julho 01, 2010

Ou avançamos na reforma psiquiátrica antimanicomial ou vamos pro beleléu

Nota do blog: Zefofinho de Ogum, sociólogo carioca, correspondente do PICICA, está na Itália. Amanhã, ele assistirá a partida Brasil x Holanda na Vila Borghese. Atualmente mora no Rio de Janeiro, mas é da Itália que ele envia a entrevista abaixo, publicada no Correio Brasiliense, sempre atento ao cenário político-social da cidade onde nasceram suas filhas: Manaus. Não resisti. Leia os comentários críticos em vermelho. O belo trabalho de reportagem da Agência Brasil pode servir para corrigir as distorções da reforma psiquiátrica no Amazonas. Aguardem. Tem mais, ainda. Optei em fazë-lo em doses homeopáticas. Assim posso preparar o meu leitor a não se deixar envenenar pelo mau exemplo de algumas práticas e discursos.


29/06/2010
Único hospital psiquiátrico do Amazonas está prestes a fechar (desde 2004 ele está prestes a fechar)

O único hospital psiquiátrico do Amazonas está com os dias contados. O Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro foi construído em 1894, transferido para a atual sede na década de 80 (A informação foi dada de maneira distorcida: o velho hospício de Manaus tem o mesmo endereço desde a primeira metade do século XX) e, em breve, deverá ser transformado em hospital de clínicas (A proposta nasceu na gestão do Programa Estadual de Saúde Mental - 2003-2007, do especialista em Saúde Mental Rogelio Casado. Tá na boca do povo!). Os 45 moradores finalmente deixarão o hospital para morar em residências terapêuticas, como prevê a Lei da Reforma Psiquiátrica, sancionada há quase dez anos.

Com boa parte do prédio já desativada, o Eduardo Ribeiro tem ares de elefante branco. Na parte mais antiga do prédio, corredores longos, muitas portas fechadas, pátios internos rodeados de muros, paredes descascadas e um forte cheiro de hospital. O cenário, de acordo com a diretora da instituição, Maria Ivone de Oliveira, já foi bem pior. “Quando cheguei aqui, fiquei assustada com o que vi. Era uma situação de prisão, de porão de navio, de Auschwitz (campos de concentração nazistas na Polônia), era um terror de Holocausto”, lembra. (Quando a atual diretora chegou ao hospício local, no início dos anos 1990, o  cenário  dessa instituição da violência já havia sido modificado, de modo que a expressão 'campo de concentração' é uma metáfora sensacionalista de quem ouviu o galo cantar. Não surpreende o uso deste recurso, para quem já afirmou, numa entrevista para um jornal local, que "A reforma psiquiátrica no Amazonas está nas mãos de Jesus". É certo que houve uma regressão da reforma psiquiátrica com o fim do trabalho agrícola remunerado, ali pelo final dos anos 1980. Sintomaticamente, após a extinção do primeiro trabalho de reabilitação, surgido quando a bandeira de luta girava em torno da humanização dos manicômios, houve recrudescimento da violência, a mesma que vitimaria a personagem, que teve o braço quebrado por um usuário do ambulatório medicalizador do velho hospício. O certo é que não se pode afirmar que houve a "humanização" de uma instituição que é violenta por natureza).

Em 2006, 60 leitos do hospital foram fechados, seguindo as diretrizes da nova política nacional de saúde mental. Para Maria Ivone, que trabalha há mais de 20 anos no Eduardo Ribeiro, a mudança foi “precipitada”. “O argumento usado é que [o fechamento de leitos no hospital psiquiátrico] foi ousado para provocar a abertura de leitos em hospitais gerais. Mas foi precipitado, porque colocaram o carro na frente dos bois. Os pacientes que utilizavam esse serviço ficaram a ver navios”, critica. (Precipitação e passividade são as faces de uma mesma moeda. Foram os "precipitados" que romperam a passividade das últimas décadas de algumas categorias do campo da saúde mental. Tanto assim, que ao longo dos últimos anos, entre os reformistas de boa cêpa, surgiram os "reformistas de araque". O perigo é que eles costumam agir nos bastidores do poder).

Funcionários e pacientes vivem atualmente a expectativa da mudança para as residências terapêuticas, mas a transferência ainda é um impasse. A prefeitura quer oferecer casas em um projeto habitacional em um bairro distante do hospital, proposta criticada por médicos e psicólogos (Um doce de cupuaçu japonês para quem identificar os autores da proposta de deslocamento de usuários residentes no manicômio para um longínquo bairro manauara. Macacos me mordam se a proposta não tem um caráter discriminador. Uma dica, eles tentaram viabilizar a proposta através de articulação com o governo do estado. Deram com o burros n'água. Atualmente estão a serviço da prefeitura). Uma alternativa seria a transformação de parte do atual prédio em uma espécie de vila para os internos, sem grades e com portas para a rua. (Essa idéia de jerico, concebida por um equívoco de uma profissional do velho hospício, tem um componente perverso ao contar com o apoio de egressos do curso de especialização de saúde mental da Fiocruz da Amazônia. Isente-se de responsabilidade essa respeitada entidade científica.).

Maria Ivone diz que “oficialmente” nada está definido, mas pondera que a saída dos pacientes talvez não seja a melhor solução. “Aqui é o melhor lugar do mundo para eles. Tem médico 24 horas por dia, remédio, comida, clínico-geral, psiquiatra, cama, televisão, a referência entre eles. As residências exigem cuidadores, não basta ter a casa, com a cortininha e o vasinho de flor”, argumenta. (Eita pensamentozinho mais manicomial, maninho!).

Já a psicóloga Ana Maria Marques é categórica na defesa do fim da internação dos 45 moradores do Eduardo Ribeiro. “É uma dívida que toda a sociedade tem com esses pacientes. O que nos motivou inicialmente nesse trabalho foi justamente a ideia de tirá-los do hospital. É penoso ver aquelas pessoas envelhecerem e serem destruídas pela instituição manicomial. Cada morte dá uma sensação de frustração e de impotência”, afirma a psicóloga, uma das fundadoras do Instituto Silvério de Almeida Tundis (Isat), organização não governamental que desenvolve projetos de inserção social no hospital (Retiro o prêmio do cupuaçu. Entrego o jogo. Eis a entidade responsável pelos dois imbróglios manicomiais, travestidos por um discurso supostamente reformista. A repórter captou sutilmente a contradição da prática dessa entidade. Aonde já se viu "inserção social no hospital"? Essa é a cara do reformismo estéril e ilusionista. Mato a cobra e mostro o pau. Vamos aos dois imbróglios: alfabetização de usuários no interior do velho hospício e criação de "residências terapêuticas" no longínquo bairro Nova Cidade. Se o primeiro teve o apoio do gestor incapaz de ter uma visão crítica da realidade, o segundo corre o risco de obter apoio sob a alegação de que agora o bairro tem um CAPS. É pouco, considerando as perdas a que serão submetidos os usuários quanto aos equipamentos sociais e culturais que eles perderão com o deslocamento do centro da cidade para o citado bairro. Estamos de olho).

Fora da área de internação, a situação do hospital também não é saudável. O Serviço de Pronto Atendimento ainda tem 20 leitos para pacientes que chegam ao hospital em surto. O prazo máximo para internação breve deveria ser de duas semanas, mas há pacientes que chegaram há mais de um ano. O ambulatório também está sobrecarregado. “Tem 2 milhões de pacientes cadastrados e em 2009 realizaram 68 mil atendimentos”, contabiliza Ana Maria, do Isat. (O discurso e a prática antimanicomial, sustentada por poucos no Amazonas, contabiliza um ganho extraordinário: tá na boca do povo o fechamento do hospital psiquiátrico e sua substituição por um hospital de clínicas. Até os reformistas de araque embarcaram nesse projeto. Mesmo assim, ainda não está garantido para eles um lugar no céu no dia do Juízo Final).

Em meio aos problemas, há espaço para iniciativas de humanização do tratamento e reinserção dos usuários de serviços mentais, como a oficina de terapia ocupacional (Os que defendem a bandeira da humanização - leia-se manutenção do hospício - perderam o bonde da história. Essa bandeira não altera o poder contratual entre usuários e sociedade).

“A maioria chega aqui sem vontade de nada, numa apatia total. Com o tempo, percebemos a evolução, as pessoas voltam a fazer planos. O objetivo é que as atividades aprendidas aqui se tornem projetos de geração de renda”, explica a terapeuta ocupacional Márcia Souza, rodeada pelo artesanato feito pelos pacientes e que tem dado um pouco de cor ao hospital cinzento (Cores pálidas, certamente, porque o arco-íris só é possível num sistema de serviços substitutivos plenos).

Fonte: Agência Brasil

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