julho 28, 2010

O silêncio dos doutores

Nota do blog: O estimado professor Odenildo Sena, atual Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas, cargo que acumula com o de presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Amazonas, tem levado às lágrimas os leitores de sua coluna no Diário do Amazonas toda vez que deixa vir à luz a memória da Manaus da sua juventude, em especial a do bairro de São Raimundo, de onde é oriundo. Quando o tema é destruição do patrimônio cultural e paisagístico da cidade de Manaus, ele, Felix Valois e Paulo Figueiredo - igualmente articulistas no mesmo jornal - são imbatíveis. Se vivo estivesse, Jefferson Peres estaria entre eles. O problema é quando a temática sai do plano da memória para o da preservação e conservação dos nosso bens naturais e culturais, em plena era da ciência e da tecnologia. Aí a porca torce o rabo. Prevalece o silêncio obsequioso, exceções de praxe. O caso da construção de um terminal portuário na região das Lajes, diante do nosso maior patrimônio paisagístico - o Encontro das Águas - é emblemático. A manifestação dos homens de ciência se constitue numa raridade. A menos que todos tenham se tornado desenvolvimentistas, o que contradiz o que se escreve e o que se ouve nas rodas de conversa entre aqueles que creditam à informação como a mais elevada forma de linguagem. Daí o meu desconforto com o artigo do ilustre professor publicado ontem no Diário do Amazonas. Ao privilegiar como foco da sua informação algumas áreas do conhecimento, sobretudo as ciências biomédicas, cujo avanço tecnológico é peça fundamental no processo de desenvolvimento socioeconômico, deixou ao largo o papel das ciências humanas e sociais. É notável como a linguagem da informação é usada com maestria pelo articulista. Através de uma família semântica significativa o leitor é levado à revelação de que o desenvolvimento do conhecimento gera um "capital intelectual", sem o qual não há desenvolvimento e soberania possível de qualquer nação. È vero! Ocorre que o homem transformado em "recurso", "capital" e outras revelações banalizadas pela linguagem da informação - perdoem-me os mais sensíveis o viés marxista -, transforma-se em mercadoria. Aí, maninho, a produção do conhecimento precisa de uma leitura crítica. Heidegger usou com propriedade a palavra "mercadoria" para se referir ao mundo revelado pela ciência moderna. Ele o disse com todas as letras que esse mundo é um mundo manipulável. Mercadorias, sabe-se, estão aí para serem vendidas e usadas. Josep M. Esquirol em sua obra sobre uma ética para a era da ciência e da tecnologia, para além do olhar do poeta, afirma que "a conversão em recurso de quase tudo o que nos rodeia é obra do sistema moderno da tecnociência, em cumplicidade com um sistema econômico baseado  muito especialmente no consumo". Ciência comprometida com a lógica de armazém, segundo Zefofinho de Ogum, correspondente do PICICA, é o fim da picada. Para ele, as questões éticas não dizem respeito apenas a aplicabilidade, mas a base da pesquisa técnico-científica. Dada a estreita relação entre ciência e técnica, unida pela intencionalidade de mudar o mundo, por isso mesmo estão em causa além das questões operacionais e de produtividade, as questões do domínio, poder e manipulação. Desse modo não se pode supor que os investimentos aí realizado sejam desinteressados. Tamanha é a transformação sofrida pela ciência que são visíveis os efeitos na organização da pesquisa, na política científica, e, em especial na dependência dos agentes econômicos, para a qual contribuiu em larga escala sua inter-relação com a técnica. Não é à toa que os parâmetros de Pesquisa e Desenvolvimento se imponham em todas as universidades e centros de pesquisa. Daí se explica o silêncio sobre o futuro do Encontro das Águas, patrimônio paisagístico dos amazonenses. O silêncio dos doutores (não todos) torna-se cada dia mais ensurdecedor - comparada à manifestação do que restou da sociedade civil organizada, que não sucumbiu à indiferença e ao consumo desenfreado -, e põe em causa o papel do intelectual na sociedade atual.

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