março 08, 2011

"A grande luta das mulheres", por Danilo Marques

PICICA: "Há mulheres que acreditam que pessoas se julgam no dever de tomar pra si os destinos da vida alheia, como se o feminismo fosse uma imposição, ou coisa da patrulha do politicamente correto. Não vejo a luta feminista como obrigação, como muitas anti-feministas dizem, mas sim uma importantíssima dialética. Se o movimento se impõe com falas de legitimidade é porque a aceitação é tão pouca que qualquer data comemorativa faz as pessoas acharem que é o suficiente. Quando ele se impõe com bravura logo se fala que são umas patrulheiras ou feminazis. Este é o Brasil de pessoas que não querem aceitar o óbvio, assim como dizem que não há racismo, não há machismo também. Logo, há o que se comemorar no dia 8 de março?"

A grande luta das mulheres

No meu caminhar venho sempre percebendo as fragilidades do que é uma verdade. É meu papel tentar desmontar, destroçar ao menos as verdades incômodas, daquelas que não contribuem em nada, pois que são, em verdade, maus hábitos ou apenas comportamentos inaceitáveis que são seguidos por costume ou vícios sociais. Sobre o machismo, já denunciei aqui que se trata apenas do momento em que o homem fraqueja. Mas ele também é uma cultura sempre perpetuada em pequenos acontecimentos, como um dogma, imposto em quase todos os cenários. Em todo material publicitário percebemos o machismo estampado, como uma única voz imperando sobre qualquer outra perspectiva. Em que outro momento você vai ver uma mulher escultural disputando um baixinho? O ego masculino aparece nessa vontade de  se ter um hárem, ao mesmo tempo em que suprimi a dignidade feminina, pois a relação de consumo que é estampada em cada propaganda de cerveja é que também podemos consumir mulheres. Em geral, qualquer peça publicitária em geral vai explorar apenas um tipo de mulher fútil, materialista e consumista.

Sobre estética, que as mulheres sempre reclamam da artificialidade das capas de revistas, acredito que este culto imbecil ao belo não se restringe ao masculino, pois ambos os sexos são capazes de idolatrar um desconhecido que vende sua imagem a ponto de berrar, babar ou até mesmo comprar parte do que aquilo representa, sem nenhuma criticidade. Apesar de também haver resposta feminina para este mesmo culto, aí também reside o machismo e faz parte de uma das fábulas do macho moderno, pois muitos acreditam poder obter a princesa encantada, mulher bonita, inteligente, sensual e devota de seu amor, perfeita como sua mamãezinha. Desta perspectiva percebemos um macho fraco, dependente de carinho a atenção. Aí vem um grande problema que é a ideia de posse. É aí que o machismo aflora como uma arma. É aí que o machismo mata.

Segundo estudo da Fundação Perseu Abramo, uma mulher é vítima de violência no Brasil a cada 24 segundos. Em 80% dos casos, os agressores são maridos e namorados. A agressão além psicológica é física e pode chegar ao assassinato ou feminicídio. O neologismo anterior é um exagero? Em nosso país dez mulheres são mortas todo o dia por conta dessa ideia de que a vontade masculina deve prevalecer. Mas, como bem disse Marjorie Rodrigues em um texto irretocável, Dispenso esta rosa:
Este tipo de crime também aparece com frequência na mídia. No entanto, são tratados como crimes “passionais” – o que dá a errônea impressão de que homens e mulheres os cometem com a mesma frequência, já que a paixão é algo que acomete ambos os sexos. Tratam os homens autores destes crimes como “românticos” exagerados, príncipes encantados que foram longe demais. No entanto, são as mulheres as neuróticas nos filmes e novelas. São elas que “amam demais”, não os homens.
A mídia desinforma tanto ao bater de forma errada nestas questões que o pior de tudo é se colocar com argumentos feministas, mesmo sendo homem, e ver mulheres dizendo que o Brasil não é patriarcalista e que nossa sociedade não é maschista. O feminismo é sim legítimo e está longe de estar apenas para a homossexualidade feminina. Hoje ele é um discuso intelectual, filosófico, estético e político. E está muito além das universidades, mas nas ruas, na prática do cotidiano, em favor das minorias em um mundo patriarcal. É estranho perceber uma certa ressalva de algumas mulheres para um movimento que busca sua emancipação, mas a culpa certamente não é delas, pois elas foram cultivadas em uma coleira com os dizeres eternas Amélias. Libertem-se!

Há mulheres que acreditam que pessoas se julgam no dever de tomar pra si os destinos da vida alheia, como se o feminismo fosse uma imposição, ou coisa da patrulha do politicamente correto. Não vejo a luta feminista como obrigação, como muitas anti-feministas dizem, mas sim uma importantíssima dialética. Se o movimento se impõe com falas de legitimidade é porque a aceitação é tão pouca que qualquer data comemorativa faz as pessoas acharem que é o suficiente. Quando ele se impõe com bravura logo se fala que são umas patrulheiras ou feminazis. Este é o Brasil de pessoas que não querem aceitar o óbvio, assim como dizem que não há racismo, não há machismo também. Logo, há o que se comemorar no dia 8 de março? 
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Claro que sim, pois as origens desse dia remetem a força interior que há em cada mulher. Há a história sobre as 129 mulheres nova-iorquinas que foram incendiadas após uma greve reinvindicando melhores condições de trabalho e salário em uma fábrica têxtil (Ainda hoje as mulheres sofrem com discriminação no mercado de trabalho, chegando a receber 76% do salário que um homem executa da mesmíssima forma). Mas há também a história de uma outra origem, em que a luta de milhões de mulheres russas em uma greve operária em 1917 que, sem o prever, foi o estopim da grande Revolução Russa. Logo em seguida, em 1919, foi declarado este dia como o dia mundial da luta das mulheres. Porém, esta origem do dia não agradava a social-democratas, burgueses e anticomunistas em geral. Era preciso criar outra história. Em uma são mártires, em outra protagonistas.
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De toda forma, o dia 8 de março é um dia de reflexão e luta: Vida longa ao espírito libertário feminino e sua busca por igualdade e dignidade. Que um dia possamos respirar ares de um mundo pós-femininista, sem violência doméstica, sem violência sexua. Que a mulher possa escolher seu destino, sobre seu corpo, sobre sua vida, sem estar presa há lógica injusta dum contrato unilateral. Que o mundo possa ser partilhado por homens e mulheres, sem exploração de um pelo outro, e que juntos possam somar mais força para lutar contra a tirania e a exploração capitalista. Sim, afinal, repito, antes de  tudo este é um dia de lutas!

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