novembro 19, 2010

Intolerância sexual de jovens paulistanos é a ponta de um iceberg de preconceitos

PICICA: Jovens da classe média paulistana agem de maneira delinquencial agredindo rapazes que retornavam de uma festa, por motívo fútil: presunção de homossexualismo. Além de responderem por danos corporais, uma jornada de trabalho comunitário seria uma forma de reparar os danos provocados pela atitude de intolerância para com a diversidade sexual.
zyzmagno | 18 de novembro de 2010 
Pelo menos três pessoas foram vítimas de agressão por parte de um grupo de cinco jovens que usavam roupas de grife, na manhã deste domingo (14), na Avenida Paulista. A primeira agressão foi contra dois rapazes nas proximidades da Estação Brigadeiro do Metrô. Pouco mais tarde, eles atacaram mais um rapaz com duas lâmpadas fluorescentes perto do número 700 da avenida. Os cinco agressores foram detidos. Uma vítima foi levada para o hospital. A polícia investiga se os agredidos foram vítimas de homofobia. Isso porque, de acordo com testemunhas, um agressor gritou durante o primeiro ataque: "Suas bichas, vocês são namorados. Vocês estão juntos".

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PICICA: Leia a entrevista do psicanalista Jurandir Freire Costa, enviado por Dan Jung, a propósito da expressão "homoerotismo" usada por este blog no post anterior, expressão que se contrapõe ao estigma associado à palavra "homossexual".

Homossexualismo/homoerotismo [1]

Jurandir Freire Costa

[113] Jornal do Comércio - De que trata o homoerotismo?

Jurandir Freire Costa - Com o estudo sobre o homoerotismo pensei contribuir para a discussão de nossa ética da vida privada. Em suma, minha preocupação é de como preservar o modo de viver democrático de nossa tradição cultural e de como a psicanálise pode contribuir para isso. Tudo converge para uma mesma pergunta de teor ético: que direito temos nós, sociedade, grupos ou indivíduos, de obrigar quem quer que seja a ser sociomoralmente identificado em sua aparência pública por suas preferências eróticas?Jornal do Comércio - Como nasceu o estudo sobre o homoerotismo? Jurandir Freire Costa - Nasceu de duas preocupações básicas: a incidência do preconceito sexual sobre a conduta dos sujeitos passíveis de serem infectados pelo vírus da Aids, os "homossexuais"; e o uso que fazemos das noções de "perversão" ou "neurose" quando aplicadas ao fenômeno da atração erótica entre pessoas do mesmo sexo biológico.

Jornal do Comércio - Não seria apenas uma mudança de termos?

Jurandir Freire Costa - Retomei o termo homoerotismo, criado por F. Karsh-Haack, em 1911, e utilizado neste mesmo ano por Sandor Ferenczi, um grande psicanalista, em um trabalho sobre o tema. Não pretendi de forma alguma - e isto fica bem claro no texto (do livro) - simplesmente rebatizar moralmente a chamada "homossexualidade". Ferenczi, com o termo, teve justamente a intenção de criticar o saber psicanalítico da época, fenômeno e percebido como "atração pelo mesmo sexo". Freud, em seu Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1920, avalizou o emprego do termo.

[114] Jornal do Comércio - Qual a diferença entre os dois termos?

Jurandir Freire Costa - quando empregamos a palavra "homossexualidade", inevitavelmente pensamos em duas coisas: ou que o "homossexualismo' é uma condição natural, um tipo específico de sexualidade comum a certos indivíduos, em qualquer período histórico ou circunstância cultural, ou então que se trata de uma "condição psicológica" igualmente universal e típica de certos sujeitos. Assim, usei o termo homoerótico para aludir ao que designamos como "homossexualidade', e procurar evitar que o leitor moderno , preso aos nossos hábitos, desse o sentido de "homossexualidade" a quaisquer práticas eróticas entre indivíduos do mesmo sexo biológico.

Jornal do Comércio - E não é isto?

Jurandir Freire Costa - Ora, o que procurei mostrar, pelo contraste de culturas diversas, como a greco-romana, por exemplo, é que esta crença não tem nenhum sustentáculo técnico plausível e, ainda menos, fundamentos científicos, como se supõe. A pederastia grega e o "homossexualismo moderno" são duas formas absolutamente díspares de se descrever, sentir e avaliar moralmente as relações ou atração erótica entre pessoas do mesmo sexo.

Jornal do Comércio - qual o processo homossexual, então?

Jurandir Freire Costa - Não há um tipo de processo pelo qual as pessoas tornam-se homossexuais, assim como não existe um único tipo de processo psíquico pelos quais as pessoas tornam-se heterossexuais. É equivalente ao processo que torna alguém jogador de futebol ou músico. Querer encontrar a "homossexualidade comum" a todos os homossexuais é uma tarefa tão vã quanto querer procurar a "politicidade comum a todos os políticos".

Jornal do Comércio - O senhor defende uma bissexualidade de todas as pessoas?

Jurandir Freire Costa - Não defendo a idéia da bissexualidade de todas as pessoas, pois seria manter-me preso ao vocabulário da homosexualidade versus heterossexualidade. Defendo a idéia, junto com Freud, de que nossos desejos eróticos nada têm de naturais. São apenas realidades lingüísticas, arranjos culturais, que determinam aquilo que será o objeto da atração sexual. [115] Cada cultura organiza estes desejos em códigos morais que dizem o que é aprovado e reprovado.

Jornal do Comércio - Mas, e na nossa cultura?

Jurandir Freire Costa - Nossa cultura é majoritariamente heteroerótica, o que não significa que outros modos de ordenação do desejo não possam existir. Isto não quer dizer que tenho uma proposta para a reforma da sexualidade. Não creio que possamos escolher nossa sexualidade, assim como não podemos escolher nossa língua materna. Mas podemos, isto sim, redescrever moralmente, avaliar de novo, as conseqüências sociomorais de preferências sexuais que ninguém é livre para fazer.

Jornal do Comércio - É depreciativo o termo homossexual?

Jurandir Freire Costa - Seria intolerante, injusto, violento e falso dizer que todas as pessoas que usam a palavra homossexual são preconceituosas. O que digo é que, independente da intenção de quem fala, o termo toma um sentido que desqualifica moralmente o homoerotismo, como sendo um desvio, uma anormalidade, uma doença, um vício, uma perversão. E tem este sentido porque foi criado e inventado (no século XIX, através de uma concepção médico-sexológica) para ser usado com este sentido. Cada vez que dizemos "alguém é homossexual":, definimos a identidade da pessoa, etiquetada por sua preferência erótica. Não temos o hábito de nos referir à maioria dos indivíduos dizendo "fulado é heterossexual", mas sim, professor, industrial ...

Jornal do Comércio - Qual o seu real objetivo, expondo suas conclusões?

Jurandir Freire Costa - É o de combater o preconceito, a intolerância, pois, a partir dos estudos de casos, pude perceber que, quanto mais os indivíduos apresentam conflitos com suas inclinações homoeróticas, mais facilmente tendem a se expor ao risco de contágio pelo vírus da Aids. Mas não tenho a tola pretensão de mudar o preconceito simplesmente rediscutindo a questão homossexual. Usando o termo homoerotismo, procuro fazer ver que, ao trocarmos de vocabulário, trocamos as perguntas e, eventualmente, poderemos encontrar respostas [116] que não podem ser encontradas quando nos servimos da terminologia homossexual ou heterossexual.

Jornal do Comércio - O senhor acha que pode modificar algo na sociedade a partir de seus estudos?

Jurandir Freire Costa - É óbvio que não podemos modificar voluntariamente a realidade do mundo, ou o imaginário sexual de uma época, num laboratório de idéias. Como diz Richard Rorty, quando trocamos de vocabulário, trocamos de problemas e, com a troca, algumas coisas da realidade, que antes pareciam absolutamente importantes, passam a não ter mais importância.

[1] Entrevista concedida ao Jornal do Comércio, Pernambuco, 06 de outubro de 1992. Esse texto também pode ser encontrado no livro A Ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Entre colchetes, a referência do texto originalmente no livro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rogélio,
sou uma ex-interna da Comunidade Terapeutica enfance.
É nessas horas que penso, como faz falta uma Enfance e o Di Loretto.
Se o di Loretoo visse como está São Paulo hoje, o mínimo seria psicótica !!
Se tivesse detectado e colocado crianças psicóticas desse tipo na Enfance, talvez teríamos menos jovens desiqulibrados !