classificou de “estupidez”. Esse texto é um representante perfeito do “discurso do medo”, lançado (e nunca abandonado, como visto) pelo PSDB na campanha presidencial de 2002, com a participação da atriz Regina Duarte no programa de TV de José Serra.
Outros pontos da sucessão de factoides que são discursos requentados: a acusação de que Dilma nunca foi política, nunca disputou uma campanha eleitoral e por isso não serve para ser presidente. As mesmas afirmações se aplicam ao candidato do PSDB ao governo de Minas Gerais, Antonio Anastasia, ungido por Aécio Neves à condição de candidato tucano sem nunca ter disputado uma eleição. Outra acusação constante que se faz ao PT é a sua busca insaciável pelo poder, querendo manter-se na presidência após governar o país por oito anos. Setores do PSDB e do DEM que reproduzem esse factoide bradam pela “alternância no poder”, seja lá o que querem dizer com isso. Mas esquecem providencialmente que o PSDB manda em São Paulo há 16 anos e em Minas Gerais há oito – e nos dois Estados não apresenta a menor intenção de permitir a tal “alternância”…
A pergunta que não quer calar é: se os factoides não arrebanham um único voto e só trazem problemas a quem os propaga, então por qual motivo os candidatos continuam a fazer uso deles? Difícil, muito difícil responder. O próprio comando da campanha de Serra já entendeu que esse tipo de atitude não rende votos a Serra e nem tira votos de Dilma, como mostra este texto do jornalista Josias de Souza. A insistência nos factoides, portanto, talvez só possa ser explicada por algum comportamento patológico.
* Alan Souza, Brasília-DF. Blog: prof.alan.blog.uol.com.br.
[na abertura: detalhe trabalhado da capa de Veja de 2/10/2002]
3 comentário(s) neste post:
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2010-Aug-10 Eu fiquei acordado até agora, esperando o texto cair na rede, só pra acrescentar mais um factoide. No debate da Band o Serra bateu e repisou o quanto pôde o factoide das APAE's, acusando o governo de "crueldade". Se ganhou meio voto com aquilo foi muito, até porque mentira tem perna curta. No decorrer da semana descobriu-se que o Governo Federal repassara às APAE's, em 2009, a bagatela de 282 milhões de reais. E neste ano vai repassar 293 milhões. E, graças ao Cloaca News, descobrimos que quem deixou de repassar verba para as APAE's foi Geraldo Alckmin, quando governou São Paulo. Ele, o aliado de todas as horas de José Serra e seu atual candidato ao governo de SP (veja aqui: http://bit.ly/bZQBM4). É como eu sempre digo: toda vez que Serra acusar Dilma ou o PT de algo errado, você pode procurar porque é algo que ele mesmo faz ou já fez - ou então delegou a alguém do PSDB ou do DEM...
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