PICICA: "E assim são produzidas as nossas conhecidas manchetes dos cadernos chamados de “economia”, “dinheiro”, “mercado”, etc. Sempre na linha do tipo: “mercado pressiona por alta de juros no mercado futuro” ou “expectativas do mercado antecipam alta de juros na reunião do COPOM”. Ou seja, o velho e conhecido discurso do “infelizmente, é duro reconhecer as conseqüências da medida, mas ao governo não resta outra opção” e o mesmo blá-blá-blá de sempre."
DEBATE ABERTO
"Quosque tandem abutere patientia nostra?"
Na seqüência de semanas em que se assistiu a um conjunto de declarações de agentes do mercado financeiro e de integrantes da equipe econômica, o COPOM terminou por decidir por aumentar ainda mais a taxa de juros referencial de nossa economia, a SELIC. Dessa vez, ela saltou de 11,25% ao ano para o patamar de 11,75%.
Paulo Kliass
Mais uma vez, o enredo seguiu o desenvolvimento previsto pela turminha da ortodoxia e do conservadorismo. E governo acabou optando, de novo, pouco após completar dois meses da posse da Presidenta Dilma, por decisões de política econômica que se alinham completamente com os desígnios dos defensores dos interesses do capital financeiro. Triste sina, mas eles acabaram conseguindo botar o bloco na rua com muito alarde, espalhando muito terror e chantagem, ao invés de lançar apenas os inofensivos pacotes de confete e purpurina.
A estratégia dos caras foi concluída com muito sucesso e competência, é forçoso reconhecer. Até mesmo os colunistas e comentaristas econômicos que não ainda engoliram as mudanças observadas ao longo dos últimos anos na ocupação dos postos chaves de Brasília se renderam àquilo que vem sendo vendido como uma das grandes virtudes desse governo.
Prepararam bem o terreno, se esmeraram nos muitos ensaios antes de se lançarem na avenida, quase não desafinaram durante o desfile. E não se cansaram de louvar aquilo que consideram as grandes qualidades de Dilma. A saber: a tal da objetividade, do rigor e da seriedade com que a nova ocupante do Palácio do Planalto vem tratando as questões da economia, do ponto de vista das políticas públicas. Bem que todo esse cenário poderia tratar-se tão somente de uma farsa burlesca, com dia e hora para terminar. Nada mais do que apenas um curto pesadelo de uma noite de verão, que se esvairia na ressaca de uma manhã mal dormida na sarjeta... Mas não! Pelo contrário, transformou-se em decisão do Estado brasileiro.
Estamos passando exatamente pela semana que antecede a grande festa nacional, o Carnaval. Período em que, de norte a sul do País, o povo acaba por tentar esquecer o sufoco das dificuldades do dia-a-dia e busca afogar as mágoas de todos os tipos, mergulhando de cabeça na folia. Com toda a certeza, a maioria de nossa população mereceria uma outra notícia nesse início de noite da quarta-feira, dia 2 de março de 2011. Apenas três dias antes do sábado de aleluia, alguns poucos dias antes da importante comemoração do Dia Internacional da Mulher, na terça-feira, dia 8 de março. Mas o fato é que esse período tradicionalmente é utilizado para o anúncio de decisões amargas dessa natureza, contando com a incapacidade de mobilização popular.
Na seqüência de semanas em que se assistiu a um conjunto infindável de declarações de agentes do mercado financeiro, analistas de economia comprometidos com os interesses do “establishment” e de integrantes da equipe econômica de Brasília, o COPOM terminou por decidir por aumentar ainda mais a taxa de juros referencial de nossa economia, a SELIC. Dessa vez, ela saltou de 11,25% ao ano para o patamar de 11,75%. Uma irresponsabilidade! E tudo isso em nome da suposta independência do BC!
É importante registrar aqui, mais uma vez, que as apostas feitas nas diversas modalidades de “produtos” existentes no mercado financeiro apontavam para uma pressão rumo a níveis superiores a 12% ao ano. Ou seja, os mesmos indivíduos, empresas e instituições que são ouvidos pela famosa pesquisa SENSUS - patrocinada pelo próprio Banco Central - para opinar a respeito de seu “feeling” para o futuro da taxa SELIC, pois são eles os mesmos que promovem uma verdadeira chantagem, ao alavancar o mercado futuro com tendências aterrorisantes. E assim são produzidas as nossas conhecidas manchetes dos cadernos chamados de “economia”, “dinheiro”, “mercado”, etc. Sempre na linha do tipo: “mercado pressiona por alta de juros no mercado futuro” ou “expectativas do mercado antecipam alta de juros na reunião do COPOM”. Ou seja, o velho e conhecido discurso do “infelizmente, é duro reconhecer as conseqüências da medida, mas ao governo não resta outra opção” e o mesmo blá-blá-blá de sempre.
A novidade do momento foi a sutil tentativa de cravar uma cunha entre os governos de Lula e de sua sucessora. Malandramente começa a ser plantado o discurso de que o culpado por esse aperto monetário de agora teriam sido a ”farra e a gastança” promovidas por Lula ao longo de 2010!! Ou seja, Dilma estaria tendo de pagar a conta de uma política fiscal - dita “irresponsável” - desenvolvida por seu antecessor... Uma loucura!! Na verdade, trata-se de uma forma inteligentemente sacana de buscar desqualificar justamente uma saída encontrada entre 2009 e 2010 para evitar que os efeitos da crise economia e financeira internacional atingissem com conseqüências ainda mais graves o nosso País. É claro que pode ter ocorrido um ou outro equívoco, abuso ou exagero nos gastos efetuados no período referido. Mas, em termos gerais, não foi, de forma alguma, uma política irresponsável de gastos públicos. Pelo contrário, foi uma a colocação em marcha de uma opção deliberada de promover o crescimento da economia por meio da ação do Estado, realizando investimentos que o setor privado não queria ou não podia realizar. Uma política de sustentação dos níveis da demanda interna por meio de valorização do salário mínimo, Bolsa Família e aposentadorias do INSS, entre outras.
Na verdade, assiste-se agora a uma tentativa de recuperação do espaço perdido no debate teórico e de propostas por parte dos responsáveis pelo conservadorismo na política econômica aqui e no resto do mundo. Os neoliberais, que viram seu castelo ruir como construção de farinha logo depois da crise de 2008, tentam de todo modo voltar à cena, desqualificando as propostas desenvolvimentistas e keynesianas. E o problema é que os que deveriam atuar como os defensores no governo do Partido dos Trabalhadores dessas propostas alternativas aqui nas terras tupiniquins, parecem querer render-se outra vez à hegemonia do capital financeiro. Seja pela passividade na ação e no discurso, seja realmente pela mudança de postura e por voltar a abraçar o discurso conservador. E, pouco apouco, reaparecem os argumentos do passado, baseados no chamado “TINA”, do acrônimo em inglês para “there is no alternative” - ou seja, não há alternativa.
Mas a nossa sorte é que a realidade é a oposta. Sim, existem alternativas! Muitos economistas já escrevemos sobre isso! (1) A elevação continuada e exagerada da taxa de juros não é a única, e muito menos a melhor, solução para resolver o problema atual da economia brasileira. O argumento catastrofista, quase sempre, lança mão dos riscos da volta da inflação para níveis descontrolados. E de fato não interessa a quase ninguém, e muito menos aos trabalhadores e aos setores mais desprotegidos da nossa sociedade, o retorno a ambientes inflacionários como os que o Brasil viveu antes do Plano Real. Mas uma coisa é ter a preocupação em não permitir o crescimento exagerado dos preços. E outra, totalmente diferente, é utilizar de forma cega e pouco inteligente a elevação da taxa de juros do governo para esse intento. Entre outras razões, pelo fato de que o Brasil já pratica há vários anos a taxa mais alta do mundo. E aumentos sobre os níveis já elevados têm efeitos catastróficos para o conjunto da sociedade. Com exceção nada honrosa, é claro, daqueles que vivem no mundo fantasioso da renda financeira
A suposta intenção, do ponto de vista teórico, para o aumento da SELIC é reduzir a demanda interna. Ou seja, os indivíduos e as empresas – os chamados agentes econômicos – tenderiam a ser mais atraídos para poupar seus recursos face à remuneração oferecida pelo setor financeiro e direcionar menos recursos para o consumo. Em síntese, haveria uma tendência a reduzir os níveis de pressão da demanda sobre a oferta existente. E com isso, ficariam atenuadas as pressões inflacionárias derivadas desse descompasso entre uma demanda crescente e uma incapacidade da oferta de se recompor no curto prazo.
Mas o nosso mundo real é muito mais complexo do que tais modelos teóricos podem supor. A taxa de juros campeã provoca um afluxo de recursos externos em níveis elevados, que pressionam nossa taxa de câmbio para a sobrevalorização em relação às demais moedas do mundo. Com isso, torna-se periclitante a situação de nossas contas externas. As importações ficam artificialmente baratas. As nossas exportações ficam menos competitivas, especialmente as de produtos industrializados. Com isso, a Balança Comercial fica deficitária. Já o Balanço de Pagamentos, começa a apresentar também sinais de preocupação, com o aumento exponencial dos envios ao exterior, sob a forma de remessas de juros e lucros. Por outro lado, a taxa de juros elevada inibe os investimentos produtivos, no setor real da economia. E isso dificulta justamente a tentativa de recomposição da oferta agregada em níveis mais elevados.
E, talvez um dos aspectos mais negativos, aumenta de forma significativa a despesa orçamentária com o pagamento de juros da dívida pública.
Atualmente ela está avaliada em um estoque em torno de R$ 1,5 trilhão e o aumento da SELIC reduz ainda mais o espaço para os gastos não financeiros, e que são os mais importantes. Com esse aumento para 11,75%, o gasto anual do governo federal com o serviço da dívida será superior a R$ 180 bilhões! Mas ninguém ouviu o menor comentário ou reclamação a respeito de contenção na verba destinada ao pagamento de juros, ao passo que quase todo ministério já sente na carne os efeitos do corte anunciado de R$ 50 bilhões. Corta-se no que é considerado “superficial” como salários de funcionários, verbas ministeriais para manutenção, despesas correntes de custeio em ministérios da área social e outros gastos considerados sem importância...
Dois aumentos sucessivos na SELIC durante as duas primeiras reuniões do COPOM. Inflexibilidade no debate e na votação recente do valor do salário mínimo. Anúncio do pacote de cortes de R$ 50 bi apenas para conferir aparência de seriedade e austeridade perante a turma das finanças. Nomeação do ex-presidente do Bank of Boston e do Banco Central, Henrique Meirelles, para o cargo de Autoridade Olímpica. Pouco a pouco, parece que a Presidenta começa a deixar clara sua opção por quais setores pretende dedicar a prioridade de atenção de seu governo.
Ao que tudo indica, os setores populares começam a ficar um pouco impacientes. No Brasil, a nossa conhecida cordialidade costuma oferecer prazos aos governos recém empossados. Alguns falam nos “primeiros noventa dias” para apresentar os primeiros resultados e sofrer as cobranças. Lula chegou a fazer a analogia com a gestação da mulher, que demora 9 meses para dar a luz ao bebê, na tentativa de segurar as queixas no começo de 2003...
De toda a forma, sente-se uma espécie de inquietação no ar. O tempo começa a passar e as medidas prometidas e esperadas não aparecem na agenda do governo. Como dizia Cícero em seu discurso no Senado romano, até quando vão abusar de nossa paciência?
NOTA
(1)Leia também:
O depósito compulsório e a taxa de juros
Em contextos de lenta recuperação da economia mundial e elevação dos preços das commodities, o que fazer?
A estratégia dos caras foi concluída com muito sucesso e competência, é forçoso reconhecer. Até mesmo os colunistas e comentaristas econômicos que não ainda engoliram as mudanças observadas ao longo dos últimos anos na ocupação dos postos chaves de Brasília se renderam àquilo que vem sendo vendido como uma das grandes virtudes desse governo.
Prepararam bem o terreno, se esmeraram nos muitos ensaios antes de se lançarem na avenida, quase não desafinaram durante o desfile. E não se cansaram de louvar aquilo que consideram as grandes qualidades de Dilma. A saber: a tal da objetividade, do rigor e da seriedade com que a nova ocupante do Palácio do Planalto vem tratando as questões da economia, do ponto de vista das políticas públicas. Bem que todo esse cenário poderia tratar-se tão somente de uma farsa burlesca, com dia e hora para terminar. Nada mais do que apenas um curto pesadelo de uma noite de verão, que se esvairia na ressaca de uma manhã mal dormida na sarjeta... Mas não! Pelo contrário, transformou-se em decisão do Estado brasileiro.
Estamos passando exatamente pela semana que antecede a grande festa nacional, o Carnaval. Período em que, de norte a sul do País, o povo acaba por tentar esquecer o sufoco das dificuldades do dia-a-dia e busca afogar as mágoas de todos os tipos, mergulhando de cabeça na folia. Com toda a certeza, a maioria de nossa população mereceria uma outra notícia nesse início de noite da quarta-feira, dia 2 de março de 2011. Apenas três dias antes do sábado de aleluia, alguns poucos dias antes da importante comemoração do Dia Internacional da Mulher, na terça-feira, dia 8 de março. Mas o fato é que esse período tradicionalmente é utilizado para o anúncio de decisões amargas dessa natureza, contando com a incapacidade de mobilização popular.
Na seqüência de semanas em que se assistiu a um conjunto infindável de declarações de agentes do mercado financeiro, analistas de economia comprometidos com os interesses do “establishment” e de integrantes da equipe econômica de Brasília, o COPOM terminou por decidir por aumentar ainda mais a taxa de juros referencial de nossa economia, a SELIC. Dessa vez, ela saltou de 11,25% ao ano para o patamar de 11,75%. Uma irresponsabilidade! E tudo isso em nome da suposta independência do BC!
É importante registrar aqui, mais uma vez, que as apostas feitas nas diversas modalidades de “produtos” existentes no mercado financeiro apontavam para uma pressão rumo a níveis superiores a 12% ao ano. Ou seja, os mesmos indivíduos, empresas e instituições que são ouvidos pela famosa pesquisa SENSUS - patrocinada pelo próprio Banco Central - para opinar a respeito de seu “feeling” para o futuro da taxa SELIC, pois são eles os mesmos que promovem uma verdadeira chantagem, ao alavancar o mercado futuro com tendências aterrorisantes. E assim são produzidas as nossas conhecidas manchetes dos cadernos chamados de “economia”, “dinheiro”, “mercado”, etc. Sempre na linha do tipo: “mercado pressiona por alta de juros no mercado futuro” ou “expectativas do mercado antecipam alta de juros na reunião do COPOM”. Ou seja, o velho e conhecido discurso do “infelizmente, é duro reconhecer as conseqüências da medida, mas ao governo não resta outra opção” e o mesmo blá-blá-blá de sempre.
A novidade do momento foi a sutil tentativa de cravar uma cunha entre os governos de Lula e de sua sucessora. Malandramente começa a ser plantado o discurso de que o culpado por esse aperto monetário de agora teriam sido a ”farra e a gastança” promovidas por Lula ao longo de 2010!! Ou seja, Dilma estaria tendo de pagar a conta de uma política fiscal - dita “irresponsável” - desenvolvida por seu antecessor... Uma loucura!! Na verdade, trata-se de uma forma inteligentemente sacana de buscar desqualificar justamente uma saída encontrada entre 2009 e 2010 para evitar que os efeitos da crise economia e financeira internacional atingissem com conseqüências ainda mais graves o nosso País. É claro que pode ter ocorrido um ou outro equívoco, abuso ou exagero nos gastos efetuados no período referido. Mas, em termos gerais, não foi, de forma alguma, uma política irresponsável de gastos públicos. Pelo contrário, foi uma a colocação em marcha de uma opção deliberada de promover o crescimento da economia por meio da ação do Estado, realizando investimentos que o setor privado não queria ou não podia realizar. Uma política de sustentação dos níveis da demanda interna por meio de valorização do salário mínimo, Bolsa Família e aposentadorias do INSS, entre outras.
Na verdade, assiste-se agora a uma tentativa de recuperação do espaço perdido no debate teórico e de propostas por parte dos responsáveis pelo conservadorismo na política econômica aqui e no resto do mundo. Os neoliberais, que viram seu castelo ruir como construção de farinha logo depois da crise de 2008, tentam de todo modo voltar à cena, desqualificando as propostas desenvolvimentistas e keynesianas. E o problema é que os que deveriam atuar como os defensores no governo do Partido dos Trabalhadores dessas propostas alternativas aqui nas terras tupiniquins, parecem querer render-se outra vez à hegemonia do capital financeiro. Seja pela passividade na ação e no discurso, seja realmente pela mudança de postura e por voltar a abraçar o discurso conservador. E, pouco apouco, reaparecem os argumentos do passado, baseados no chamado “TINA”, do acrônimo em inglês para “there is no alternative” - ou seja, não há alternativa.
Mas a nossa sorte é que a realidade é a oposta. Sim, existem alternativas! Muitos economistas já escrevemos sobre isso! (1) A elevação continuada e exagerada da taxa de juros não é a única, e muito menos a melhor, solução para resolver o problema atual da economia brasileira. O argumento catastrofista, quase sempre, lança mão dos riscos da volta da inflação para níveis descontrolados. E de fato não interessa a quase ninguém, e muito menos aos trabalhadores e aos setores mais desprotegidos da nossa sociedade, o retorno a ambientes inflacionários como os que o Brasil viveu antes do Plano Real. Mas uma coisa é ter a preocupação em não permitir o crescimento exagerado dos preços. E outra, totalmente diferente, é utilizar de forma cega e pouco inteligente a elevação da taxa de juros do governo para esse intento. Entre outras razões, pelo fato de que o Brasil já pratica há vários anos a taxa mais alta do mundo. E aumentos sobre os níveis já elevados têm efeitos catastróficos para o conjunto da sociedade. Com exceção nada honrosa, é claro, daqueles que vivem no mundo fantasioso da renda financeira
A suposta intenção, do ponto de vista teórico, para o aumento da SELIC é reduzir a demanda interna. Ou seja, os indivíduos e as empresas – os chamados agentes econômicos – tenderiam a ser mais atraídos para poupar seus recursos face à remuneração oferecida pelo setor financeiro e direcionar menos recursos para o consumo. Em síntese, haveria uma tendência a reduzir os níveis de pressão da demanda sobre a oferta existente. E com isso, ficariam atenuadas as pressões inflacionárias derivadas desse descompasso entre uma demanda crescente e uma incapacidade da oferta de se recompor no curto prazo.
Mas o nosso mundo real é muito mais complexo do que tais modelos teóricos podem supor. A taxa de juros campeã provoca um afluxo de recursos externos em níveis elevados, que pressionam nossa taxa de câmbio para a sobrevalorização em relação às demais moedas do mundo. Com isso, torna-se periclitante a situação de nossas contas externas. As importações ficam artificialmente baratas. As nossas exportações ficam menos competitivas, especialmente as de produtos industrializados. Com isso, a Balança Comercial fica deficitária. Já o Balanço de Pagamentos, começa a apresentar também sinais de preocupação, com o aumento exponencial dos envios ao exterior, sob a forma de remessas de juros e lucros. Por outro lado, a taxa de juros elevada inibe os investimentos produtivos, no setor real da economia. E isso dificulta justamente a tentativa de recomposição da oferta agregada em níveis mais elevados.
E, talvez um dos aspectos mais negativos, aumenta de forma significativa a despesa orçamentária com o pagamento de juros da dívida pública.
Atualmente ela está avaliada em um estoque em torno de R$ 1,5 trilhão e o aumento da SELIC reduz ainda mais o espaço para os gastos não financeiros, e que são os mais importantes. Com esse aumento para 11,75%, o gasto anual do governo federal com o serviço da dívida será superior a R$ 180 bilhões! Mas ninguém ouviu o menor comentário ou reclamação a respeito de contenção na verba destinada ao pagamento de juros, ao passo que quase todo ministério já sente na carne os efeitos do corte anunciado de R$ 50 bilhões. Corta-se no que é considerado “superficial” como salários de funcionários, verbas ministeriais para manutenção, despesas correntes de custeio em ministérios da área social e outros gastos considerados sem importância...
Dois aumentos sucessivos na SELIC durante as duas primeiras reuniões do COPOM. Inflexibilidade no debate e na votação recente do valor do salário mínimo. Anúncio do pacote de cortes de R$ 50 bi apenas para conferir aparência de seriedade e austeridade perante a turma das finanças. Nomeação do ex-presidente do Bank of Boston e do Banco Central, Henrique Meirelles, para o cargo de Autoridade Olímpica. Pouco a pouco, parece que a Presidenta começa a deixar clara sua opção por quais setores pretende dedicar a prioridade de atenção de seu governo.
Ao que tudo indica, os setores populares começam a ficar um pouco impacientes. No Brasil, a nossa conhecida cordialidade costuma oferecer prazos aos governos recém empossados. Alguns falam nos “primeiros noventa dias” para apresentar os primeiros resultados e sofrer as cobranças. Lula chegou a fazer a analogia com a gestação da mulher, que demora 9 meses para dar a luz ao bebê, na tentativa de segurar as queixas no começo de 2003...
De toda a forma, sente-se uma espécie de inquietação no ar. O tempo começa a passar e as medidas prometidas e esperadas não aparecem na agenda do governo. Como dizia Cícero em seu discurso no Senado romano, até quando vão abusar de nossa paciência?
NOTA
(1)Leia também:
O depósito compulsório e a taxa de juros
Em contextos de lenta recuperação da economia mundial e elevação dos preços das commodities, o que fazer?
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: CartaMaior
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