novembro 18, 2010

I Seminário Internacional "A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos"

PICICA: Saiba as principais informações sobre o I Seminário Internacional "A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos", realizado de 11 a 13 de ovembro. Em anexo, o manifesto mencionado no texto e que foi aprovado em plenário.
17 de novembro de 2010
Medicalização não é solução para enfrentar os problemas de aprendizagem, apontam especialistas

Notas baixas, dificuldades na leitura e na escrita, desatenção em sala de aula. Situações como essas, comuns entre os escolares, muitas vezes estão associadas a problemas neurológicos ou psicológicos, não considerando, por exemplo, a má qualidade do ensino. Recorre-se, então, à medicalização, entendida como um processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Para discutir essas e outras considerações afins, especialistas do Brasil e do exterior se reuniram de 11 a 13 de novembro durante o I Seminário Internacional "A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos", na Unip campus do Paraíso, em São Paulo.
O evento foi organizado por várias entidades, entre as quais o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP SP, e teve por objetivos divulgar e discutir controvérsias acerca do diagnóstico e tratamento de supostos transtornos de aprendizagem, tendo como pano de fundo a medicalização da sociedade e, mais especificamente, das dificuldades do sistema escolar. Buscou também oferecer subsídios para a discussão e o posicionamento frente às políticas públicas que têm sido propostas e/ou implementadas por meio de leis e programas de ação, partindo das diferentes compreensões desses supostos transtornos de aprendizagem.
Dois convidados americanos enriqueceram os debates. O sociólogo Peter Conrad, professor da Brandeis University de Boston, Massachussets, foi enfático: “Não há nenhuma prova fisiológica, neurológica ou física que associe direta ou indiretamente a TDAH a crianças com dificuldades de ler e escrever, outros problemas na aprendizagem devem ser considerados nestes casos”, afirmou. O neurologista Steven Strauss, professor do Hospital Franklin Square de Baltimore, em Maryland, por sua vez, fez duras críticas à medicalização na educação. “A medicalização é um tipo de controle social, define-se que o aluno é disléxico e já se receitam medicamentos, rotula-se esta criança”, alertou.
O evento foi palco também para o lançamento oficial do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. De caráter político e de atuação permanente, o Fórum tem por finalidade articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento e a superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento. Para tanto foi produzido um manifesto, com as diretrizes do Fórum, que convida pessoas e entidades a serem signatários desta mobilização.
 Durante a mesa-redonda “Medicalização e Políticas Públicas”, o vereador Eliseu Gabriel, representando a Câmara Municipal de São Paulo, anunciou um projeto de lei, de sua autoria, instituindo 11 de novembro como o Dia Municipal de Luta contra a Medicalização na Educação.
Um público em torno de mil pessoas compareceu ao encontro. Para aprimorar as discussões, o Seminário ofereceu aos participantes conferências, mesas-redondas, minicursos, oficinas e exposição de vídeos e de trabalhos em painéis (85 trabalhos foram selecionados), além de performances artísticas. Também foi lançado o livro Medicalização de Crianças e Adolescentes. Conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos, organizado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e pelo Grupo Interinstitucional Queixa Escolar. É a primeira publicação do gênero no Brasil.

Waltair Martão
Comunicação
                                 Conselho Regional de Psicologia SP                                  
comunicacao@crpsp.org.br
tel.: (11) 3061 9494, ramal 136


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Manifesto de Lançamento do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade


A sociedade brasileira vive um processo crescente de medicalização de todas as esferas da vida.
 

Entende-se por medicalização o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades.

Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “pacientes” e consequentemente “consumidoras” de tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam o seu próprio corpo no alvo dos problemas que, na lógica medicalizante, deverão ser sanados individualmente. Muitas vezes, famílias, profissionais, autoridades, governantes e formuladores de políticas eximem-se de sua responsabilidade quanto às questões sociais: as pessoas é que têm “problemas”, são “disfuncionais”, “não se adaptam”, são “doentes” e são, até mesmo, judicilializadas.
 

A aprendizagem e os modos de ser e agir – campos de grande complexidade e diversidade – têm sido alvos preferenciais da medicalização. Cabe destacar que, historicamente, é a partir de insatisfações e questionamentos que se constituem possibilidades de mudança nas formas de ordenação social e de superação de preconceitos e desigualdades.

O estigma da “doença” faz uma segunda exclusão dos já excluídos – social, afetiva, educacionalmente – protegida por discursos de inclusão. 


A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em “portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem”. 

No Brasil, a crítica e o enfrentamento dos processos de medicalização ainda são muito incipientes.
 

É neste contexto que se constitui o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que tem como objetivos: articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento e superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento.
 

O caráter do Fórum é político e de atuação permanente, constituindo-se a partir da qualidade da articulação de seus participantes e suas decisões serão tomadas, preferencialmente, por consenso. É composto por entidades, movimentos e pessoas que tenham interesse no tema e afinidade com os objetivos do Fórum.

O Fórum se fundamenta nos seguintes princípios:



  1. Contra os processos de medicalização da vida.
  2. Defesa das pessoas que vivenciam processos de medicalização.
  3. Defesa dos Direitos Humanos.
  4. Defesa do Estatuto da Criança e Adolescente.
  5. Direito à Educação pública, gratuita, democrática, laica, de qualidade e socialmente referenciada para todas e todos.
  6. Direito à Saúde e defesa do Sistema Único de Saúde – SUS e seus princípios.
  7. Respeito à diversidade e à singularidade, em especial, nos processos de aprendizagem.
  8. Valorização da compreensão do fenômeno medicalização em abordagem interdisciplinar.
  9. Valorização da participação popular.

O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade se propõe os seguintes desafios:


I. Ampliar a democratização do debate o Estabelecer mecanismos de interlocução com a sociedade civil
 

i. Popularizar o debate, sem perder o rigor científico.
ii. Pluralizar os meios de divulgação, incluindo cordéis, sites, artes em geral.
iii. Construir estratégias para ocupar espaços na mídia.
 

  • Estabelecer mecanismos de interlocução com a academia

i. Ampliar a discussão entre profissionais das diversas áreas;
ii. Construir estratégias para ocupar espaços nos cursos de formação inicial e continuada dos profissionais das diversas áreas.
iii. Apoiar propostas curriculares de humanização das práticas de educação e de saúde.
 

  • Socializar o significado da medicalização e suas consequências

i. Reconhecer as necessidades das famílias que vivenciam processos de medicalização.
ii. Esclarecer riscos da drogadição – drogas lícitas e ilícitas - como consequência da medicalização.
 

  • Ampliar a compreensão sobre a diversidade e historicidade dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano.

II. Construir estratégias que subvertam a lógica medicalizante

  • Ampliar a produção teórica no campo da crítica à medicalização.
  • Intervir na formulação de políticas públicas, subsidiando o embasamento em novas concepções de ser humano e de sociedade.
  • Apoiar iniciativas de acolhimento e o fortalecimento das famílias, desmitificando pretensos benefícios da medicalização.
  • Apoiar ações intersetoriais que enfrentem os processos de medicalização da vida.

São Paulo, 13 de novembro de 2010


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