janeiro 08, 2011

Fora da lei, Rachid Bouchareb, 2010, por Bruno Cava

PICICA: "(...) se pode dizer que esse filme é pré-Gláuber, nada tendo aprendido com sua estética da fome."

Fora da lei, Rachid Bouchareb, 2010.


Crítica: Fora da lei (Hors-la-loi), Rachid Bouchareb, Argélia/França/Bélgica, 2010, 138 min., cor.

Fora da lei é mais um exemplo de história com potencial estragada numa direção ramerrame. Como se sabe, contar uma boa história não está na história em si, mas em como narrá-la. É no plano narrativo que ela se torna boa, pouco importando o assunto ou a temática.

O longa de 138 minutos abre em 1925, nas expropriações forçadas na Argélia colonial, e conclui em 1962, com a independência  do país ante o imperialismo francês. Nesse ínterim, correm duas referências paralelas. De um lado, o drama de uma família de argelinos expulsa de suas terras ancestrais e sistematicamente oprimida pela brutalidade da ocupação francesa. Do outro lado, acontecimentos-chave da resistência, coordenada pela Frente de Libertação Nacional (FLN), com seus atentados sangrentos em solo europeu. No formato da saga familiar, o melodrama é trançado com o substrato histórico. As trajetórias distintas de cada um dos três irmãos sintetizam a situação existencial do imigrante argelino da época: marginal, discriminado, humilhado.

A memória da esganiçada luta pela libertação de uma das mais brutais opressões coloniais é recheada de eventos luminosos e fagulhas revolucionárias. Mas nada disso aparece nesse filme. Rachid Bouchareb neutraliza a potência do material numa narrativa que põe a representação a serviço da "causa justa". Senta o espectador numa carteira escolar e lhe explica professoralmente os "fatos".

A narrativa procede por muitos closes, enquadramentos previsíveis e montagem burocrática. Tudo isso acentua o didatismo, o tom de lição de escola. Um filme sobre a resistência e não de resistência. A câmera decidida demais, o som fixado demais, uma representação bem-comportada, uma narrativa unidimensional, incapaz de constituir o corpo subdesenvolvido. Daí se pode dizer que esse filme é pré-Gláuber, nada tendo aprendido com sua estética da fome. Passa desapercebida a intensidade as lutas, nas suas faces de insurreição, crime e poder constituinte.

Veja-se a seqüência do justiçamento de um ladrão da favela, pela FLN. O diretor até tenta cercar o inominável do crime de lógica. No início da cena, pressente-se a mesma atmosfera de assassinato vergonhoso do justiçamento de O exército das sombras (Melville, 1969). Porém, diferentemente daquele filme, em que o coração do cineasta pulsava em cada plano, aqui Bouchareb se apressa em enquadrar rostos, interpor planos do choro da esposa e arrematar com o cliché do enjôo e vômito. Que dizer então da personagem da mãe? Sua performance caricatamente destemperada lembra o pior papel da vida de Fernanda Montenegro, em Amor em tempos de cólera (Mike Newell, 2007).

Fora da lei não faz um épico familiar e menos ainda um melodrama convincente. Coerência montada sobre chavões e sem qualquer esboço de delírio poético, o único rendimento só pode ser mesmo a pose de filme engajado. O espectador supostamente mais sensível ao social vai ao multiplex e se indigna, entre expressões doridas e óóóó eu não sabia. Tão cômodo quanto caridade de madame, num cinema dentro da lei que não pode explodir.

Por tudo isso, Fora da lei deve agradar muitos comentaristas de cinema, servir como pretexto para debates em universidades. Tem a pinta certa para o Oscar de melhor filme "estrangeiro".

Fonte: Quadrado dos Loucos

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