julho 31, 2010

"Bem-Vindo à Casa de Bonecas"

[ O cinema degradante de Todd Solondz (+ 1) ]




» por Bruno Cava «

Lançado em DVD pela Lume Filmes, chegou mês passado às locadoras brasileiras um filme emblemático do cinema independente americano dos anos 1990. Bem-Vindo à Casa de Bonecas (1995), segundo longa do diretor Todd Solondz, dá prosseguimento, na referida coleção da Lume, a Felicidade (1998), aparecido em DVD há dois anos. Ambos os filmes de baixo orçamento, “outsiders” à indústria hollywoodiana e generosamente recepcionados pela crítica. O primeiro levou o prêmio do júri em Sundance/1996 e o segundo foi laureado na categoria internacional da Mostra de São Paulo/1998.


A filmografia de Todd Solondz é marcada por uma sátira inclemente da classe-média. Situados no subúrbio medioclassista de Nova Jérsei, seus enredos expõem a frustração de personagens impotentes aprisionados no vazio existencial. Essa temática, desenvolvida em Bem-Vindo à Casa de Bonecas, reaparecerá multiplicada nos longas seguintes, cada vez mais ácidos e chocantes. Basta lembrar a trama de sordidez, estupro, pedofilia e humilhação de Felicidade. Se, no primeiro filme, a degradação plasma o microcosmo adolescente; no último, Solondz generaliza-a para a classe-média como um todo, não abrindo exceções.

A protagonista de Bem-Vindo à Casa de Bonecas é uma menina oprimida pela rejeição social e falta de amor. Feia e sem atrativos, objeto de escárnio e violência moral por outros alunos, incompreendida pelos professores, longe de ser correspondida romanticamente, preterida na família em proveito da queridinha irmã mais nova. Apesar da situação, Dawn Wiener (Heather Matarazzo) não se angustia e não pensa em suicídio. Suporta a violência passivamente mais por covardia do que benevolência. Assim como a adolescente Carrie, no filme homônimo (Brian de Palma, 1976), Dawn terá o seu momento de vingança. E não perderá a oportunidade para descontar nos mais fracos – inclusive na irmãzinha e no único amigo, um menino efeminado.

-- Heather Matarazzo em cena --

Nenhum espaço para fábulas de cinderela, comoventes e esperançosas, como em Preciosa (Lee Daniels, 2009). Próximos da caricatura, os personagens medíocres e disfuncionais de Bem-Vindo à Casa de Bonecas encenam um drama sem superação, sem catarse, sem beleza. O diretor sistematicamente decepciona as expectativas, ao contornar qualquer resolução aos impasses e frustrações. Assim, a “high school” e o universo suburbano – cifras clássicas da autoconsciência americana – comparecem como purgatório permanente, em que todos sofrem e ninguém é absolvido. Os desejos de prazer e liberdade são frustrados e os elementos rebeldes sufocados pelo sistema opressivo. Resta o nojo diante do mundo e de si mesmo.

A única solução parece ser fugir daquele limbo para bem longe – opção adotada pelo usuário mirim de drogas e pelo roqueiro inadaptado. Dawn também tem a chance de dar o fora, mas “simplesmente não pode”. E aí concorre na responsabilidade pela circunstância lamacenta a que está condenada. A sátira aufere a dimensão conscientizadora que define o gênero. Dawn não arrisca nada e então se sentencia à felicidade cretina.

O cinema de Solondz pode parecer niilista e mesmo ineficaz como interpretação e transformação do real. Pode parecer, ainda, carregado em demasia pelo ressentimento – o filme como vingança pessoal do diretor. São leituras possíveis, porém injustas. Uma sátira opera precisamente pelo exagero constitutivo de personagens e situações, dentro de uma estratégia dramática que propicie a partilha da experiência com a audiência. Freqüentemente, a sátira extrapola e choca o público, a fim de incitá-lo à reflexão e à ação. Aí, os filmes de Todd Solondz dialogam com Michael HanekeA Pianista (2001), Caché (2005), Violência Gratuita (2008) etc. –, que também elabora a crítica jogando com a repulsa do espectador.

Nesse sentido, o relançamento em DVD de Bem-Vindo à Casa de Bonecas vem em ótima hora. Compare-se essa poética corrosiva com o imaginário adolescente propagado por telenovelas ou por Malhação, em sua domesticação, seu apaziguamento, seu comodismo. Ou então com o recente sucesso de As Melhores Coisas do Mundo (Laís Bodanzky, 2010), história bobinha e deslumbrada de uma classe-média que reafirma a sua falta do que falar com filmes noveleiros. Juventude acomodada.

À margem desse entretenimento impotente, e sem incorrer na propaganda, Todd Solondz realiza um cinema de agressão, que força o posicionamento.
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