PICICA: "(...) não adianta ficar reclamando contra marias-fascistinhas e outras manifestações preconceituosas, como se isso fosse o principal. Essas explosões de ódio não vão acabar. E pretender calá-las com a polícia não funcionará, porque a mais racista de nossas instituições consiste justamente no sistema penal (polícia, justiça criminal, complexo prisional)."
15 de novembro de 2010
Racismo não é sentimento individual.
Republico, por julgar pertinente, comentário feito por mim em resposta ao artigo O preconceito do preconceito, publicado hoje no Amálgama (clique para ler).
O racismo não se resolve num sentimento individual na cabeça dos preconceituosos, que nos caberia extirpar pela via da educação e do direito penal. Isso é a ponta do icebergue. É sobretudo uma força histórica e estruturante, que plasma as relações sociais, e cujo combate demanda medidas igualmente estruturais, a fim de equilibrar a desigualdade do acesso a direitos e bens. E pra ontem, porque as minorias não podem ficar esperando a “revolução” pra ser contempladas por políticas públicas.
Nesse sentido, não adianta ficar reclamando contra marias-fascistinhas e outras manifestações preconceituosas, como se isso fosse o principal. Essas explosões de ódio não vão acabar. E pretender calá-las com a polícia não funcionará, porque a mais racista de nossas instituições consiste justamente no sistema penal (polícia, justiça criminal, complexo prisional). E, mesmo que não fosse, nada impedirá que tais ardores preconceituosos se desenvolvam clandestinamente, em grupos de ódio racial, como na Europa.
O caso é realizar políticas concretas que desbaratem a base da desigualdade, de fundo material e desejante, e daí o governo Lula/Dilma — sim, muito diferente ideológica e, com ainda mais razão, concretamente que o governo FHC/Serra — vem atacando essa discrepância norte-sul, e incisivamente, como se constata pelas estatísticas e pelo reconhecimento interno e internacional. Basta ver o mapa de distribuição de investimentos públicos e políticas sociais da última década, bem como a qualificação diferenciada da população por região, classe social e raça.
Talvez o primeiro passo para vencer o preconceito (corretamente) denunciado pelo articulista seja, precisamente, reconhecer e compreender a DIFERENÇA BRUTAL entre a política levada a cabo, com generalizado sucesso, pela coalizão de centro-esquerda na situação; e a política desenvolvida pela coalizão de centro-direita, na oposição. Enquanto a primeira adota a agenda social em seu núcleo, e faz da política econômica uma conseqüência desse compromisso primordial, a segunda tem por base a política financeiro-econômica, e dela deriva a política social.
O fato é que o programa bolsa família, conjugado com outras políticas substantivas de inclusão social (Prouni, microcrédito, Projovem, Luz para Todos etc), está impactando o estatuto do trabalho, com efeitos micro e macroeconômicos, e inclusive mobilizando a academia na análise de um novo ciclo de lutas no capitalismo contemporâneo.
Peço a licença para remeter o leitor a breve texto, A Revolução dos Pobres, sobre as análises de Giuseppe Cocco, em que se deslinda esse fator revolucionário, amiúde subestimado, das transformações em curso no Brasil.
Por último, sem embargo o racismo norte-sul, e a história de exclusão do norte-nordeste do eixo político-econômico do Brasil, como bem apontado pelo articulista, se existe algum “judeu brasileiro”, é antes de tudo o negro. Não se pode perder de vista a dimensão dos fenômenos, a sua escala histórica. Um país social, cultural e economicamente racista como o Brasil, racista de norte a sul até a medula, tem esse racismo incrustado na sua matriz político-histórica, e neste aspecto nada se compara à enormidade da escravidão, e das políticas segregacionistas que atravessaram a República Velha, o Estado Novo, a Ditadura. Perduram até hoje, como se nota nas tentativas conservadoras de bloqueio de ações afirmativas nas universidades, nos concursos públicos, na mídia (grande e pequena).
Fonte: Quadrado dos loucos
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