Análise política
Ou locupletemo-nos todos
Atualizado às 14h37m de 24 de julho de 2009
Você está indignado com José Sarney porque ele conseguiu um emprego no Senado para o namorado de sua neta? Ok, pode ficar indignado. O que se depreende do fato, claro, é que Sarney e sua família tratam cargos públicos como se fossem de sua propriedade.
O que você não tem direito de aceitar, porém, é que todos os outros homens públicos que usam a mesma prática, bem como a imprensa que só faz alarde desse tipo de caso quando lhe interessa, apontem o dedo única e exclusivamente para Sarney. Isso é hipocrisia do pior tipo.
No fim de março, por exemplo, descobriu-se que, tanto quanto o namorado da neta de Sarney, a filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Luciana Cardoso, recebia proventos do gabinete do senador pefelista Heráclito Fortes sem aparecer no Senado para trabalhar, e ainda recebendo mais de R$ 7 mil mensais por isso, fora os benefícios.
O assunto, porém, ficou nas páginas internas dos jornais por dois ou três dias e nem deu as caras na tevê. Pergunte-se por que...
Alguns expoentes da imprensa oposicionista tais como o colunista e blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo, por exemplo, “explicaram” a situação da filha de FHC dizendo que não viam nada demais no caso, pois quando se trabalha em casa acabar-se-ia “trabalhando mais” do que no local de trabalho de fato.
Diante disso, a rebenta de FHC pediu “demissão” do emprego no qual não trabalhava, e foi só. O caso ficou por ali, ao menos na imprensa, o que suscita várias questões:
Por que, com o namorado da neta de Sarney, está sendo feito todo esse auê na imprensa se com caso até pior da filha de FHC (porque ela não aparecia para trabalhar) não aconteceu o mesmo? Aliás, por que Sarney está pagando sozinho pelo que atinge quase todo o Senado e os partidos de oposição e governistas?
Repito a questão: por que grandes jornais, tevês, rádios e blogueiros (Noblat, Josias, Esgoto etc) ligados a essa mídia aliada do PSDB e do PFL vêm dedicando 80% dos espaços que controlam a desancar Sarney se quando se descobriu fato tão grave quanto sobre a filha de FHC eles todos mal noticiaram o assunto?
E quando o PSDB, o PFL e a imprensa associam Sarney a Lula por este se revoltar contra o massacre seletivo àquele, será que partidos e meios de comunicação oposicionistas acham que conseguirão com isso abalar agora a popularidade do presidente apesar de que ataques muito piores a ele nos últimos 6 anos só fizeram sua popularidade subir?
Claro que não. O objetivo é derrubar Sarney e pôr o tucano Marconi Perillo no lugar dele para travar os projetos do governo no Senado, pois a Presidência da Casa tem esse poder. Daí, entraríamos no ano eleitoral de 2010 com o governo sem conseguir aprovar mais nada no Congresso, pois tudo que a Câmara baixa votar tem que ser ratificado pela Câmara alta.
Se não fosse assim, o noticiário falaria de todo nepotismo, de todos os desvios de que acusam Sarney, mas frisando que começam pelo presidente do Senado e se estendem a este, àquele e aquele senadores, citando um a um, o partido de cada um e ressaltando que, indiferentemente de partido político, região do país, ideologia etc., ninguém tem moral para criticar ninguém.
Mas não, o noticiário faz crer que a derrubada de Sarney terá o condão de pôr as coisas nos seus devidos lugares. Enquanto isso, essa mesma imprensa não cobra investigação do caso da filha de FHC, um dos mais críticos em relação a Sarney.
Para atingir esse objetivo, a coalizão formada por PSDB, PFL, Grupo Folha, Grupo Estado, Editora Abril, Organizações Globo, Rede Bandeirantes, TV Gazeta e todos os outros jornais, rádios e tevês afiliadas que gravitam em torno dos veículos nominados tratam de promover uma guerra psicológica contra a família Sarney.
O objetivo é abalar moralmente inclusive os membros mais frágeis dessa família para que pressionem o patriarca para que desista e eles sejam todos deixados em paz, pois a família deve estar no limite da exaustão mental, o que pode explicar, inclusive, a esposa do presidente do Senado, dona Marli, ter rolado de uma escada e fraturado a clavícula em cinco lugares nesta quinta-feira.
A neta de Sarney cuja voz aparece nas gravações divulgadas na quarta-feira é obviamente bastante jovem e provavelmente deve estar desmoralizada junto aos amigos, colegas de escola, vizinhos etc. É quase possível vê-la aos prantos junto da avó e do pai (este também alvo dos ataques) por ter participado de uma prática comum a tantos pares do avô que, apesar de terem usado tais expedientes, agora o acusam “indignados”.
A mesma guerra psicológica e hipócrita já foi desencadeada contra outros políticos acusados exclusivamente por práticas que, na verdade, são comuns a grande parte de seus acusadores na classe política, os quais, por integrarem os partidos aliados à imprensa que denuncia, são sempre poupados.
É uma guerra política. Se Lula ceder seu governo acabou, no que depender do Legislativo. Só poderá governar com o que não depender daquele Poder. O Senado barrará todas as iniciativas da Câmara, onde o governo federal tem maioria.
Essa é a razão para só estarem acusando Sarney por práticas que envolvem praticamente todos os seus pares, independentemente se de partido do governo ou da oposição. E aí cabe a cada cidadão decidir se é isso o que quer para o país, que seu governo fique manietado até 2011 num mundo que atravessa a pior crise econômica dos últimos 80 anos.
Vale lembrar que, se o governo não puder funcionar normalmente, o prejuízo será da população, sobretudo da população mais pobre, mas com efeitos nefastos em todas as classes sociais.
O que fazer, então? Deixar tudo como está para Sarney?
Bem, por mim, podem malhá-lo feito Judas, contanto que façam o mesmo com cada um dos que têm o mesmo tipo de supostos passivos “éticos” pesando contra si, a começar pela filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ou, então, locupletemo-nos todos.
Fonte: Cidadania.com
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