Bombeiros ainda não sabem quantas pessoas estão soterradas no Morro do Bumba, em Niterói
Fonte: Globo Vídeos***
TELEJORNALISMO EM CLOSE
Abaixo a ditadura do gancho
Paulo José Cunha
Há quem diga que a imprensa vive sob a ditadura dos prazos, dos dead-lines (os horários de fechamento), principalmente agora, com a aceleração alucinada das notícias em tempo real. Costuma-se debitar os erros, as omissões, as trapalhadas e equívocos que custam arranhões ou dilacerações brutais à dignidade e à honra alheias na conta da falta de tempo que impede apuração mais criteriosa.
Tudo isso é verdade. Mas existe uma outra ditadura que pode ser mais perigosa do que a ditadura do dead-line: é a ditadura do gancho. Em jornalismo, “gancho” é o fato que justifica a realização e publicação de matéria ou reportagem. Só pra exemplificar: só se justifica a publicação de matéria sobre o preço do bacalhau perto da Semana Santa, quando o produto é mais consumido. Senão ningupém presta atenção. No momento em que se noticia a tragédia do Rio de Janeiro convém publicar matéria sobre as providências que não foram tomadas para evitar a catástrofe. Tem gancho. E nós, jornalistas, caímos de pau nos governantes por não terem se antecipado com medidas capazes de evitar o pior.
É da natureza da imprensa trabalhar sobre os fatos que estão na ordem do dia. Se não existem fatos, a gente busca as efemérides – os fatos programados, datas comemorativas, que salvam muito pauteiro nas horas de sufoco. Mas até hoje fomos incapazes de fazer a nossa parte no que diz respeito à antecipação dos problemas, no apontamento dos riscos, na previsão das tragédias. Noutras palavras: não temos tido a coragem de enfrentar a ditadura do gancho. De todos, talvez o jornalismo antecipatório seja o mais importante, mas ainda é o mais negligenciado. Raramente, muito raramente, jornalistas publicam matérias sobre os riscos disso ou daquilo. O Jornal Nacional divulgou trechos de um documentário de 30 anos atrás, sobre os perigos do lixão do Morro do Bumba,
Lamento, coleguinhas, mas tenho de escrever com todas as letras: não temos feito outra coisa. E mais: ou temos criatividade e coragem para romper com a ditadura do gancho ou essa situação não vai mudar nunca.
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