maio 15, 2010

Presidente da Abrasme pisa na jaca, não perde a pose, e envia nota de esclarecimento


olinoten 21 de abril de 2010 

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Nota do blog: O surgimento da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) no cenário da luta antimanicomial brasileira ainda está por merecer análise mais aprofundada. Para alguns trata-se da terceira via surgida na divisão do movimento da luta por uma sociedade sem manicômios em duas correntes: Movimento Nacional de Luta Antimanicomial e Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial. Para outros, uma composição articulada por uma elite vinculada à academia. Quando a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila) liderou a Marcha dos Usuários à Brasília por uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial, resultando na conquista da IV Conferência Nacional de Saúde Mental (IV CNSM), mantiveram-se à distância. Depois reivindicariam participação na comissão de organização. Em Manaus, um integrante da Abrasme (que não se nomeia como tal) chegou a afirmar na comissão organizadora da conferência local que a IV CNSM nasceu de uma concessão do Ministério da Saúde, através da sua Coordenação Nacional de Saúde Mental. A tentativa de desqualificação dessa conquista surge aqui e ali onde representantes da Abrasme se manifestam. São sutis, mas não imperceptíveis. O texto que conclama o congresso dessa entidade numa página da internet era a prova insofismável do que estou a dizer. Digo era porque ele foi substituído por um outro mais light. O presidente da entidade, depois de flagrado numa dessas tentativas de puxar o tapete da IV CNSM (vídeo acima), envia pela net uma nota de esclarecimento e pede para não ser mal interpretado. Faça a sua interpretação.   

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Walter Ferreira de Oliveira

Publiquei recentemente um texto sobre o II Congresso Brasileiro de Saúde Mental (II CBSM) e expondo algumas opiniões frente à organização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental (IV CNSM). Algumas colocações neste texto, junto à postagem no Youtube de um recorte de uma fala minha na conferência municipal de Florianópolis geraram polêmica e foram interpretadas de maneiras diversas, trazendo comentários, críticas e sugestões. Gostaria de esclarecer alguns pontos relativos àquele texto e ao video.

Em primeiro lugar, não concebo o II CBSM como sobrepondo-se ou substituindo a IV CNSM. Ao contrário, vejo o Congresso como um preparatório, ou como descreveu uma colega, um “esquenta” para a Conferência. Neste sentido, através da Abrasme, entidade a qual presido, temos publicado, na sua página, quase que diariamente, textos de apoio à Conferência Nacional, noticias de conferencias estaduais e municipais e criamos internamente um foro de discussão que vem acompanhando a participação dos núcleos e dos associados, técnicos, usuários e familiares. Encorajei pessoalmente participantes deste foro interno, que estão hoje ocupando lugares de destaque nas conferencias estaduais, regionais e municipais. Sou membro da Comissão Organizadora da Conferência estadual de Santa Catarina, participei ativamente da Conferência Municipal de Florianópolis e como palestrante convidado da de Itajaí. Fui ainda convidado como palestrante para as de Lages, Criciúma, entre outras, mas por minhas atribuições profissionais não pude comparecer a estas, tendo entretanto indicado substitutos.

Me sinto militante da Reforma Psiquiátrica desde seu início, em 1978 (fui um dos 30 demitidos da Dinsam, evento fundante do MTSM) e como tal não posso me furtar a emitir minhas opiniões e reflexões, mesmo sob o risco de levantar polêmicas. Desta forma lutei, junto aos usuários e outras entidades, para que a IV Conferência fosse convocada. É sempre importante lembrar que o 1º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, ao qual tive a honra de coordenar, engajou-se, motivou e apoiou o processo da Conferência Nacional e na Abrasme apoiei ampla e incondicionalmente a Marcha dos Usuários em Brasília. Não pode haver, portanto, a menor dúvida quanto a importância que dedico à realização da Conferência, instância construtora da Reforma Psiquiátrica e Sanitária no âmbito da redemocratização do país.

Entretanto não posso deixar de me pronunciar criticamente à maneira como está sendo organizada esta quarta Conferência, entendendo estas críticas como positivas e construtivas para a Reforma Psiquiátrica. A meu ver, a instância organizativa da Conferência não está se construindo satisfatoriamente de acordo com os preceitos de um evento amplamente participativo, intersetorial e democrático e entendo que se fosse planejada de outra forma teria mais possibilidades de atingir em maior grau estes preceitos. Lembremos que a Conferência só foi convocada pela pressão enorme exercida pelos usuários, através da Marcha de Brasilia em outubro de 2009. Ela não foi desejada e planejada adequadamente pelos que tinham o poder de buscar e efetivar sua convocação, ela foi uma conquista, arrancada contra o desejo de pelo menos uma parte poderosa de seus convocadores. Por ser assim, ela tem sofrido de certas deficiências, incluindo-se a falta de uma posição estratégica para superar seu maior problema, na minha opinião, que é o açodamento, o atropelamento de sua efetivação, além de certos aspectos relativos ao exercício do controle em seus mecanismos de organização.

O açodamento tem sido prejudicial à organização ao nível municipal, que é o coração da Conferência. Senão vejamos: a convocação tardia da conferência, com 27 subtemas de discussão, levou a um apressamento nos municípios, com pouca chance, em todos os estados, para um bom planejamento, para uma discussão de qualidade. A capital de Santa Catarina, para tomarmos um exemplo, não ia ter conferência porque um comitê exclusivo de gestores, oportunizados pela situação decidiu, antecipadamente, por uma conferência regional. Houve embate, luta acirrada entre gestores, usuários, técnicos e familiares, até que o Conselho Municipal de São José, que seria sede da regional, cancelou, unilateralmente, a conferência regional, a dias de sua realização, forçando a capital a organizar em poucos dias sua conferência municipal. Os outros 22 municípios envolvidos sofreram pela mesma confusão. Vamos refletir sobre isso? Uma capital prepara-se em sete dias para discutir seus inúmeros problemas de saúde mental e em uma forma a qual não lhe é familiar, a ação intersetorial. Certamente há quem vá dizer que isso não é problema da organização central, o que discordo. A organização central, em seu papel histórico de condução do processo, e com uma visão estratégica, poderia prever esta situação e ter propostas de apoio aos níveis municipais, regionais e estaduais, para isso ela é formada pelas pessoas e entidades escolhidas (mais que nunca nesta conferência) a dedo – parte do outro problema que abordo mais abaixo. Podemos discordar sobre isso, acho democrático e fundamental, mas entendo, pois tem sido por isso que a própria Reforma Psiquiátrica tem lutado, que minha opinião deva ser respeitada e me proponho, a qualquer momento, a discuti-la respeitando a dos outros.

Voltando à conferencia de Florianópolis, para fechar o raciocínio. Ela limitou-se a um palestrante pela manhã e duas horas de discussão de todos os problemas de saúde mental à tarde com uma plenária na última hora após as eleições dos delegados. Como pode haver discussão de qualidade e aprofundamento dos problermas neste formato? Como posso ficar satisfeito com a maneira como os temas foram tratados, como posso acreditar no bom desenvolvimento destas temáticas, na perspectiva de uma participação ampla, intersetorial? Perguntaria ainda: Como acham que foram planejados, nesta confusão e neste açodamento, a divulgação da conferencia para a cidadania, o acesso para usuários, entre outras coisas? Os usuários fizeram uma moção de repúdio ao processo organizativo da Conferência, mas esta moção não foi registrada porque não conseguiram, a tempo, o número de assinaturas que lhes foi indicado como necessário. O único lugar de que temos noticia de uma conferencia um pouco melhor organizada em Santa Catarina foi em Lages, onde a Abrasme foi uma das principais articuladoras. Houve ali várias pré-conferencias, participação anterior dos Conselhos Locais de Saúde e uma série de providencias estratégicas para garantir qualidade democrática de participação.

E como tem sido a preparação, o apoio, o acesso, a divulgação, a articulação intersetorial? Em Florianópolis, para continuar com o exemplo, tivemos uma reunião final de eleição de delegados intersetoriais com nove pessoas, das quais uma era o presidente da Abrasme, uma gestora estadual de saúde mental, dois membros de conselhos profissionais (que acabaram sendo eleitas como delegadas e posteriormente uma foi impugnada), dois psicólogos, uma representante de hospital e uma de associação ligada a pessoas com necessidades especiais. Quantos acham, seriamente, que este grupo representa de forma significante a intersetorialidade necessária a poder-se chamar esta Conferência de Conferência de Saúde Mental Intersetorial?

E em outros estados, o que vem acontecendo? Há alguns relatos de conferencias que ocorreram bem, como a de Salvador, e a de Brasília, mas na grande maioria das que estamos acompanhando, em meio ao atropelamento, não há chance para se fazer aquilo que a Conferencia deveria ser, uma festa da cidadania, onde se aproveite a oportunidade para avançar a discussão pública, ampla e plena da Reforma Psiquiátrica. Com raras exceções a participação dos usuários é dificultada pela falta de apoio ao acesso, a participação dos técnicos é muitas vezes sob constrangimento (há denúncias de serviços que não liberaram seus técnicos para participar em reuniões de planejamento e articulações, e há denuncias de municípios que convocaram seus técnicos, mesmo de outras áreas, em cargos de confiança, para garantir quorums de votação). Há, portanto, uma série de questões que podem ser melhor refletidas quando contextualizamos o açodamento em que foram realizados todos os procedimentos para a convocação desta Conferência, que poderia ter sido convocada em 2005, 2006, 2007, 2008 ou em 2009, com tempo hábil para garantir participação ampla, plena e interessada da cidadania, dos usuários, dos familiares, dos técnicos e das entidades atuantes no campo.

Além destas considerações, não posso deixar de registrar também minha indignação sobre como foi conduzida a constituição da Comissão Organizadora da Conferência. Foi formada uma comissão provisória, sem que se tenha discutido os critérios de sua formação. Pode-se até aceitar que seja assim mesmo, estavam lá presentes o Conselho Nacional de Saúde, a Coordenação de Saúde Mental, a CISM e movimentos sociais, além de outras entidades que foram consideradas, de alguma forma, por algum critério que não conheço, mais importantes que outras. Mas minha experiência com esta comissão foi péssima, constrangedora, fria, antidemocrática. Pleiteei, de forma absolutamente respeitosa, que a Abrasme, entidade que represento, tomasse parte na Comissão Organizadora da Conferência e justifiquei plenamente nosso pleito, afinal, trata-se de uma novidade positiva no campo, uma entidade interdisciplinar, intersetorial, que admite usuários, familiares, cidadãos, comprometida com a causa da Reforma, que tem uma produção cidadã, científica e acadêmica, um papel social já demonstrado e publicizado. Enviamos, entregamos pessoalmente e ou protocolamos ofícios ao Conselho Nacional de Saúde, à Coordenação de Saúde Mental, à CISM e à Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde. Fui pessoalmente a Brasília entregar alguns destes ofícios e defender a participação da Abrasme na Comissão. A comissão não me fez uma pergunta sequer e não se dignou a responder, até hoje, aos ofícios enviados e ou protocolados, desrespeitando qualquer princípio organizativo democrático. Não sabemos se fomos aceitos ou não (acredito que não, já que não fomos mais convidados a participar), não sabemos se o assunto foi discutido, porque não teríamos sido aceitos, não foi demonstrada por esta comissão da conferência qualquer preocupação em sequer dar resposta a uma entidade cuja intenção, desde o primeiro momento, e antes mesmo que esta comissão existisse, tem sido contribuir com a conferência. Não houve respeito pelas pessoas que seu presidente ali representava, pelo direito que elas têem, minimamente, a uma resposta qualquer. Telefonamos para a Coordenação de Saúde Mental, para acompanhar a discussão, pormo-nos à disposição para esclarecimentos, deixamos recado, inclusive para a coordenação da conferência, solicitamos contato, sem qualquer resposta. A comissão não se dignou responder, não discutiu critérios, não parece entender que deve qualquer explicação ou mesmo qualquer ato de gentileza, educação ou boa vontade para com as pessoas ou as organizações da sociedade civil que a procuram, mesmo as dedicadas ao avanço da Reforma Psiquiátrica.

Vejo-me como um ator social, político e crítico que quer continuar contribuindo para que as forças no campo se unam ao invés de se romperem. Penso que ser omisso me afastaria dos objetivos da Reforma e de ajudar às pessoas que posso, através de meus papéis de profissional e de militante. Apóio a realização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, mas não posso deixar de fazer críticas e sugestões, esperando não ser mal interpretado.

(a) Walter Ferreira de Oliveira

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