PICICA: Suposto conflito entre traficantes "pés-de-chinelo" e a Polícia do Rio de Janeiro vira "reality show" na rede Globo. Leia sobre os riscos da "grande resposta" anunciada pelo governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), para enfrentar arrastões, carros incinerados e quartel policial fuzilado: ONG critica 'transmissão online de possível chacina' no Rio.
Marcelo Freixo: caso para o serviço de inteligência
O Rio de Janeiro está em conflito. Desde o domingo 21, a capital e a Baixada Fluminense são palcos de arrastões, carros incinerados e quartel policial fuzilado. As autoridades públicas dizem ser reação à implantação das Unidades Policias Pacificadoras (UPPs) em áreas dominadas pelo tráfico. Para mostrar serviço, mandaram nesta terça-feira 23 todo o contingente das polícias militar e civil às ruas para achar os culpados. O resultado: em poucas horas, foram 11 presos e um morto. Ação digna de capitão Nascimento, para a alegria de uma parcela da população.
Para o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), o responsável pela instauração da CPI das Milícias, cabe ao serviço de inteligência da polícia carioca descobrir como – e se – os ataques foram orquestrados. O deputado critica a postura do governador Sérgio Cabral, que estaria mais preocupado com a sua imagem do que com a segurança pública. Na entrevista, Freixo também comenta o escândalo na secretaria de Saúde fluminense com o ministeriável Sérgio Côrtes e a tentativa de abrir uma investigação sobre o caso, apesar da resistência do governo.
CartaCapital: O secretário de segurança pública José Mariano Beltrami disse que os ataques são uma resposta as implantações de UPPs.
Marcelo Freixo: Na verdade, a chance disso tudo estar acontecendo como reação as UPPs e a dificuldade que o tráfico vem enfrentando há bastante tempo, é provável e um tanto quanto evidente, inclusive. É nesse momento, mais do que nunca, que o serviço de inteligência da secretaria de Segurança Pública precisa agir. O serviço de inteligência carece de investimento no Rio de Janeiro e nessas horas são imprescindíveis, porque a inteligência pode definir de onde parte a ordem – se é que essa é uma ação organizada – a que nível de organização isso acontece e definir qual lugar é esse. Qualquer ação preventiva acontecerá apenas a partir de uma boa ação do serviço de inteligência no que diz respeito a conseguir uma informação mais apurada do que realmente está acontecendo. Quem não investe no serviço de inteligência trabalha contra a segurança pública. O serviço de inteligência te permite trabalhar com antecedência, não de 100% porque não se pode prever tudo, agora, pode ter o diagnóstico mais bem elaborado a partir das informações mais precisas que consegue. Hoje nós sabemos que os telefones celulares utilizados dentro das prisões são todos monitorados, as lideranças estão grampeadas. Esse serviço de inteligência tem que funcionar agora porque é possível que seja uma ação isolada de algum grupo. É possível que seja algo mais organizado e orquestrado que demandaria uma ação mais organizada também por parte do Estado.
CC: O governador Sérgio Cabral disse que essa é uma tentativa de desmoralizar o sistema de segurança pública do Rio.
MF: Esse é o problema. Como a segurança pública se tornou o debate político do Rio de Janeiro, o governador ganhou a eleição única e exclusivamente por causa das UPPs. A saúde e a educação pública provavelmente não dariam a ele nem a vitória de síndico do prédio onde mora. O Rio debate a política através da lógica da segurança pública. Nesse sentido, os governantes, quando falam de segurança pública, não falam apenas de segurança pública, mas de todas as relações de poder e na sua imagem. A ideia que toda a política de segurança está sendo questionada por um grupo muito organizado pode não ser verdadeira. O varejo da droga nas favelas é muito violento e desorganizado, tanto é que nas implementações das UPPs não houve resistência. O que está acontecendo hoje pode ser algo mais organizado como também pode não ser. Não adianta o governador sair falando sem essa informação mais apurada. Não adianta o governador fazer um discurso dizendo que “ta ruim porque ta bom”, que é mais ou menos o que está dizendo.
CC: Esses ataques são consequência daquele projeto de cidade do Cabral com as UPPs, barreiras acústicas, muros nas favelas, Porto Maravilha…
Exatamente. É claro que tem uma política de segurança pública no Rio de Janeiro que tem que ser debatida. Agora, dizer que qualquer coisa que aconteça é uma reação a essa política é precipitado. O serviço de inteligência deve trabalhar para dar a real dimensão do que está acontecendo.
CC: Na manhã desta terça-feira, a polícia foi 100% às ruas para tentar achar os culpados pelos crimes. Isso está lembrando os ataques do PCC em São Paulo em 2006, quando a polícia matou muitos inocentes na reação.
MF: Lembra, mas o episódio de São Paulo foi uma reação descontrolada da polícia aos ataques aos policiais. No Rio ainda não tem esse cenário. Na verdade a polícia está indo às ruas a partir de uma decisão do governo no sentido de tentar aumentar a sensação de segurança para a sociedade. Por enquanto ainda tem diferença. Ninguém garante que os ataques aqui no Rio têm relação entre si. Podem ter sido ações isoladas de diferentes grupos. Na verdade, pode tudo.
CC: Aproveitando a conversa, como está a tentativa de instauração de CPI contra o secretário de Saúde Sérgio Côrtes por superfaturamento?
MF: Caso de polícia. Continuamos falando de polícia então. Você quer falar de saúde e continuamos falando de polícia. As denúncias de superfaturamento na compra de medicamento são gravíssimas. Nós apresentamos um pedido de CPI para investigar. O engraçado é quando você pede para investigar parece estar ofendendo. O poder público é público para ser investigado. O papel do parlamento é exatamente dessa fiscalização. É natural, uma denúncia gravíssima com exemplos concretos, entrar com uma CPI para investigar. O que é ótimo, porque afinal de contas, o secretário de Saúde, que pretende ser ministro, se não tem nenhuma relação com isso, deveria ser o primeiro a apoiar a investigação. Contudo o governo criou uma situação de não querer publicar e nem discutir. A história acontece de uma maneira que aumenta muito a minha suspeita.
CC: Você acredita na instauração do processo de CPI?
MF: É muito difícil porque mexe com o “calcanhar de Aquiles” do governo. Acho que isso pode acabar chegando ao governador. Não acredito que a base do governo implemente essa CPI. Eu acho que essa reação só aumenta a minha certeza de que ali têm coisas que não são muito republicanas.
Leia entrevista com o Marcelo Freixo sobre as milícias, a segurança pública fluminense e o filme Tropa de Elite 2, clique aqui.
Fonte: CartaCapital
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