Nota do blog: Tem a turma do "deixa disso", a do "mais ou menos", a do "num tô nem aí", a do "pelo menos" e a do "isso é assim mesmo". Cada uma delas, na verdade 'tá se lixando pra crianças e adolescentes. Parodiando o velho Luís Cerqueira, é por causa desses FDP que é o país demora a mudar.
Imagem postada em portaldobaixosul.blogspot.com
Sujeitos de direitos só no papel
Dora Martins*
(5'01'' / 1.15 Mb) - Antes da Constituição de 1988, a criança e o adolescente brasileiros eram chamados de menores. E então se dizia da justiça do menor, do direito do menor e o olhar que se tinha sobre as questões que diziam respeito a eles era, assim, algo menor. A Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição cidadã, trouxe à luz a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. Isso quer dizer que eles, crianças e adolescentes, a partir de então, são reconhecidos como partes ativas da sociedade e dela podem exigir o exercício de seus direitos e a proteção deles.
Tanto assim que o artigo 227 da Constituição diz ser dever “da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Buscando dar cumprimento a essa tarefa, o Brasil, dois anos depois, em 1990, elaborou o Estatuto da Criança e do Adolescente, o conhecido ECA, no qual estabeleceu toda estrutura legal para por em prática o que a Constituição determinou. E o ECA é um instrumento legal importante, moderno e que se fosse aplicado à risca poderia, sim, valorizar, proteger e garantir que crianças e adolescentes se tornem adultos aptos para serem autênticos cidadãos. Mas, neste ano do 20º aniversário do ECA não se tem muito a comemorar e o que se sabe é da necessidade de a sociedade fazer uma avaliação de sua responsabilidade, ou da falta dela, perante as gerações que crescem neste pais, sem ter seus direitos respeitados e sua dignidade reconhecida.
Leis é que não faltam ao povo brasileiro, que tem no papel escrito todo o formato de uma sociedade ideal. Mas, somos ainda numa sociedade com tristes disparidades. Se de um lado há discursos eufóricos sobre crescimento econômico, lucros, riquezas petrolíferas e avanços tecnológicos, de outro temos as crianças e adolescentes brasileiros a pagar a conta mais cara de tudo isso. O sucateamento da educação e saúde no Brasil fere diretamente os direitos previstos no ECA. E temos crianças sem escola, sem atendimento médico digno, sem alimentação balanceada, e, como numa espiral cruel, sabe-se que crianças já compõem o cenário do mundo da criminalidade, especialmente nas periferias das grandes cidades, agindo e morrendo dentro dessa estrutura.
A Justiça, ao aplicar as regras do ECA pouco tem feito no sentido de provocar o Estado e a sociedade para que tal situação da criança e do adolescente se altere. Adolescentes infratores são tratados como criminosos e as medidas que são impostas a eles, que o Estatuto chama de medidas protetivas, se revelam, na prática, penas até mais graves do que aquelas impostas a deliquentes adultos.
O alto número de gravidez em adolescentes reflete-se na população infantil que vive em abrigos institucionais, novo nome dado aos orfanatos, em todo o pais. Muitas campanhas tem sido feitas para que a sociedade se sensibilize com tal situação e adotem crianças sem família. Contudo, sabe-se bem que adoção não é solução para esse quadro cruel que persiste. Em ano eleitoral, não faltarão discursos e promessas de cuidados e mudanças em prol da infância e juventude. Mas, para isso, não nos esqueçamos, já temos lei.
Temos 20 anos de vigência de um Estatuto da Criança e Adolescente bem escrito. O que falta é, talvez, um olhar menos preconceituoso, mais sincero e mais humano para quem é criança e adolescente e pobre neste pais.
*Juíza e integrante da Associação Juízes para a Democracia.
23/08/10
Fonte: Radioagência NP
(5'01'' / 1.15 Mb) - Antes da Constituição de 1988, a criança e o adolescente brasileiros eram chamados de menores. E então se dizia da justiça do menor, do direito do menor e o olhar que se tinha sobre as questões que diziam respeito a eles era, assim, algo menor. A Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição cidadã, trouxe à luz a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. Isso quer dizer que eles, crianças e adolescentes, a partir de então, são reconhecidos como partes ativas da sociedade e dela podem exigir o exercício de seus direitos e a proteção deles.
Tanto assim que o artigo 227 da Constituição diz ser dever “da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Buscando dar cumprimento a essa tarefa, o Brasil, dois anos depois, em 1990, elaborou o Estatuto da Criança e do Adolescente, o conhecido ECA, no qual estabeleceu toda estrutura legal para por em prática o que a Constituição determinou. E o ECA é um instrumento legal importante, moderno e que se fosse aplicado à risca poderia, sim, valorizar, proteger e garantir que crianças e adolescentes se tornem adultos aptos para serem autênticos cidadãos. Mas, neste ano do 20º aniversário do ECA não se tem muito a comemorar e o que se sabe é da necessidade de a sociedade fazer uma avaliação de sua responsabilidade, ou da falta dela, perante as gerações que crescem neste pais, sem ter seus direitos respeitados e sua dignidade reconhecida.
Leis é que não faltam ao povo brasileiro, que tem no papel escrito todo o formato de uma sociedade ideal. Mas, somos ainda numa sociedade com tristes disparidades. Se de um lado há discursos eufóricos sobre crescimento econômico, lucros, riquezas petrolíferas e avanços tecnológicos, de outro temos as crianças e adolescentes brasileiros a pagar a conta mais cara de tudo isso. O sucateamento da educação e saúde no Brasil fere diretamente os direitos previstos no ECA. E temos crianças sem escola, sem atendimento médico digno, sem alimentação balanceada, e, como numa espiral cruel, sabe-se que crianças já compõem o cenário do mundo da criminalidade, especialmente nas periferias das grandes cidades, agindo e morrendo dentro dessa estrutura.
A Justiça, ao aplicar as regras do ECA pouco tem feito no sentido de provocar o Estado e a sociedade para que tal situação da criança e do adolescente se altere. Adolescentes infratores são tratados como criminosos e as medidas que são impostas a eles, que o Estatuto chama de medidas protetivas, se revelam, na prática, penas até mais graves do que aquelas impostas a deliquentes adultos.
O alto número de gravidez em adolescentes reflete-se na população infantil que vive em abrigos institucionais, novo nome dado aos orfanatos, em todo o pais. Muitas campanhas tem sido feitas para que a sociedade se sensibilize com tal situação e adotem crianças sem família. Contudo, sabe-se bem que adoção não é solução para esse quadro cruel que persiste. Em ano eleitoral, não faltarão discursos e promessas de cuidados e mudanças em prol da infância e juventude. Mas, para isso, não nos esqueçamos, já temos lei.
Temos 20 anos de vigência de um Estatuto da Criança e Adolescente bem escrito. O que falta é, talvez, um olhar menos preconceituoso, mais sincero e mais humano para quem é criança e adolescente e pobre neste pais.
*Juíza e integrante da Associação Juízes para a Democracia.
23/08/10
Fonte: Radioagência NP
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