julho 04, 2009

Esquizofrenia: o tema do momento


A Rede Globo abriu espaço na novela das oito para a questão da esquizofrenia. Confira a entrevista do ator que interpreta um esquizofrênico.

Veja, também, a entrevista que trata do tema esquizofrenia.
Vou fazer uma palestra sobre Reforma Psiquiátrica e Lógica Antimanicomial na Escola Superior de Ciências da Saúde da Universidade do Estado do Amazonas. Na volta comento esse evento da TV brasileira.

Só hoje pela manhã (05.julho), retorno ao tema depois de uma agrádável acolhida pelos organizadores do Grupo de Estudos Avançados de Psiquiatria da UEA. Sobre esse encontro comentarei oportunamente. Voltando à vaca fria.

Seguinte: O grande desafio para a autora de Caminho das Índias, ao tratar da questão da esquizofrenia no horário nobre da TV brasileira, era fugir dos estereótipos mais banais e não se deixar afetar pela mexicanização das novelas brasileiras, especialmente depois que esse padrão foi rompido pela dramaturgia recordista, que oscila entre a exploração da ascensão da violência no país à mais desbragada ficção científica made in Brazil. A exceção fica por conta do camelô-mor do Brasil que obteve concessão pública para explorar e vender esperança e romances na programação da sua emissora de televisão. Confesso que cheguei a pensar que o primeiro surto psicótico do jovem ator Bruno Gagliasso (pronuncia-se galiasso) fosse tratado a camisa-de-força, recurso dramático obrigatório no rol da dramaturgia popularesca. Apesar das limitações impostas pelo padrão global, a autora consegue dar ares mais modernos ao personagem, mas curva-se às imposições da Vênus Platinada em não fazer referência aos serviços substitutivos vigentes no país conhecidos pelo acrônimo CAPS – Centro de Atenção Psicossocial. Sabe-se, vagamente, que a ambientação onde circulam os personagens que enlouqueceram (vale lembrar que a palavra louco, de aplicação polissêmica no cotidiano dos humanos, vem sofrendo restrições entre usuários letrados e iletrados, sobretudo pelo caráter estigmatizante de uma das suas acepções) foi inspirada em serviços assemelhados ao CAPS. Ora, assemelhado não quer dizer igual. Se os personagens ganham em humanidade, o telespectador é vagamente informado de que em algum lugar do campo da saúde mental brasileira há vida inteligente, que pôs fim ao horror dos manicômios. Para a Rede Globo não interessa reconhecer os acertos do Sistema Único de Saúde. Daí a indefinição sobre a clínica do Dr. Castanho. Parece um CAPS, mas não é. Clínica privada também não é, do contrário personagens vindos das classes populares não teriam acesso ao equipamento. Então é conveniada? Em se tratando da dramaturgia global, tudo é possível, pois como dizia o imortal Tim Maia: “Tudo é tudo; nada é nada”. Quem sabe não seria um desses híbridos criados na administração do tucanato paulista que entregou na mão de algumas OSCIP / OS a implantação de serviços que, a rigor, são de responsabilidade do poder público. Como se sabe tucanos adoram uma privatizaçãozinha. Paremos por aqui, voltemos ao mundo real, o da entrevista em tela. Nela a mesma interdição do mundo ficcional. Não se fala do modelo de saúde mental no país, reconhecido pelos seus méritos até pela OMS – Organização Mundial de Saúde, e que inspirou a autora em sua história. Mas a realidade se fez presente na fala do imortal Ferreira Goulart. O poeta, contratado da TV Globo, surge na tela em entrevista editada – certamente para reduzir o impacto da crítica ao modelo atual de atenção em saúde mental, do contrário faria contraponto ao modelo CAPS –, deixando brechas para críticas sobre as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, o que já foi muito pior no modelo manicomial. Lamentavelmente, nenhum dos entrevistados explorou essa deixa. A Rede Globo ao desencardir o discurso crítico do poeta, pai de dois filhos esquizofrênicos, deixa o plano material das contradições do sistema de atenção à saúde mental para ir ao plano mais metafísico, digamos assim. Os que esperavam um debate mais crítico frustraram-se no café da manhã. Mas certamente só os “idiotas da objetividade” não reconhecem que pautar um tema nunca antes acessível a 30 milhões de telespectadores é uma mão na roda, ainda que tenha sido desprezada, na segunda entrevista, qualquer menção à extraordinária experiência em saúde mental na cidade de Belo Horizonte, cidade natal de uma das entrevistadas. Valeu pela coragem em se por à disposição da redução do preconceito que ronda a vida dos que viveram e vivem surtos psicóticos. Sem dúvida a emissora deve e muito mais e melhores informações sobre a cena de saúde mental atual. Cabe ao movimento social da luta por uma sociedade sem manicômios cobrar suas responsabilidades sociais. À luta, companheiros(as)!

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