janeiro 05, 2010

Tragédias ambientais: cobiça e descaso


O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, é especialista no solo da região da Serra do Mar. Ele fala sobre as possíveis causas do acidente.

Nota do blog: O jornal A Crítica de hoje traz matéria assinada pela jornalista Ana Célia Ossame sobre áreas de risco da cidade de Manaus, cidade com alto índice pluviométrico e um incontrolável processo de favelização. Recentemente, uma dessas áreas ocupadas irregularmente no beiradão (orla) do bairro de Educandos veio abaixo. A Secretaria Municipal de Defesa Civil reconhece a existência de cerca de 120 áreas de risco, mas ressalva que nenhuma delas tem situação "semelhante à Angra do Reis". O que respostas óbvias como essa escondem é a ausência de planejamento urbano, omissão e descaso histórico quanto a ocupação de áreas de risco, sobretudo a dos igarapés e do beiradão. Neste último, além de assujeitar milhares de famílias ao risco de desabamento, deixou a cidade de costas para a bela baía do Rio Negro.

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Sobre a cobiça humana

Por Gustavo Barreto em 04/01/2010

Causa em mim, uma angústia profunda ao testemunhar, pela televisão, os recentes “incidentes da Natureza” na região central de Angra dos Reis e na Ilha Grande. Mas não só por conta das perdas irreparáveis. Também pela lógica que a manterá, depois deste momento inicial de “indignação”.

Perdi um amigo em Paraty, Bernhard Metzger, e fui obrigado a reconhecê-lo no mesmo IML de Angra dos Reis, apesar da minha indignação com o descaso das autoridades locais. Ele era suíço e não tinha qualquer obrigação – assim como milhares de turistas – de saber que o mar da região não é para brincadeira. Nenhuma placa de sinalização na praia de Trindade, onde ele se despediu de nós. Nenhum informe. Quase nenhum apoio oficial diante do nosso desespero. Na semana seguinte, eu observava durante horas a praia. Famílias inteiras passavam pela mesma situação. Desconhecem totalmente os perigos da ressaca, o poder da Natureza, pouco sabem sobre os riscos iminentes.

No lugar de alertas, recebemos apenas panfletos mostrando “as maravilhas de Paraty”, oferecendo serviços, hotéis luxuosos. Em toda a região é assim. A mídia, igualmente, nem sequer nota. Toda semana alguém é pego pela ressaca, pelos deslizamentos, por falta de aviso. O problema é complexo, mas temos que dar o nome aos bois: é descaso e cobiça.

Na época, sem holofotes, eu tive que ficar durante uma semana em Paraty buscando Bernhard no mar, quase que implorando por atenção. Alguns exemplos de reação: o gabinete da prefeitura de Paraty duvidou da minha palavra (!) e o editor-chefe do RJTV tratou com desrespeito a namorada do rapaz, fazendo pouco caso do ocorrido e desdenhando da dor alheia (!!). Por uma questão de ética, não citarei o nome desse monstro em forma de humano, mas ele sabe quem é. Um típico editor de TV, a la Boris Casoy. A solidariedade veio apenas da população. Das pessoas reais.

Mídia a serviço da espetacularização

No caso mais recente, nem sequer os holofotes ajudam: a imprensa se limita a noticiar as histórias trágicas, depoimentos de parentes, sobreviventes e conhecidos. Mostra ainda recortes de depoimentos de políticos, que se limitam a desinformar o público ou fazer demagogia, conforme demonstrarei neste artigo. E voltam a se preocupar com o turismo, com os negócios. É tudo muito previsível. Que atividade mais medíocre é o jornalismo hoje em dia.

Uma única reportagem no Jornal da Band dia dois de janeiro – que por sinal é uma das poucas que não está no site deles! (aqui) – possui uma fala lúcida (e se alguém souber de outras, comente aqui nesta postagem). Um especialista, geólogo, é objetivo e direto neste vídeo: “Neste tipo de região o ser humano não poderia nem chegar perto”. Poderia, claro, explorar, conhecer, como eu mesmo gosto de fazer. Mas nunca, em hipótese alguma, ocupar. Em seguida o Jornal da Band mostrou um infográfico que deixa claro o posicionamento do especialista. É aterrorizante ver o quanto a tragédia estava anunciada.

“Esta área é instável naturalmente. Ocorrem escorregamentos mesmo sem a ação humana. No caso específico do desabamento na Ilha Grande era uma das situações naturais mais críticas, mais instáveis que se conhece. Costa bastante íngreme, com uma camada delgada de solo sobre uma laje de rocha impermeável, ou seja, de forma nenhuma poderia ser autorizada a ocupação do sopé daquelas encostas”, disse o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, em matéria no Portal Terra.

Essa situação era conhecida. E não só pelos especialistas.

Nesta matéria, e em outras declarações, o vice-governador e secretário de Obras do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, confirma em letras garrafais que a situação era conhecida. Há muito tempo. Agora, apenas após uma tragédia, eles “anunciam” mudanças (será?). Ou alguém com o mínimo de bom senso acredita que, da noite para o dia, um político qualquer “descobre” que existem 40 pontos suscetíveis a deslizamentos em uma única cidade?!

Sobre o turismo e a cobiça humana

A região de Angra dos Reis, todo o seu entorno – incluindo Paraty, onde meu amigo morreu – é conhecida pelos riscos. Mas a equação é conhecida: a mais importante secretaria destas cidades não é a de obras, e sim a de turismo. É pelo turismo que os políticos da região – e também os do governo estadual – pensam. É com o bolso.

Voluntaria ou involuntariamente, turistas e moradores em encostas, se afetados por qualquer tragédia, são considerados “efeito colateral”. Este é o pior tipo de “ação humana”: o descaso. O que deve ser feito não o é em nome do lucro, do turismo, do interesse em gerar renda a partir da exploração de áreas perigosas.

Eu já fui na Ilha Grande dezenas de vezes e a praia mais longe que visitei foi Aventureiro. Mesmo não sendo geólogo, sei que é inimaginável que se ocupe aquela região seriamente. No mínimo, com chuva forte, é essencial a evacuação imediata.

Solução e tecnologia já existem há anos

O Brasil já possui tecnologia. É simples. Basta o município se interessar em fazer uma carta geológica. Seria fácil se os nossos ditos “representantes” não estivessem comprometidos com medidas eleitoreiras e burras, como atenuar as exigências que restringiriam a ocupação desordenada do solo pelo homem. Foi o que o Senhor Sergio Cabral, co-responsável por estas mortes, fez. Quase toda a “imprensa”, que se diz livre, omitiu esta informação. Na TV a informação sumiu. Reproduzo matéria de suma importância na Folha de S. Paulo:

Tragédia anunciada
Renata Lo Prete

Em setembro, três meses depois da edição do decreto de Sérgio Cabral (PMDB) que permitiu ocupação maior em áreas de preservação ambiental, como o local da tragédia em Angra dos Reis, o Ministério Público Federal na região elaborou um parecer apontando irregularidades nas novas regras.

O texto alerta para o risco de crescimento imobiliário desordenado e defende que esse tipo de alteração territorial só poderia ser feita por meio de lei. O relatório foi enviado ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Para referendar o documento, os procuradores se ampararam em uma decisão sobre um caso semelhante do ministro Celso de Mello, do STF.

Dado seu caráter tolerante para com as construções de ricos e famosos, as regras do governo do Rio para Angra ganharam na região o apelido de “decreto Luciano Huck”, em alusão à casa que o apresentador tem no local. [...] (Matéria reproduzida no Blog do Noblat)

“Nossa briga sempre incluiu uma política que modificasse essa ocupação desordenada. A gente derrubava tanto casas populares como mansões clandestinas que ocupavam encostas, mas ainda é difícil mudar a realidade”, afirmou Carlos Minc, que foi secretário de Meio Ambiente do Estado. A pressão política que representa a cobiça humana, infelizmente, é maior.

Agora Cabral vem posar de administrador competente, “denunciando” a situação em Angra?! Demagogo. Assassino. É isso o que ele é. Se não foi ele o responsável, que aponte os responsáveis pelas autorizações criminosas, ou deve ser ele o responsabilizado. Porque, no fundo, este é o ponto central: quem autorizou o decreto assassino de Cabral?

Bernhard Metzger

E assim seguimos, perdendo nossas Yumis e Bernhards (fotos). Pessoas com sonhos do tamanho do mundo.

Lembro-me que Bernhard comprou uma edição de um jornal popular carioca. Ele se preocupara em aprender o português antes de vir para o Brasil.

Bernhard conhecera, por mim, a situação de uma creche em Shangrilá, periferia de Belford Roxo, em que 72 crianças de famílias da região passavam enormes dificuldades. Essa é uma das regiões mais problemáticas do Brasil, com toda sorte de dificuldades. Queria conhecer o local, intervir na realidade. Era um apaixonado pela vida e não admitia sua supressão a quem quer que fosse. Como Yumi, que transparece com facilidade sua grandeza espiritual. E assim seguimos, sem nossas Yumis e nossos Bernhards.

Se a Natureza não tem representante legal, falemos por ela. Não é culpa da chuva. É a ação humana, ou sua falta. É a cobiça pelo lucro e o desrespeito à Natureza os verdadeiros responsáveis por esta situação. Até quando?

Dedicado aos pais de Bernhard Metzger e a Ana Rachel Dantas, pela surpreendente força interna. E ao Bernhard, que está conosco.

Texto publicado em 04/01/2010 às 22:15 na(s) seção(ões) Ecologia, Opinião, Rio de Janeiro.

Fonte: www.consciencia.net

Um comentário:

Anônimo disse...

Agora a culpa é de Cabral...não vão comentar de governos anteriores não?