agosto 03, 2010

"Eletrochoque?! Não, obrigado! ...Imagine na sua cabeça!"


 Conselho Federal de Psicologia
Parecer sobre Eletroconvulsoterapia

Parecer sobre a eletroconvulsoterapia a ser encaminhado ao Ministério Público do Estado de São Paulo.

Consulta-nos o egrégio Ministério Público do Estado de São Paulo sobre matéria relativa a uma técnica do campo estrito da Medicina, a saber da utilização da eletroconvulsoterapia,  que se encontra, portanto, do ponto de vista profissional, fora da alçada das  competências regulatórias deste Conselho Federal de Psicologia. Ao atendermos prestimosamente à solicitação, mais do que nos imiscuirmos em território e matéria de uma competência que nos são alheios, fazemo-lo num sentido opinativo, haja vista mantermos interfaces práticas com o campo da assistência psiquiátrica no mister do exercício profissional da Psicologia. Por outro lado também o fazemos por esposarmos uma compreensão de que, na atualidade, os novos paradigmas que estruturam o campo das relações entre o conhecimento científico, técnica e ética nas práticas profissionais recomendam desdobrada atenção para com a opinião e a crítica social como um dos critérios fundamentais de validação da própria ciência. Como atores sociais de atenta presença institucional no campo dos Direitos Humanos, ao qual nos vinculamos na defesa dos direitos dos portadores de transtorno mental, na condição de organização profissional socialmente responsável, temos colhido informações e experiências importantes que balizaram nesta hora este nosso parecer.

Sobre a eletroconvulsoterapia :

A eletroconvulsoterapia é definida como “uma estimulação elétrica do cérebro com a finalidade de induzir uma crise convulsiva que, após uma série de aplicações, resulta em uma melhoria dos sintomas” (ROSA, RIGONATTI & ROSA, 2004, p. 14). Outra definição diz ser uma “técnica, em desuso, que consiste na passagem de uma corrente elétrica de alta voltagem sobre a região temporal, a fim de provocar dessincronização traumática de atividade cerebral do paciente com contrações crônicas e perda da consciência, usada como terapia em casos de problemas mentais graves; eletrochoque; choque”. Do ponto de vista técnico, o seu uso para o tratamento de transtornos mentais pode ser caracterizado como um procedimento invasivo e agressivo para o organismo, com efeitos colaterais severos para o paciente, não resultando na recuperação da saúde integral da pessoa, mas provocando efeitos que aplacam sintomas como alucinações e agressividade.
O uso da eletroconvulsoterapia – ECT - ou eletrochoque, como é comumente conhecida, é bastante controverso, principalmente pelo desconhecimento sobre seus mecanismos de ação, pois, apesar das pesquisas e estudos científicos realizados, os resultados não explicam o funcionamento deste procedimento no organismo humano e qual a sua ação no tratamento de transtornos de saúde mental. Além disso, existem questionamentos sobre o real efeito deste método biofísico no tratamento de doenças mentais, pois a relação direta entre transtornos mentais, como, por exemplo, a depressão, e a ação de neurotransmissores é ainda contestável, como afirma Sonenreich: “Não é possível por esse caminho tirar conclusões sobre o mecanismo de ação da ECT sobre a depressão, como entidade clínica. Aliás, nem a relação entre neurotransmissores e a depressão é assunto livre de controvérsias.” (ROSA, RIGONATTI & ROSA, 2004, p.8)
  Além disso, não são satisfatórias as evidências que apontam de que forma convulsões repetidas podem exercer efeitos terapêuticos tão profundos e significativos. A presença de efeitos colaterais importantes incluiu o ECT entre as técnicas denominadas “heróicas”, ou seja: que somente deveriam ser utilizadas quando falharem todas as alternativas, sobretudo em função da sua potencialidade iatrogênica, quando o tratamento gera mais malefícios do que melhoras. Dentre os efeitos colaterais mais significativos apontados pela literatura médica, estão os de natureza cognitiva e orgânica.
Dentre os efeitos cognitivos, a literatura destaca: amnésias; perda de memória recente e/ou antiga; confusão mental; desorientação; quadros demenciais, entre outros.  Já entre os efeitos orgânicos figuram: cefaléias; dores musculares; náusea; tontura, agitação psicomotora; insônia; aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca.
Estes efeitos colaterais, que  configuram a Síndrome Geral de Adaptação, segundo Sonenreich, podem ser mais prejudiciais para o paciente que a situação clínica para a qual foi aplicada a ECT: “Os medicamentos chamados antipsicóticos têm uma ação evidenciada de bloquear o efeito dos estímulos. São usados para impedir as respostas excessivas da Síndrome Geral de Adaptação, que pode fazer mais vítimas do que o ferimento, a agressão que o provoca, ou seja, a resposta à agressão pode ser exagerada e nociva.” ( ROSA, RIGONATTI & ROSA, 2004, pág.10).

A má utilização da ECT

Para além dos questionamentos que recaem sobre a técnica em si mesma, o debate sobre o uso da ECT envolve uma importante discussão sobre as condições sociais e institucionais de sua aplicação. Como primeiro elemento figura a preocupação sobre as condições da utilização da eletroconvulsoterapia nas clínicas e  nos hospitais psiquiátricos, na medida em que os usuários destes estabelecimentos encontram-se em condições de fragilidade e debilitação, muitas vezes limitantes para uma tomada de decisão sobre as possibilidades de tratamento fornecidas pelo profissional de saúde, naquelas condições preconizadas para um efetivo exercício do “consentimento informado”, tal como estabelecido,  por exemplo, na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as  Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos. Em relatos colhidos junto a profissionais psicólogos que atuam nestes estabelecimentos, fica patente que a forma de encaminhamento da decisão terapêutica junto aos familiares dos pacientes, como substitutos dos primeiros no consentimento informado, peca pela desigual condição de argumentação das famílias diante do grau de disposição prévia de alguns profissionais da Psiquiatria, principalmente daqueles que hoje se organizam numa militância pela “reabilitação técnica” do eletrochoque.
Além disso, como depreendemos do nosso trabalho de fiscalização, é sabido que a qualidade da assistência oferecida nas instituições hospitalares psiquiátricas apresenta graves problemas, sobretudo nos aspectos que envolvem os Direitos Humanos, não sendo incomum denúncias sobre maus tratos e a presença de mecanismos severos de punição e tortura em  pacientes. O resultado das visitas aos hospitais psiquiátricos brasileiros realizadas em julho de 2004 pelas comissões de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia e da Ordem dos Advogados do Brasil tornou evidentes as más condições em que os pacientes estão submetidos nestas instituições.
O Relatório da Inspeção Nacional em Unidades Psiquiátricas, Direitos Humanos: uma amostra das unidades psiquiátricas brasileiras (2004), documento resultante das visitas realizadas em 27 estabelecimentos de 14 estados da Federação e mais o Distrito Federal, aponta que a situação dos pacientes, na maioria das unidades visitadas, é precária, desumana, sem higiene, sem recursos materiais e humanos suficientes para atender à finalidade desejada: tratamento, recuperação da saúde e inserção social. A condição crônica de tal situação pode ser constatada quando cotejados os resultados destas inspeções com aqueles obtidos em uma outra blitz nacional realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, na I Caravana Nacional de Direitos Humanos, conforme relatório apresentado em 29 de junho de 2000, que, numa amostra nacional de sete estados, deparou-se com problemas idênticos e que, aparentemente, continuam sem solução.
Também é importante mencionar os inúmeros casos de mortes violentas e não investigadas, tais como as relatadas na obra Instituição Sinistra: mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil (2001), de organização lavrada pelo Conselho Federal de Psicologia, que evidenciam a violência presente no interior dos hospitais psiquiátricos brasileiros, fazendo questionar  os riscos representados pelo descontrole técnico que neles impera.
Apesar dos defensores da Eletroconvulsoterapia afirmarem que este é um método seguro, ao se basearem no baixo índice de mortes provocadas pela aplicação da ECT, a partir das denúncias de mortes ocorridas em hospitais psiquiátricos têm-se observado que muitos pacientes submetidos à ECT são transferidos para unidades hospitalares gerais, evitando-se assim que estes morram nos leitos psiquiátricos. Desta forma, além dos índices de mortes serem mascarados, há denúncias de mortes violentas, como o caso “Lourdes”, relatado pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental (2001) no mesmo livro: “paciente de 47 anos, morta em 1995, pelas complicações das fraturas provocadas pela eletroconvulsoterapia a que foi submetida sem anestesia” .
O Relatório supra citado, da I Caravana Nacional de Direitos Humanos, igualmente registra de forma específica esta situação, em passagem que afirma a hipótese de que a ECT poderá ser utilizada de forma imprudente e inadequada: No contacto bastante cordial que mantivemos com direção e corpo técnico, um novo problema foi identificado: trata-se do emprego da eletroconvulsoterapia (ECT), procedimento mais conhecido como "eletrochoque”. Perguntada sobre o emprego de ECT, a direção afirmou que, em determinadas situações, mediante prescrição médica, faz-se o uso de ECT. Os procedimentos recomendados para essa aplicação, de qualquer forma, excluem a necessidade de emprego de anestésicos, o que nos pareceu surpreendente. Perguntado a respeito, o diretor da instituição afirmou que o uso de anestésicos pode ser contraproducente diante dos efeitos terapêuticos pretendidos. Esta posição está sustentada em documento próprio intitulado "Normas Para o Uso da Eletroconvulsoterapia (ECT) na Casa de Saúde Dr. Eiras- Paracambi", ao qual tivemos acesso.”  ( Relatório Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que elaborou o projeto das CARAVANAS NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS, 29 de junho de 2000).
Considerando-se que a cultura manicomial estabelecida em nosso país é, ainda  hoje, alvo de severas críticas e repúdio em diversos movimentos sociais, torna-se imperiosa a luta para impedir a existência de tratamentos desumanos nas instituições psiquiátricas. Deste modo, soa temerário deixar os usuários expostos à má utilização de técnicas que, ao terem desviadas suas funções, possuem tamanho poder de causar sofrimento físico e psíquico ao ser humano. É preciso resgatar que o status de técnica prescrita, ainda que não oficialmente, que revestiu o ECT nas últimas décadas,  deve ser atribuído exatamente ao histórico do seu uso violento e indiscriminado, e considerar que, a despeito da suposta “suavização” da técnica, conforme apregoado pelos que militam na sua reabilitação, as condições institucionais  do seu campo de utilização ainda se mantém muito aquém do desejável.
A marca histórica da eletroconvulsoterapia, como sendo um instrumento de punição e tortura, mantém sob suspeita a sua utilização nas clínicas e hospitais psiquiátricos. A falta de informação entre a população assistida pela rede de saúde mental sobre os efeitos da ECT e seus possíveis resultados agrava a questão ética de seu uso, que não deveria  ser restrito apenas à  questão do consentimento informado.
Considerando que a ECT age no corpo humano de forma muito agressiva, que as conseqüências de seu uso são gravíssimas e que existe uma restrição a sua utilização (apenas em casos graves de depressão e outros poucos quadros psicopatológicos), o seu controle deve ser uma preocupação que extrapola a responsabilidade do profissional, sendo uma questão mais ampla que merece ser discutida no âmbito jurídico, legislativo e social, pelo caráter perpétuo de seus efeitos sobre o indivíduo.
Desse modo, como já assinalamos na introdução, é preciso colocar em questão as formas de exercício de poder “não democráticas” que são derivadas do expertise profissional pelo condão do saber científico. Nas sociedades democráticas não podem  haver soberanias unilaterais, onde os poderes técnicos usurpam a condição da igualdade de todos perante a Lei. Os poderes técnicos profissionais não podem ignorar  as regulações que emanam da esfera pública, que, não sendo estatal, referem-se ao modo de produção de opiniões e avaliação dos seus desempenhos. Como nos ensina o filósofo Boaventura de Souza Santos, a ciência não possui autoridade que possa suprimir os sentimentos sobre os efeitos decorrentes das técnicas que dela derivam. A teoria da Sociologia crítica da ciência traz uma valiosa discussão sobre os conhecimentos produzidos pela comunidade científica que são aplicados em uma realidade social diferente da realidade do contexto científico em que foram desenvolvidos. Assim, é necessário questionar a aplicação doutrinante do saber científico que escamoteia conflitos e silencia teorias alternativas, assumindo apenas a realidade dada pelo grupo dominante. É necessário que a aplicação dos conhecimentos técnicos não se sobreponha à discussão sobre os aspectos éticos que encontram-se envolvidos em sua aplicação.
Nos vários contextos da aplicação da ciência, o cientista precisa lutar pelo equilíbrio de poder, tomando partido dos que possuem menos poder. A correta aplicação da ciência tenta reforçar as definições emergentes e alternativas da sociedade, contribuindo para o aumento da comunicação e da discussão no âmbito da comunidade científica, deslegitimando as formas institucionais que promovem violência e silenciamento. Em uma correta aplicação da ciência, o uso do conhecimento técnico deve ser subordinado ao conhecimento ético, que deve ter prioridade na argumentação.
            Deste modo, há que se colocar em cena a manifestação dos principais interessados neste debate, que são aqueles que, sendo portadores de transtorno mental, têm se manifestado sobre as suas experiências de relacionamento com o ECT. No caso brasileiro, já em1993, os portadores de sofrimento mental, por meio da Carta de Direitos dos Usuários e Familiares de Serviços de Saúde Mental, produzida no III Encontro Nacional dos Usuários e Familiares da Luta Antimanicomial, ocorrido na cidade de Santos/SP, posicionam-se francamente pela proibição do uso da ECT , e, em 2001, fizeram aprovar uma moção de repúdio ao uso da Eletroconvulsoterapia (ECT) na III Conferência Nacional de Saúde Mental, promovida pelo Ministério da Saúde, com amplas delegações oficiais de todos os estados brasileiros, exigindo também a retirada do Projeto de Lei, em tramitação, de autoria do então deputado Marcos Rolim (PT/RS) que pretendia a regulamentação do uso deste procedimento. Assim, os usuários do sistema de saúde mental têm manifestado sistematicamente a sua posição contrária à aplicação da ECT, afirmando que têm o direito de escolha de não serem submetidos à agressividade deste método.

Posicionamentos e Depoimentos dos Usuários


            De acordo com o Núcleo de Estudos pela Superação dos Manicômios da Bahia, muitos dos pacientes que viveram a realidade da ECT  manifestam explicitamente o desejo de não repetir a experiência, considerada traumática. Este é o caso de Eduardo de Araújo, 52 anos, vivendo há 30 anos a rotina do dia-a-dia dos manicômios. Submetido ao eletrochoque aos 22 anos, ele o caracteriza como uma das maiores violências que se pode cometer contra o ser humano: "Da primeira vez, quando colocaram aquilo em mim, não suportei, caí. Na
segunda vez, já sabia como era e fiquei quietinho. Você fica num estado de medo, de terror. Não precisamos disso, mas, sim, de afeto, de carinho. Nosso cérebro é um lugar tão bonito, azulzinho...”
(Eduardo de Araújo, atual coordenador do Movimento de Saúde Mental da Bahia).

Nesse aspecto, o discurso de Eduardo entrelaça-se com o de Mílton Freire, outro paciente que foi submetido ao eletrochoque. A morte de um primo após ser submetido à aplicação do ECT talvez fosse suficiente para que ele visualizasse a técnica de forma tão trágica, mas, somando-se a isso, ele próprio viveu essa experiência traumática. Antes de relatar o seu drama, primeiro ele relembra o primo, em sua resistência a não ser submetido àquele método que causava terror a todos os pacientes do manicômio: "Tudo aconteceu em 1961. Meu primo parecia estar adivinhando o que iria acontecer: ele chegou a pedir ao médico para não tomar o choque, porque achava que o coração não agüentaria, mas o médico lhe disse que, muitas vezes, era necessário ser duro”. ( Mílton Freire).
           
            Há também evidências de pacientes que sofreram com a utilização da ECT em outros países, conforme pode ser observado nos relatos abaixo selecionados:

“I was never told the side effects, it was offered as the only treatment available, it was preformed in a private hospital and cost at the time quite a lot, the doctor told me I needed it once a month. I take no medicines now I'm still depressed but get along with my life, the depression was caused while I was teaching using unorthodox methods like alice in wonderland, no alternative was given to cure me, shocks were given to me like handing out candy, I nearly died in one they couldn't wake me up for two days, my memory pops up at times I do not expect bringing back all, I lost my capacity to speak languages I used to speak five fluently and had to relearn. ect ect ect”. ( Trent Lynn, usuário voluntário, 15 sessões de ECT, Itália).

“If I'd been offered a choice, I would have done what was recommended. I was too depressed to evaluate options and too desperate for relief. I didn't know memory loss was an effect. When I couldn't remember names I was *so* embarrassed; when people knew me and I didn't know who they were, I was disoriented. I had no one to support me because I told no one about these events - I thought I was continuing to lose my mind. And mind was what I valued about myself.” (Sylvia Caras, usuária involuntária, número de sessões desconhecido, EUA).

            “ECT is a barbaric, humiliating, and dangerous procedure. It is not a medical treatment - but torture!” ( Wendy Funk, usuária, 43 sessões de ECT, Canadá).
           
            “I am not sure why I have made the decisions I have made. I was very sick, suicidally depressed and unable to see or understand the side effects of this barbaric treatment. The confusion and memory loss was so bad. To this day I have a very hard time with recall and other cognitive abilities. I wish I never had ECT.
I ask this question. Why would we treat an individual who suffers from epilepsy with anti-convulsant medication while at the same time treating an individual with depression with seizures?” (Eliza, usuária involuntária, 20 sessões, EUA).
           
“I am now 21 years old and still having therapy and medication. Nothing seems to work, i don't know what to do anymore. I still don't understand why it hasn't done anything for me.” ( Horizon, usuário voluntário, 6 sessões, Turquia).
           
“The ECTs were given to me against my will in 1973 at the age of l7. I had 5 ECTs given to me. I was supposed to have more series of the ECTs but it was discontinued as my heart stopped and I was revived on my 5th ECT. I was allergic to one of the medications given to me prior to having ECT. I feel I was tortured against my will. The permanent damage by the short term memory loss has had a negative effect on my life. I find it difficult to learn anything new. Prior to having ECT, I had an good memory and no learning difficulties. Many in the medical community are aware of the potential dangers of ECT and refuse to abolish ECT. I want ECT abolished now. I don't want anyone to go through what I did. It is a crime against humanity. I was tortured in my own country, paid by the Ontario Ministry of Health. It is horrendous.” ( Sue Clark, usuária involuntária, 5 sessões de ECT, Canadá).

 

A legislação brasileira e a eletroconvulsoterapia

               
            Apenas para efeito ilustrativo, resenhamos aqui um conjunto de norma legais  que podem estar sendo ofendidas pela prática do eletrochoque.
A Lei nº 10.216/2001 estabelece que a pessoa portadora de transtorno mental possui o direito de ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar a sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; e também o direito de receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento. Assim, considerando que a utilização da ECT pode implicar na violação de norma,  arrolamos um conjunto de dispositivos legais que podem estar sendo ofendidos em situações que caracterizam o uso do eletrochoque:
Código Penal, capítulo II:
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Código Civil Brasileiro (Lei nº10.406/2002):
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
 I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ

Em fevereiro deste ano o governo de São Paulo foi obrigado a indenizar um paciente que foi submetido a tratamento de choque no hospital psiquiátrico do Juqueri, no município de Franco da Rocha. A decisão, unânime, foi dada pelos ministros da 2.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceram o direito de o paciente receber pensão mensal e vitalícia. O paciente foi internado em 1981, quando tinha 21 anos, para tratamento de dependência química que mantinha desde os 17 anos. Submetido a tratamento de choque, entrou em coma prolongado e ficou vários dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Ao sair do coma, foram detectados diversos problemas, como retrocesso da idade mental, dificuldade de locomoção e convulsões. Com essas seqüelas teve de se submeter a uma série de tratamentos médico-hospitalares.
O médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Moacir Alexandre Rosa, disse não ter conhecimento desse caso, mas ressalta que erros podem acontecer em qualquer área. “Se um paciente morre ao fazer uma lipoaspiração, isso não indica que o procedimento é ruim. Erros podem acontecer”, finalizou.

Conclusão

Como foi afirmado na introdução, a despeito de não ser o Eletrochoque uma matéria técnica da competência regulatória do Conselho Federal de Psicologia,  temos posição a respeito, e nesta somos guiados pela defesa dos Direitos Humanos e pelo apoio às manifestações explícitas dos usuários dos serviços de saúde mental, que organizadamente refutam essa possibilidade em todos os seus fóruns e documentos.  O motivos expostos congregam o posicionamento desta autarquia federal contrário à aplicação da eletroconvulsoterapia para tratamento de transtornos de saúde mental. Entende-se que a reforma psiquiátrica em curso pelo governo constitui em um avanço para a saúde da população brasileira e para a qualidade de atendimento e atenção à saúde oferecido pelos serviços públicos. É preciso fortalecer os esforços em direção à consolidação desta reforma, apoiando a criação das redes substitutivas de atenção à saúde, investindo na produção de conhecimento e técnicas que promovam a saúde e a qualidade de vida das pessoas portadoras de transtornos mentais com respeito e dignidade.
Os princípios bases que sustentam esta reforma não estão em consonância com a ECT, pelo lugar histórico que o eletrochoque ocupa em relação aos Direitos Humanos, pela negação da subjetividade dos pacientes, pelos resultados discutíveis em relação à integridade da pessoa em seus aspectos biopsicossociais e pelos efeitos colaterais provocados aos pacientes, segundo a própria literatura da área. Não se pode considerar as doenças mentais apenas sob o aspecto biológico, excluindo os aspectos psicológicos e sociais. O tratamento para a saúde mental vem sofrendo modificações e esta reforma é capaz de suprimir o uso do eletrochoque, utilizando outras formas de tratamento.
Além disso, há de se considerar a má utilização da ECT nas instituições psiquiátricas, a dificuldade do Estado em fiscalizar essa prática, a polêmica estabelecida no campo acadêmico-científico, a falta de argumentos científicos que confirmem a eficácia do uso da eletroconvulsoterapia, a própria natureza agressiva do tratamento, o histórico de abuso e tortura cometido na utilização da ECT e o testemunho de pacientes que se julgaram prejudicados com o tratamento realizado.
Por todos os motivos expostos, o Conselho Federal de Psicologia sustenta uma posição contrária ao uso da eletroconvulsoterapia em defesa dos Direitos Humanos, em apoio à luta antimanicomial e às manifestações dos usuários do sistema de saúde mental, que lutam pelo direito de recusa à aplicação da ECT.

Anexo :

Campanhas desenvolvidas pelo Conselho Federal de Psicologia

Relacionamos a seguir as publicações e campanhas desenvolvidas pelo Conselho Federal de Psicologia e conselhos regionais de Psicologia em defesa dos Direitos Humanos, em prol da reforma psiquiátrica, em apoio à luta antimanicomial e à melhoria dos serviços de saúde mental.[1]

Publicações:
Conselho Federal de Psicologia (Org.) Como anda a reforma psiquiátrica brasileira? Avaliação, perspectivas e prioridades. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2000.
_________________________ (Org.) Loucura, ética e política: escritos militantes. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Direitos Humanos: uma amostra das unidades psiquiátricas brasileiras. Relatório da Inspeção Nacional de Unidades Psiquiátricas em prol dos Direitos Humanos. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia, Ordem dos Advogados do Brasil, 2004.
SILVA, M. (Org.) A Instituição Sinistra: mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil. Brasília, Conselho Federal de Psicologia, 2001.

Vídeo:
Conselho Federal de Psicologia (Org.) O Tribunal dos Crimes da Paz. O hospital psiquiátrico no banco dos réus. Conselho Federal de Psicologia, 2003.

Apoios:

Apoio à Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial

Grupo Tortura Nunca Mais

 

Projeto:

Projeto De volta pra casa – parceria com o programa do governo federal por meio do Banco Social de Serviços, projeto desenvolvido pelo Sistema Conselhos de Psicologia.

Evento:

A Reforma Psiquiátrica Brasileira em Questão. Promovido pelo Conselho Federal de Psicologia, em Salvador, outubro de 2004.

Campanhas:

Campanha (2002): "Manicômio Judiciário, o pior do pior"
Campanha (2004) do Dia 18 de Maio – Dia Nacional de Luta Antimanicomial: "Romper a incabível prisão"
Dia Internacional contra a Tortura (2004): evento realizado contra a tortura nos hospitais psiquiátricos
Campanha contra o uso da Eletroconvulsoterapia (2004): “Eletrochoque?! Não, obrigado!” Citamos, a seguir, trecho da matéria do dia 07.10.2004, publicada no site www.pol.org.br sobre esta campanha:
Os usuários de saúde mental estão convencidos e estão gritando para a sociedade que o eletrochoque é um método obsoleto, retrógrado, violento e indesejável. A Psiquiatria, ao enfatizar o uso do ECT , retroage a métodos, secularmente ultrapassados, de tratamentos comprovadamente violentos, que remontam aos tratos com a saúde de princípios do século passado: a evolução desejada dos métodos, deve ser aliada à ética; ciência sem ética mata! O ECT é violento e indesejável.
Eletrochoque?! Não, obrigado! ...Imagine na sua cabeça!”

Referências Bibliográficas

FÓRUM MINEIRO DE SAÚDE MENTAL. Caso 04 – Eletrochoque a seco em Barbacena: Derrota da Ética. In A Instituição Sinistra: mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil. Marcus Vinícius de Oliveira Silva (org.). Brasília, Conselho Federal de Psicologia, 2001.
ROSA, M., RIGONATTI, S. & ROSA, M. (org.) Eletroconvulsoterapia. São Paulo: Vetor, 1ª Edição, 2004.
SILVA, M. (org.) A Instituição Sinistra: mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil. Brasília, Conselho Federal de Psicologia, 2001
Direitos Humanos: uma amostra das unidades psiquiátricas brasileiras. Relatório da Inspeção Nacional de Unidades Psiquiátricas em Prol dos Direitos Humanos. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia, Ordem dos Advogados do Brasil, 2004.
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde, 2002.


[1] As principais ações do Conselho Federal de Psicologia relacionadas à defesa dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais estão disponíveis no site www.pol.org.br

2 comentários:

Unknown disse...

Eu apóio o fim do ECT!

Anna Karina disse...

Boa tarde, Rogelio
Estou fazendo uma crítica sobre o uso de eletroconvulsoterapia, e gostei bastante desse parecer
poderia me passar o link de referencia deste?

Obrigada