Nota do blog: Quando o artigo abaixo foi escrito estava em pleno exercício da coordenação estadual de saúde mental, no ano de 2006. O Amazonas havia implantado 3 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Já a fotografia acima foi feita no primeiro ano dessa coordenação, em 2003, quando o poder público dialogava com o movimento social e juntos realizaram o primeiro dos quatro abraços simbólicos com o objetivo de reduzir o preconceito contra pessoas com transtorno mental e pela aprovação de Lei de Saúde Mental. Esta seria sancionada em outubro de 2008, quando a Residência Médica em Psiquiatria estava no seu segundo ano de existência. O cenário atual é preocupante: não há diálogo entre o movimento social e o poder público e a residência médica enfrenta dificuldades financeiras. Quanto aos CAPS, andou pingando mais dois fora de Manaus: 1 no município de Iranduba e 1 no município de Rio Preto da Eva. Com os municípios de Parintins e Tefé somam 4 CAPS no interior. Como temos 62 municípios no Estado, faltam 57 prefeitos manifestarem interesse em criar políticas públicas no campo da saúde mental. Se a Residência Médica em Psiquiatria não for assumida pelo poder público, mais uma vez o futuro da reforma psiquiátrica no Amazonas estará comprometido.
Reforma Psiquiátrica e Residência Médica em Psiquiatria
O ano de 2006 encerra com dois eventos emblemáticos: a implantação do CAPS 1000, em Fortaleza-CE, e o concurso para a primeira Residência Médica em Psiquiatria, no estado do Amazonas. Ambos os eventos contribuem para a consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Desde os anos 1990, o Ceará oferece exemplos de administrações públicas municipais comprometidas com o patinho feio da saúde pública: saúde mental. Algumas dessas experiências foram premiadas. Fortaleza desencantou com a chegada do PT à prefeitura. O CAPS a ser inaugurado é o 10º. da cidade.
No momento em que a psiquiatria conservadora inunda a mídia com críticas ao modelo de saúde mental adotado no país há mais de 10 anos, o poder público municipal de Fortaleza dá uma demonstração inequívoca de compromisso com os princípios éticos da Reforma Psiquiátrica brasileira. Além de trabalhar pela criação de uma sociedade sem manicômios, responde a um dos maiores desafios da atualidade: criar serviços para abordagem do uso abusivo de álcool e de outras drogas no Brasil.
No Amazonas, a Reforma Psiquiátrica está longe de ser consolidada. Os primeiros passos foram dados no início dos anos 1980. Entretanto, a cultural manicomial foi mais forte. Nos anos 1990, as ações limitaram-se à prática da desospitalização, em franca oposição ao processo de desinstitucionalização da doença mental. Esta última exige a oferta de serviços que compatibilizem tratamento com reabilitação psicossocial para todos os seus usuários, capaz de conciliar demandas clínicas com demandas sociais. Os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial – e os Centros de Convivência são equipamentos fundamentais na mudança do modelo de atenção à saúde mental.
São três os números de CAPS existentes no Amazonas; um na capital e dois no interior do estado. Os números são tímidos. Podem aumentar se houver vontade política para tanto.
Embora o Amazonas não seja um caso único, há uma modalidade de CAPS impossível de ser viabilizada à falta de um profissional na sua equipe multiprofissional: o médico psiquiatra. Nada a ver com qualquer caráter de excepcionalidade para esta categoria, como a que marca o discurso dos defensores da Lei do Ato Médico. É que sem ele não existe CAPS tipo III, que funciona 24 horas, a exemplo da cidade de Belo Horizonte que possui sete serviços desse tipo, todos com psiquiatras na equipe.
A criação da primeira Residência Médica em Psiquiatria no estado do Amazonas pode por fim à carência de médicos psiquiatras, sem os quais nenhum município poderá criar CAPS tipo III. É bem verdade que tão cedo nenhum dos nossos 60 municípios criará esse tipo de serviço, previsto para populações acima de 200 mil habitantes. E, por enquanto, apenas Tefé tem uma psiquiatra no seu quadro funcional, o que permitiu a criação de um CAPS tipo II, em regime de dois turnos de funcionamento.
Evidentemente, não há impedimento para o município de Manaus criar CAPS tipo I, para o qual está previsto na equipe um médico com formação em saúde mental, como forma de atender as demandas de uma cidade com mais de 1,5 milhão de habitantes, enquanto médicos concluem sua formação na residência médica em psiquiatria, oferecida através da parceria entre Governo Estadual e Universidade Federal do Amazonas, cujas provas ocorreram no último dia 17, para 7 candidatos em disputa de 3 vagas.
Dona Cândida, uma sábia mulher, sócia, com seus dois filhos portadores de transtorno mental, da Associação Chico Inácio, pergunta quais as garantias de que os médicos residentes venham a abraçar os princípios da Reforma Psiquiátrica em defesa de uma sociedade sem manicômios? Como não repetir o mau exemplo da psiquiatria conservadora? Eis o desafio para o mais novo programa de residência médica do estado do Amazonas.
Manaus, Dezembro de 2006.
Rogelio Casado, psicoterapeuta
Coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental
E-mail: rogeliocasado@uol.com.br
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