Reportagem anunciada como a “grande” da noite, fechando o programa deste domingo, dia 1° de agosto. Aparentemente uma ótima reportagem, onde repórteres se fizeram passar por um casal “grávido”, em busca de abortar um feto de quatro semanas. Quem não viu, pode ler o texto da matéria, ou ver o vídeo do programa no link.
Os fatos ocorridos com as mulheres são reais, a existência de tais clínicas, sabemos até de histórias piores que acontecem por aí. Mas por que eles não mostraram nenhuma clínica de “madame”, aquelas na zona sul do Rio de Janeiro ou nos bairros da burguesia de São Paulo? Quantos médicos particulares de senhoras abastadas não resolvem eles mesmos os problemas delas e de suas jovens filhas, sem que ninguém saiba?? Porque é a serviço da hipocrisia que o capital aprimora, e a humanidade valoriza, a desigualdade social, que faz serem bem poucos os detentores de direitos, subtraídos à maioria.
Ora, o aborto espontâneo já foi coisa muito mais comum, e o aborto provocado existe desde que a mulher entendeu como ficava grávida e como nascem os bebês. Os mais diversos chás e preparados, a perfuração da bolsa, a bombinha para injetar água com algum produto e “lavar” o colo do útero, são métodos seculares utilizados pelas mulheres. E a grande maioria era de mulheres casadas, que não podiam ou não queriam ter mais filhos; muitas incentivadas pelos maridos, mas sempre com a ajuda de mulheres amigas.
Afinal, os homens querem controlar os corpos das mulheres e mandar neles e em sua prole, e para isso criaram Estados, legislações e fundamentalismos. Inventaram as bases para justificar guerras, escravidão, propriedade privada. Mas a solução para os problemas mais importantes da vida, as questões relacionadas de verdade com a qualidade da vida e sua reprodução, saúde, filhos, sempre foram encargos das mulheres. A visão feminista, a Globo nunca vai divulgar.
“Clínicas CLANDESTINAS mal aparelhadas funcionam abertamente em várias cidades do país”, nos “conta” o apresentador. “Numa delas flagramos POLICIAIS MILITARES, FARDADOS, trabalhando de seguranças!!” Com métodos jornalísticos considerados escusos em outros assuntos, o “casal” de repórteres obtem toda a explicação do médico de como funciona o processo. Ah! Como seria bom se toda mulher que está desesperada com uma gravidez, e decidisse recorrer ao aborto, tivesse tanta atenção no atendimento!
A pouca abrangência da matéria, selecionando as clínicas e as cidades apresentadas, revela o alto gráu de hipocrisia da maior rede de televisão brasileira. A recepcionista/enfermeira é tratada com ironia na matéria, por explicar “como se fosse médica”, apesar dela dizer que acompanha as cirurgias. Será que a Globo não desconfia que as mulheres sempre se socorreram, que historicamente as mulheres só contam com a solidariedade de outras mulheres?
Por que escolheram Belém, a capital do Pará, e a Clínica Cemego para a matéria? A quem eles querem prejudicar mostrando PMs fazendo um bico de segurança, coisa que é altamente comum em todo o tipo de comércio e até residências, em várias cidades brasileiras? Por que estiveram também no Rio de Janeiro, mas numa clínica do bairro de Bonsucesso!! Por que não “descobriram” algum consultório ou hospital no Leblon, Ipanema, Botafogo??!!! Por que não investigaram como esses locais – necessários para as mulheres - sobrevivem fora da lei?
Ao mesmo tempo que denunciam, escolhem clínicas que cobram preços mais populares, embora o custo no Rio de Janeiro seja o dobro do de Belém (800/400) para o procedimento clínico mais simples de fazer um aborto. Sabemos que esse custo costuma ser pelo menos quatro vezes mais, em clínicas sofisticadas e mais seguras. Na verdade, a matéria colocou essas clínicas e profissionais na mira da legislação atrasada que temos, mas protegeu as clínicas mais caras, que só atendem as filhas dos mais ricos.
Culpabilização e ameaças pela mídia privatizada
O link com a morte por abortamento é feito com a história de uma jovem de Fortaleza que teve os órgãos perfurados. As ameaças e os riscos que correm as mulheres nas clínicas inseguras, sempre em bairros populares, são fartamente exibidos, assim como as salas cheias de grávidas à espera, seja em Belém, Rio ou Salvador. Na Santa Casa de Misericórdia de Belém a reportagem obtem dado, semelhante ao de outras capitais: só naquele hospital, 300 pacientes são atendidas por mês por decorrência de aborto, algumas com muita hemorragia, depois de viajar pelos rios por muitas horas; muitas morrem, informam.
Para nós, o alto índice de mortes de mulheres devido a gravidez indesejada é tão preocupante quanto o da violência contra a mulher. São dois lados da mesma moeda. Mas a Rede Globo nunca quer ouvir o outro lado. O Fantástico ironizou os médicos, mas principalmente as atendentes, pelo clima amistoso e afável com que recebem as pacientes. Ao se referir de maneira cínica ao tratamento carinhoso que a sua produtora – fantasiada de jornalista e fingindo-se de grávida – recebeu da ajudante do médico no Rio, os editores da matéria global mostram o desconhecimento de como isso é fundamental para a mulher naquele momento!!!
Punição às mulheres, punição à desobediência da lei, pede a Globo quando não ouve outros lados. Na matéria, as ameaças começam na entrevista com representante do Conselho Federal de Medicina. O famoso remédio “Citotec”, o abortivo mais utilizado e facilmente encontrável “clandestinamente” até pela internet, também é alvo de investigação da Globo. Por meio dos camelôs de Belém e de Salvador! Nós vimos o que deu a matéria sobre a clínica em Mato Grosso do Sul!
Misto de ameaças pelo medo e pela culpabilização, a matéria do Fantástico provavelmente já se tornou outro iniciador de mais criminalização das mulheres e dos profissionais das clínicas que as socorrem em momento tão difícil. Em seu finalzinho, a matéria fornece dados de recentes pesquisas realizadas por universidades, que apenas confirmam os números que estamos cansadas de divulgar e também que “não há nada de particular nas mulheres que fazem aborto”, nas palavras de uma docente da UNB.
Questão de saúde pública todos já sabemos, declarado inclusive pelo próprio Ministro da Saúde. O SUS atende em média 230 mil mulheres por ano devido a complicações de aborto, também sabemos. As mulheres passam pelo aborto em situação de grande sofrimento emocional, geralmente sem apoio do parceiro na gravidez, e são maltratadas no atendimento médico, culpabilizadas de todas as maneiras. Mas a Globo e os valores hipócritas dominantes querem a criminalização das mulheres, por meio das novelas e agora do noticiário. É só acompanharmos os próximos passos.
A matéria foi preparada durante a copa do mundo, mas apenas depois de mostrada, os apresentadores dão as informações recentes. “A Corregedoria da PM do Pará já identificou os policiais que trabalham na clínica”, diz ele. “E a Polícia Civil abriu inquérito para investigar as clínicas”, fecha solenemente o Fantástico, Patrícia Poeta.
O movimento feminista já viu esse mesmo filme. Em 10 de abril de 2007, quando depois de uma matéria global, entrevistando a médica Neide Mota Machado, dona da Clínica Planejamento Familiar, começou um processo de criminalização que chegou a envolver quase 10 mil mulheres, terminando com a condenação de várias delas e o suicído da médica. As feministas denunciam constantemente a mercantilização das mulheres na mídia e agora tem que conviver com a criminalização daquelas que ousam ser autonômas em relação a seu corpo, e que não tem dinheiro suficiente para não correrem risco. Basta de hipocrisia! Basta de privatização da comunicação, queremos liberdade de expressão e justiça!
Os fatos ocorridos com as mulheres são reais, a existência de tais clínicas, sabemos até de histórias piores que acontecem por aí. Mas por que eles não mostraram nenhuma clínica de “madame”, aquelas na zona sul do Rio de Janeiro ou nos bairros da burguesia de São Paulo? Quantos médicos particulares de senhoras abastadas não resolvem eles mesmos os problemas delas e de suas jovens filhas, sem que ninguém saiba?? Porque é a serviço da hipocrisia que o capital aprimora, e a humanidade valoriza, a desigualdade social, que faz serem bem poucos os detentores de direitos, subtraídos à maioria.
Ora, o aborto espontâneo já foi coisa muito mais comum, e o aborto provocado existe desde que a mulher entendeu como ficava grávida e como nascem os bebês. Os mais diversos chás e preparados, a perfuração da bolsa, a bombinha para injetar água com algum produto e “lavar” o colo do útero, são métodos seculares utilizados pelas mulheres. E a grande maioria era de mulheres casadas, que não podiam ou não queriam ter mais filhos; muitas incentivadas pelos maridos, mas sempre com a ajuda de mulheres amigas.
Afinal, os homens querem controlar os corpos das mulheres e mandar neles e em sua prole, e para isso criaram Estados, legislações e fundamentalismos. Inventaram as bases para justificar guerras, escravidão, propriedade privada. Mas a solução para os problemas mais importantes da vida, as questões relacionadas de verdade com a qualidade da vida e sua reprodução, saúde, filhos, sempre foram encargos das mulheres. A visão feminista, a Globo nunca vai divulgar.
Esconderam a linha editorial
É preciso ver o programa inteiro, pois o texto que circula está incompleto e esconde a apresentação e fechamento da reportagem, lidos pelos apresentadores – Zeca Camargo e Patrícia Poeta -, onde fica clara o eixo real da edição. “Você vai ver porque o aborto realizado CONTRA A LEI é um grave problema de saúde pública”, anuncia Zeca. “Reportagem especial mostra que mais de 5 milhões de mulheres já fizeram aborto pelo menos uma vez”, anuncia a apresentadora, “e muitas vezes TEM QUE SER SOCORRIDAS em hospitais públicos, por causa de procedimentos mal feitos”.“Clínicas CLANDESTINAS mal aparelhadas funcionam abertamente em várias cidades do país”, nos “conta” o apresentador. “Numa delas flagramos POLICIAIS MILITARES, FARDADOS, trabalhando de seguranças!!” Com métodos jornalísticos considerados escusos em outros assuntos, o “casal” de repórteres obtem toda a explicação do médico de como funciona o processo. Ah! Como seria bom se toda mulher que está desesperada com uma gravidez, e decidisse recorrer ao aborto, tivesse tanta atenção no atendimento!
A pouca abrangência da matéria, selecionando as clínicas e as cidades apresentadas, revela o alto gráu de hipocrisia da maior rede de televisão brasileira. A recepcionista/enfermeira é tratada com ironia na matéria, por explicar “como se fosse médica”, apesar dela dizer que acompanha as cirurgias. Será que a Globo não desconfia que as mulheres sempre se socorreram, que historicamente as mulheres só contam com a solidariedade de outras mulheres?
Por que escolheram Belém, a capital do Pará, e a Clínica Cemego para a matéria? A quem eles querem prejudicar mostrando PMs fazendo um bico de segurança, coisa que é altamente comum em todo o tipo de comércio e até residências, em várias cidades brasileiras? Por que estiveram também no Rio de Janeiro, mas numa clínica do bairro de Bonsucesso!! Por que não “descobriram” algum consultório ou hospital no Leblon, Ipanema, Botafogo??!!! Por que não investigaram como esses locais – necessários para as mulheres - sobrevivem fora da lei?
Ao mesmo tempo que denunciam, escolhem clínicas que cobram preços mais populares, embora o custo no Rio de Janeiro seja o dobro do de Belém (800/400) para o procedimento clínico mais simples de fazer um aborto. Sabemos que esse custo costuma ser pelo menos quatro vezes mais, em clínicas sofisticadas e mais seguras. Na verdade, a matéria colocou essas clínicas e profissionais na mira da legislação atrasada que temos, mas protegeu as clínicas mais caras, que só atendem as filhas dos mais ricos.
Culpabilização e ameaças pela mídia privatizada
O link com a morte por abortamento é feito com a história de uma jovem de Fortaleza que teve os órgãos perfurados. As ameaças e os riscos que correm as mulheres nas clínicas inseguras, sempre em bairros populares, são fartamente exibidos, assim como as salas cheias de grávidas à espera, seja em Belém, Rio ou Salvador. Na Santa Casa de Misericórdia de Belém a reportagem obtem dado, semelhante ao de outras capitais: só naquele hospital, 300 pacientes são atendidas por mês por decorrência de aborto, algumas com muita hemorragia, depois de viajar pelos rios por muitas horas; muitas morrem, informam.
Para nós, o alto índice de mortes de mulheres devido a gravidez indesejada é tão preocupante quanto o da violência contra a mulher. São dois lados da mesma moeda. Mas a Rede Globo nunca quer ouvir o outro lado. O Fantástico ironizou os médicos, mas principalmente as atendentes, pelo clima amistoso e afável com que recebem as pacientes. Ao se referir de maneira cínica ao tratamento carinhoso que a sua produtora – fantasiada de jornalista e fingindo-se de grávida – recebeu da ajudante do médico no Rio, os editores da matéria global mostram o desconhecimento de como isso é fundamental para a mulher naquele momento!!!
Punição às mulheres, punição à desobediência da lei, pede a Globo quando não ouve outros lados. Na matéria, as ameaças começam na entrevista com representante do Conselho Federal de Medicina. O famoso remédio “Citotec”, o abortivo mais utilizado e facilmente encontrável “clandestinamente” até pela internet, também é alvo de investigação da Globo. Por meio dos camelôs de Belém e de Salvador! Nós vimos o que deu a matéria sobre a clínica em Mato Grosso do Sul!
Misto de ameaças pelo medo e pela culpabilização, a matéria do Fantástico provavelmente já se tornou outro iniciador de mais criminalização das mulheres e dos profissionais das clínicas que as socorrem em momento tão difícil. Em seu finalzinho, a matéria fornece dados de recentes pesquisas realizadas por universidades, que apenas confirmam os números que estamos cansadas de divulgar e também que “não há nada de particular nas mulheres que fazem aborto”, nas palavras de uma docente da UNB.
Questão de saúde pública todos já sabemos, declarado inclusive pelo próprio Ministro da Saúde. O SUS atende em média 230 mil mulheres por ano devido a complicações de aborto, também sabemos. As mulheres passam pelo aborto em situação de grande sofrimento emocional, geralmente sem apoio do parceiro na gravidez, e são maltratadas no atendimento médico, culpabilizadas de todas as maneiras. Mas a Globo e os valores hipócritas dominantes querem a criminalização das mulheres, por meio das novelas e agora do noticiário. É só acompanharmos os próximos passos.
A matéria foi preparada durante a copa do mundo, mas apenas depois de mostrada, os apresentadores dão as informações recentes. “A Corregedoria da PM do Pará já identificou os policiais que trabalham na clínica”, diz ele. “E a Polícia Civil abriu inquérito para investigar as clínicas”, fecha solenemente o Fantástico, Patrícia Poeta.
O movimento feminista já viu esse mesmo filme. Em 10 de abril de 2007, quando depois de uma matéria global, entrevistando a médica Neide Mota Machado, dona da Clínica Planejamento Familiar, começou um processo de criminalização que chegou a envolver quase 10 mil mulheres, terminando com a condenação de várias delas e o suicído da médica. As feministas denunciam constantemente a mercantilização das mulheres na mídia e agora tem que conviver com a criminalização daquelas que ousam ser autonômas em relação a seu corpo, e que não tem dinheiro suficiente para não correrem risco. Basta de hipocrisia! Basta de privatização da comunicação, queremos liberdade de expressão e justiça!
Ver em linha : Veja reportagem do Fantástico
Fonte: Ciranda Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário