PICICA: "Ele é refinado, viajado, escolado, doutor em Ciência
Política, ex-professor da USP e da UFRJ, ocupou o cargo de
secretário-geral do PT e foi até ministro da Cultura do governo FHC. Já
escreveu vários livros. Acaba de publicar o último - "Espada, Cobiça e Fé - As Origens do Brasil", que tem a pretensão de desenhar um retrato do nosso país." EM TEMPO: Como diria aquele prefeito, dublê de sociólogo: "Tá explicado", Weffort não foi parar à toa no ninho dos tucanos. Com simplicidade franciscana - com perdão do trocadilho -, ele explica, em seu último livro, a importância dos bandeirantes para a emergência do Brasil como nação. Para ele é preciso entender a brutalidade da conquista do território. Resumindo: fodam-se os indígenas. Sim, para Weffort, as origens do Brasil deu-se sob o signo do genocídio, uma espécie de mal necessário; o que se há de fazer? Égua! É de fazer corar a sociologia brasileira.
Na fotografia, Francisco Weffort, à direita de Márcio Souza, no Flifloresta, Manaus, nov/2008
WEFFORT, O EXPLICADOR DO BRASIL
José Ribamar Bessa Freire
06/01/2013 - Diário do Amazonas
Quem
lê suas declarações, sem saber quem é o autor, pode até pensar que ele é
um pistoleiro sanguinário, um ruralista insensível e truculento, talvez
um coronel de barranco ou um ignorantão desinformado, bronco e
obtuso.Ledo engano! Ele é refinado, viajado, escolado, doutor em Ciência
Política, ex-professor da USP e da UFRJ, ocupou o cargo de
secretário-geral do PT e foi até ministro da Cultura do governo FHC. Já
escreveu vários livros. Acaba de publicar o último - "Espada, Cobiça e Fé - As Origens do Brasil", que tem a pretensão de desenhar um retrato do nosso país.
Por
isso, com um currículo como esse, por se tratar de um autodeclarado
explicador do Brasil, são ainda mais chocantes as declarações de
Francisco Weffort à Folha de São Paulo, numa entrevista ao jornalista
Cassiano Elek Machado, publicada no último dia 24 de dezembro. Indagado
sobre o papel dos bandeirantes na história do Brasil, Weffort respondeu
com a "objetividade" e a "neutralidade" do cientista:
- Comecei
a fazer o livro preocupado com este tema. Sei que os bandeirantes foram
brutais e violentos, mas conquistaram esta terra. Todos temos uma
dívida com eles. Então é preciso entendê-los.
Ou seja, Weffort não é ignorante, ele confessa que sabe muito bem que as bandeiras eram expedições armadas que invadiam aldeias e queimavam malocas para aprisionar índios e vendê-los como escravos. Sabe que os bandeirantes
formavam uma espécie de Esquadrão da Morte Rural. Conhece o testemunho
de um dos integrantes da expedição chefiada por Raposo Tavares, em
meados do séc. XVII, ao rio Madeira, onde viviam cerca de 150.000
índios. O bandeirante revelou ao padre Antônio Vieira seu modus operandi:
“Nós
damos uma descarga cerrada de tiros: muitos caem mortos, outros fogem.
Invadimos, então, a aldeia. Agarramos tudo o que necessitamos e levamos
para as nossas canoas. Se as canoas deles forem melhores que as nossas,
nós nos apropriamos delas, para continuar a viagem”.
Francisco
Weffort sabe tudo isso porque depois que deixou o cargo de ministro da
Cultura mergulhou nos arquivos e pesquisou a documentação do período
colonial para esboçar um perfil do Brasil, pretensiosamente "na mesma linha de pensadores como Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Gilberto Freyre (1900-1987)", segundo a Folha, que informa na abertura da entrevista: "Francisco Weffort passou os últimos anos vivendo no século 16".
Portanto,
nesse tempo todo em que morou no período colonial - e pelo visto
permaneceu por lá - o ministro foi vizinho de jesuítas como Jerônimo
Rodrigues, que depois de presenciar o assassinato de índios velhos,
enfermos e crianças, chamou os bandeirantes de bandidos:
“Nenhuma
pessoa, que não tenha visto com os seus próprios olhos tais horrores
abomináveis, pode imaginar coisa igual. A vida inteira desses bandidos
consiste em ir e vir do sertão, indo e trazendo cativos com muita
crueldade, mortes, saqueios e depois vendendo-os como se fossem porcos
do mato”.
-
Será que tais horrores podem ser compensados pela consideração
controvertida que, graças aos bandeirantes, as terras devastadas
pertencem hoje ao Brasil?
Quem
fez essa pergunta, com muita propriedade e senso crítico, foi o
historiador Capistrano de Abreu (1853-1927). Francisco Weffort,
ex-ministro da Cultura e atual explicador do Brasil, mesmo sabendo o que
sabe, se apressa em respondê-la afirmativamente, elogiando a "coragem
espantosa" dos bandeirantes. Quanto à matança generalizada de índios,
Weffort justifica, argumentando que os bandeirantes faziam "parte de uma
cultura na qual a violência na vida cotidiana e o saqueio na guerra
eram recursos habituais".
Na
opinião de Weffort é preciso "entender" os bandeirantes para, dessa
forma, podermos pagar a dívida que temos com eles. Ou seja, "entender"
não apenas no sentido de compreender os mecanismos que permitiram a
existência deles, mas no sentido de que devemos julgá-los historicamente
com condescendência. Eles foram efetivamente bandidos, mas não podem
ser condenados pelo tribunal da História porque, afinal, "conquistaram
esta terra", e eu, tu, nós, "todos temos uma dívida com eles".
Cabe
a pergunta: nós quem, cara pálida? Me inclui fora dessa. Qual a dívida
que os índios têm com os bandeirantes? Não seria o contrário?
Para
Weffort, hoje com 75 anos, os bandeirantes são os “desbravadores do
território nacional” e “heróis da pátria”. Da mesma forma que ele nos
convida a "entender" os bandeirantes, nós convidamos o leitor a
"entender" Weffort, que frequentou museus e estudou numa escola
ufanista, cujas narrativas aboliram os índios da formação do Brasil,
considerando-os minorias inexpressivas.
Imagine Weffortzinho, quando criança, visitando o Museu Paulista erguido
lá, nas margens plácidas do Ipiranga. Ele contempla aquelas esculturas
gigantescas de mármore dos bandeirantes, apresentados como heróis
nacionais: Raposo Tavares, Fernão Dias e todo o Esquadrão da Morte. No
interior, vitrines mostram dezenas de estojos contendo cachinhos e
mechas de cabelos de senhoras da Casa Grande, mas não tem nada da
senzala, nem sequer um pentelho de um índio ou de um negro. Apagaram o
índio na cabeça do Weffortzinho e o Weffortzão aceitou o apagamento sem
discussão.
Essa
foi a fonte onde bebeu Weffort, o explicador do Brasil. Se ele tivesse
recebido um milhão de dólares para escrever essa besteira, a gente podia
até discordar dele, mas era possível "entendê-lo", assim como ele
"entendeu" os bandeirantes. Haveria uma motivação econômica. Mas com a
modesta bolsa que recebeu da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo às
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro para escrever esse livro, fica
difícil aceitar que ele invada corações e mentes, expandindo
preconceitos tão surrados, que já foram desmontados pela historiografia
brasileira.
Por
que não fazer um esforço, uma vez por todas, para "entender" também a
"coragem espantosa" dos índios e o papel deles na História do Brasil? O
americanista espanhol Jimenez de la Espada, que foi diretor do Archivo
General de Indias, en Sevilla, com ironia e propriedade criticou os
brasileiros, por haverem aceitado, passivamente, sem questionamento, a
versão que os portugueses deram da história colonial:
"Los
portugueses han tenido la doble fortuna de no tener un padre Las Casas y
de que los brasileiros hayan hechos suyos, sin discutirlos, los hechos
de aquellos hombres que a todo costo les dieron la opulenta y anchisima
pátria".
É isso. Com um explicador do Brasil como esse, não vamos muito longe.
Fonte: TAQUIPRATI
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