Carta aberta da supervisora clínico institucional dirigida aos trabalhadores, usuários e familia...
Caros companheiros!
Até o presente momento a gestão estadual não se pronunciou com relação ao projeto de qualificação pelo qual assumi a responsabilidade técnica e o compromisso público pela sua execução.
O conflito inerente às questões de saúde mental, a tensão das relações políticas, a falta de condições de trabalho são situações com as quais me disponho a lidar. Mas reajo muito mal aos ataques pessoais. Não fui e jamais serei uma profissional “pai de santo”: daquele que recebe e despacha sem o menor compromisso com o que está fazendo. Tenho paixão e zelo pelo que faço e maturidade suficiente para perceber determinadas coisas. A inveja, o ciúme e a rede de intrigas típicas daqueles cujo universo não ultrapassa as margens do Igarapé do Mindú tem o seu lugar no confessionário, no divã do psicanalista e no churrasco na laje de casa, não necessariamente nesta ordem.... Entendo que a gestão pública não pode ser conduzida como se estivéssemos no páteo do jardim da infância e que esta questão deve ser tratada do ponto de vista das relações institucionais. A saúde mental do Amazonas padece de um amadorismo pueril e irritante.
As ações da saúde mental tem diretrizes claras e devem ser definidas com o mínimo de planejamento, sendo garantida a participação de usuários e trabalhadores. Encontrei um programa de saúde mental sem fluxo de atendimento, sem mecanismos de avaliação dos serviços, sem interlocução com o município, e que trata os mecanismos de controle social com completo descaso, perpetuando a hegemonia do hospital psiquiátrico como centro da assistência. “Não temos nada a ver com isso”: essa é a postura. “Isso não é problema nosso” : essa é a resposta. Iniciamos um processo de realinhamento das ações com a reestruturação do projeto terapêutico do CAPS tendo como norte a mudança do modelo de assistência e a garantia dos direitos dos usuários. Fizemos alguns avanços. Este é um processo que desperta amor e ódio, gera conflitos pois horizontaliza o poder. Lamentavelmente a gestão não se interessou em corrigir os rumos apontados pelo coletivo dos trabalhadores, com a participação efetiva dos usuários. A saúde mental do Amazonas padece de uma omissão histórica e irresponsável.
Não dá para defender o indefensável. Como é que se explica a água contaminada servida aos usuários? Como é que se explica que falta de estrutura para o funcionamento 24 horas? Como é que se explica o funcionamento da CESMA? E como estas existem inúmeras situações inexplicáveis, especialmente o fato de que este tema sequer consta da agenda do gestor estadual. A saúde mental do Amazonas padece de falta de tempo e dedicação.
Foi o contato intenso com a loucura e a crise psicótica, a experiência cotidiana no manicômio e o flagelo da exclusão social que me deram a convicção da clínica antimanicomial refirmando a certeza de que o hospício tem que ser enfrentado com coragem e determinação. Não se faz a reforma com discurso, mas com muito trabalho. Infelizmente o grupo que conduz a política de saúde mental no Estado do Amazonas neste governo há quase uma década, além de adotar a prática perversa de ameaçar os trabalhadores e desqualificar o usuário, tem como único objetivo manter-se no poder a qualquer custo, sem se preocupar de fato com os rumos da reforma. São reformistas no que dizem e no que escrevem, mas não no que fazem... Me faz lembrar das propagandas ridículas da Tônia Carreiro falando das maravilhas do Leite de Aveia Davene, ou da Xuxa vangloriando os produtos Monange! Alguém acredita que é esse o tipo de cosmético que elas usam? A saúde mental do Amazonas padece de um narcisismo insano e medíocre.
É no mínimo estranho que a gestão estadual se mantenha em silêncio, tendo ciência tanto da situação vergonhosa em que a saúde mental se encontra quanto da prática institucional de seus (ir)responsáveis que fere frontalmente os princípios do SUS, da reforma psiquiátrica e da Política Nacional de Humanização. Nenhuma providência foi tomada apesar dos relatórios, correspondências e reuniões. A saúde mental do Amazonas padece da síndrome dos panos quentes.
Martin Luther King dizia que “quem convive com o mal sem protestar, colabora com ele” e é esse o espírito que me move a tomar uma atitude como pessoa, como profissional responsável pelo projeto, como militante e como cidadã. Neste sentido, encaminhei nota de esclarecimento com solicitação de providências ao Conselho Estadual de Saúde, com cópia para o Ministério Público.
Isto posto queria dizer que foi um prazer imenso ter realizado este trabalho e que considero o resultado deste esforço extremamente positivo. Contem comigo sempre na luta por uma sociedade sem manicômios.
Com um forte abraço para todos.
Miriam Senghi Soares
Supervisora clínico institucional e militante da luta antimanicomial
julho/2009
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