novembro 22, 2010

Thomaz Meirelles, um herói brasileiro

PICICA: A Revista de História da Biblioteca Nacional, edição de novembro de 2010, estampa em sua capa a seguinte chamada "A Morte do Herói - Ascenção e queda dos mitos nacionais". A intenção é colocar os mitos na berlinda. A matéria é assinada por Vivi Fernandes de Lima. No índice das matérias encontramos a seguinte advertência: "O Brasil coleciona personalidades que inspiram liderança. Mas os heróis de hoje podem não ser os de amanhã". Certamente, uma avaliação histórica mais rigorosa reveria a indicação, para o panteão dos heróis, do primeiro governador de Rondônia, cel. Jorge Teixeira de Oliveira, cuja passagem por Manaus, como prefeito, deixou um rastro de destruição, a ponto da imprensa local ter lhe conferido a alcunha "O Demolidor". Bem que a autora nos adverte que a exaltação de alguns nomes é feita por determinadas corporações; outros por grupos sociais. É o caso. Como a autora da matéria reconhece que a lista apresentada é provisória, e convida o leitor a aumentá-la, acessado o site www.rhbn.com.br, o PICICA reivindica, para o Amazonas, o nome de um herói nacional, nascido na cidade de Parintins: Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto. Nosso herói tombou em defesa da liberdade, no enfrentamento à ditadura militar. Como até hoje são tímidas as tentativas de reconhecer como heróis os que lutaram contra as atrocidades do regime militar, por razões óbvias, recuperamos a memória deste personagem da história da república através de um texto publicado pelo Grupo Tortura Nunca Mais-RJ. É pra você, Larissa, que dedicamos esta postagem.

Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto 

Dirigente da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN).

Nasceu a 1° de julho de 1937 em Parintins, Estado do Amazonas, filho de Togo Meirelles e Maria Garcia Meirelles.

Desaparecido, desde 1974, aos 31 anos de idade.

Formou-se Sociólogo pela Universidade de Moscou.

Era casado e teve dois filhos, Larissa e Togo.

Foi preso no dia 7 de maio de 1974, no Leblon, Rio de Janeiro.

O nome de Thomaz consta da lista de pessoas consideradas desaparecidas e assumidas como mortas por um general responsável pelo aparato repressivo, em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, em 28 de janeiro de 1979.

Preso em 14 de setembro de 1971, foi condenado a 3 anos e 6 meses de prisão. Liberado em 1973, retorna à luta, permanecendo clandestino até 07 de maio de 1974, quando foi preso e nunca mais visto.

Durante o período da clandestinidade, no ano de 1973 e parte do de 1974, sua família foi perseguida, culminando com a prisão de sua mulher Miriam Marreiros Meirelles, também torturada no DOI-CODI/RJ para dizer onde seu marido se encontrava.

Em 08 de abril de 1987, a Revista “Isto É”, na matéria “Longe do Ponto Final”, publica declarações do ex-médico-torturador Amílcar Lobo de que havia visto Thomaz no DOI-CODI/RJ, sem precisar a data.

No Arquivo do DOPS/SP, documento da Secretaria Estadual dos Negócios da Segurança Pública/Polícia Civil de São Paulo/Divisão de Informações-CPI-DOPS afirma que Thomaz foi “... novamente preso em 07 de maio de 1974, quando viajava do Rio de Janeiro para São Paulo”.

O Relatório do Ministério da Marinha confirma esta informação, quando diz que Thomaz foi “... preso novamente no dia 07/mai/74, entre Rio de Janeiro e São Paulo”.

No livro “Brasil Nunca Mais” a primeira prisão de Thomaz, em 1972, e o julgamento em que foi condenado a 3 anos e 6 meses, foi retratado como o caso n° 1, para ilustrar o funcionamento da Justiça Militar, no período da ditadura no Brasil. “Nove anos passados na União Soviética servem de prova da intenção de delinqüir”, mostrando o absurdo do processo que levou Thomaz para a clandestinidade.

Teve sua prisão preventiva pedida em 12 de agosto de 1974 e, posteriormente, condenado à pena de 2 anos de reclusão pelo proc. n° 45/74.

Notícia veiculada no “Correio da Manhã” (RJ), de 03 de agosto de 1979, dá conta de que 14 desaparecidos políticos foram mortos pelos serviços secretos das Forças Armadas e dentre eles está o nome de Thomaz. A matéria diz que os repórteres, Ana Lagoa e Henrique Lago, da “Folha de São Paulo”, ouviram de 2 generais e um coronel esta informação.

Thomaz segundo Miriam, sua viúva, em 1987:

“Falar sobre Thomaz - mesmo pensar - é muito doloroso. Principalmente quando nossos dois filhos estão por perto. Mas, nosso problema é o mesmo de centenas de esposas, mães, filhas - sentimos nossos combatentes desaparecidos muito próximos e vivos. Atualmente, na atual arrancada de participação popular, por um Brasil político e economicamente independente e democrático, não estamos vendo fisicamente nossos amores, nossos filhinhos, nossos pais. Ouvimos, sim, seus nomes serem chamados, e o povo por eles respondendo: presente.

Thomaz Antônio Meirelles Netto foi morto neste combate, que se prolongou por quase 15 anos de estado de exceção. Mas covardemente, pois seu corpo não apareceu. Nem sua prisão foi reconhecida. Torna-se doloroso falar do desaparecimento de uma inteligência e sensibilidade empregadas na luta em prol das mais elementares necessidades do homem brasileiro: amar, estudar, trabalhar. E, das suas mais legítimas aspirações: pensar, construir, produzir. Foi em 7 de maio de 1974 que desapareceu este íntegro e querido revolucionário.

Nasceu em Parintins, Amazonas, em 1° de julho de 1937. Chegando ao Rio em 1958, participou pela UBES e UNE da direção e organização das manifestações culturais e políticas que os estudantes desenvolviam naquele período histórico. Paralelamente à sua atividade profissional de jornalista, participou e acompanhou, nos Estados, do trabalho do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE. Foi quando teve contato mais real com a pobreza e a miséria das partes mais desprotegidas do povo: dos alagados do Recife às minas de carvão de Santa Catarina. E, quando em 1961, a Cadeia da Legalidade foi desencadeada, encontrou em Thomas um modesto, mas também um dos mais sinceros lutadores a favor da posse constitucional do vice-presidente eleito pelo povo. Sua militância política estava articulada a uma disciplina e organização, no PCB e, mais tarde, na ALN, sempre dentro de princípios e programas políticos que propugnam pela emancipação do povo e da nação brasileira, das mais diferentes formas de domínio do imperialismo.

Quando Brasil e União Soviética estabeleceram relações diplomáticas, Thomaz - por falta de recursos necessários - solicitou uma bolsa de estudos para continuar sua formação universitária. Foi para Moscou em 1962, onde cursou a Faculdade de Filosofia na Universidade de Moscou (Lomonossof). Essa fase de sua juventude foi muito rica e fecunda - até retornar ao Brasil em 1969.

Foi brilhante, alegre e consciente: o amigo, o estudante admirável, o companheiro amoroso e, principalmente, o revolucionário generoso.

Quando em 1963 nasceu nossa filha Larissa, dizia que “como já tinha plantado uma árvore, só faltava escrever um livro” e acrescentava que neste popular ditado chinês só faltava constar que o homem também deve fazer a revolução.

Com poucos meses no Brasil, a clandestinidade política de Thomaz já era total. Nosso filho, Togo Meirelles Netto, nascido no Brasil em 1967, nunca pôde ser acalentado pelos braços do seu pai. Nunca se olharam nos olhos nem se seguraram as mãos. Muitas vezes, seu amor imenso de pai arriscava a segurança para olhá-lo a certa distância. Cumpriu, em 1970, uma condenação por atividades políticas - período imensamente doloroso, em que foi torturado. Livre em 1973, dois meses foi o tempo que teve para tentar reestruturar-se. Mais uma vez era obrigado, pela caça empreendida pelo aparelho repressivo, a entrar na clandestinidade. Ele pressentia a redução de sua pena como uma armadilha. Como conseqüência, eu e seus amigos fomos seqüestrados e torturados: queriam-no outra vez.”

Thomaz, segundo seu amigo, o ator Carlos Vereza:

“Tive a honra de ser amigo fraterno de Meireles. Ele era fascinante - eu o escondi em minha casa - e tínhamos discussões incríveis. Ele queria que eu concordasse com a visão de luta armada. Eu achava que não era hora, não concordava com ele. Não sou político, sou um cidadão que fica indignado. O Meireles era fascinante porque naquele momento era um dos guerrilheiros mais procurados pela ditadura. Era fantástico porque havia chegado da Europa e era a antítese da caricatura e do arquétipo que se imagina de um guerrilheiro. Usava ‘altos’ paletós suíços, ‘altas’ calças francesas, sapatos finíssimos e um ‘38’ dentro de uma pasta. Impressionante. E era bonito. Uma vez ganhei um prêmio americano no IBEU e fui recebê-lo. Ele me emprestou um paletó lindíssimo. Eu nunca vestira paletó tão caro. Não era apropriação não. Ele gostava de se vestir bem. Gostava de Sartre, de Camus, do existencialismo, do teatro do absurdo. Isso era lição de abertura que não impedia que ele fosse uma das pessoas mais procuradas. Uma lição de que a pessoa não precisa ser necessariamente sectária, intolerante, não precisa ser mal-humorada para morrer como ele morreu, assassinado pela ditadura. A minha admiração por Meireles é muito grande, pelo paralelo desse empenho em lutar pela liberdade do país, pelo “fair-play”, pelo relaxamento bonito, elegante, sempre com seu “trinta e oitozinho”. Ele tem uma filha chamada Larissa, que ficou escondida na minha casa. Falava russo, havia nascido na Rússia. Uma vez fui à padaria comprar pão e ela começou a pedir doce em russo. Fiquei apavorado porque estávamos no auge da ditadura, e comecei a fingir que era pesquisa de som o que ela estava fazendo... O máximo que pude fazer foi, quando minha filha nasceu, não só por achar bonito, mas para homenageá-lo também, chamá-la de Larissa.”


Fonte: Grupo Tortura Nunca Mais

2 comentários:

Emanuel Bonfante disse...

Aqui vai uma correção: Nosso querido Meirelles foi nosso colega em Moscou e viajou conosco do Rio para a União Soviética. Ele não estudou na Universidade de Moscou, a Lamanóssaf,e sim na Universidade da Amizade dos Povos "Patrice Lumumba", hoje Universidade Russa da Amizade dos Povos(URAP). Foi um companheiro muito querido, assim como sua mulher, a Míriam e sua filha Larissa. O Togo, infelizmente não conheci. Beijos para os três.

PICICA disse...

Grato pela correção, Sr. Emanuel Bonfante. Um forte abraço.