julho 22, 2009

Validade vencida

Franco Basaglia na Comunidade Terapêutica Enfance
Diadema-SP, 2008
Foto: Rogelio Casado
Validade vencida

No início dos 60, na Itália, Franco Basaglia e seus companheiros caíram na estrada e começaram por Gorizia a série de experiências municipais de reforma psiquiátrica que resultou, ao final dos 70, na Lei 180. Lei que desmontava os hospitais psiquiátricos, substituindo-os por dispositivos que respeitam a territorialidade humana dos portadores de sofrimento psíquico.

Para Ernesto Venturini, foi o radical interesse pelas pessoas, sem negar a existência da doença, que superou o olhar coisificante da ciência e reconstruiu o olhar sobre a experiência da loucura. Segundo esse assessor da Organização Pan-Americana de Saúde, mais do que a afirmação de uma nova instância ética, Basaglia pôs em crise o paradigma da psiquiatria, construída “com base na opressão e na tomada de distância frente ao sofrimento psíquico”.

Amparado na riqueza da subjetividade do Outro, Basaglia desnudou a relação entre psiquiatria preventiva e estratégias de controle social sobre as “populações de risco”, e pôs fim, em nome de uma rigorosa opção científica, ao vício intelectual dos que se arrogam o direito de falar em nome dos outros.

Para Venturini, o fim do manicômio representou um questionamento prático e teórico dos aparatos culturais e científicos que se apoiavam nessa instituição totalitária. Daí porque não há trégua no campo da luta por uma sociedade sem manicômios. Ontem foram o isolamento e o exílio social que nos mobilizaram contra os muros do manicômio. Hoje é o enfrentamento contra os modos de olhar a diferença que nos dá a convicção de que há muito por fazer na inacabável tarefa de reconciliar o homem com o homem.

A riqueza da proposta de Basaglia em desinstitucionalizar a loucura, destruindo a nau do manicômio pedaço por pedaço, continua a nos mobilizar. Para ancorar a passagem da loucura para um outro estatuto é preciso ser movido pelo “amor ao devir e pela vontade da revolução” de quem sabe que novos mundos são possíveis e que o hospício, definitivamente, está com a validade vencida.

Manaus, Julho de 2009.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Artigo publicado no Caderno Raio-X, Amazonas em Tempo, que circula aos domingos em Manaus.

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