novembro 10, 2010

Saiba por que o conservadorismo teme o controle público e social da mídia

PICICA: "A rigor, controle público e social, ao contrário do que acusam as carolas anticomunistas das redações, é uma ideia situada precisamente nos marcos do liberalismo: baseia-se no princípio da soberania popular — “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, diz a nossa Carta Magna de 1988".

Espanha ressuscita Franco e restaura ditadura na mídia

Artículo 9. El derecho a la participación en el control de los contenidos audiovisuales.
1. Cualquier persona física o jurídica puede solicitar a la autoridad audiovisual competente el control de la adecuación de los contenidos audiovisuales con el ordenamiento vigente o los códigos de autorregulación.
(trecho da nova lei que regula a comunicação na Espanha, aprovada em março passado)

O título acima é uma provocação, mas poderia estampar a capa da Veja ou do Estadão para se referir à lei citada acima. Ou poderia, ainda, virar manchete na escalada do Jornal Nacional lida pelo William Bonner, ou no Jornal da Globo, pelo William Waack.

Franco não seria problema para ABERT/ANJ/ANER. Já a Confecom é ameaça à liberdade de imprensa.

Feliz ou infelizmente, dependendo do ponto de vista, a mídia tupiniquim não prima pela coerência. Aqui, qualquer tentativa de regulação no setor da comunicação é taxada de stalisnista, autoritária, arbitrária, dirigista e ameaça à liberdade de imprensa.

Para estes veículos — e a maioria absoluta de empresas de mídia filiadas à trinca ABERT/ANER/ANJ* — o termo controle público e social da mídia (ou controle social, termo mais comumente usado) equivale a censura e representa uma ameaça à democracia, ao Estado de Direito, à liberdade de imprensa e expressão e, pelo jeito, até à sagrada unidade familiar.

Nada mais falso.

Controle público e social é um conceito que se traduz sinteticamente por participação da sociedade nos espaços de debate e decisão sobre os temas de um determinado campo social.

Na Saúde, pode-se dizer que é o princípio que dá vida ao SUS (Sistema Único de Saúde). Sem o controle social, não faz sentido existir um sistema voltado a garantir o bom funcionamento de um serviço que visa, por sua vez, assegurar um direito fundamental da população, obrigação do Estado.

A rigor, controle público e social, ao contrário do que acusam as carolas anticomunistas das redações, é uma ideia situada precisamente nos marcos do liberalismo: baseia-se no princípio da soberania popular — “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, diz a nossa Carta Magna de 1988. Pretendo detalhar essa formulação em artigo para breve.

Nos EUA, o conceito mais utilizado é o de accountability – mais vinculado à ideia de transparência e prestação de contas por parte dos serviços públicos, mas também ligado à questão da participação popular.

O professor francês Jean-Claude Betrand desenvolveu o conceito de Media Accountability System (MAS), traduzido no Brasil por “Meios de Assegurar a Responsabilidade Social da mídia” (MARS).
A essência do trabalho de Bertrand está reunida no importante livro “O arsenal da democracia: Sistemas de Responsabilização da Mídia” (EDUSC, 2002), que explica como funcionam conselhos de imprensa, conselhos de leitores, conselhos de ética, o instituto do ouvidor/ombudsman, entre outras experiências.

No Brasil, um dos seus principais seguidores é Fernando Paulino, da Universidade de Brasília (UnB). Não por acaso, Paulino esteve envolvido em todo o processo de mobilização e preparação para a I Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM)— processo similar ao que ocorre na Saúde desde 1941 e em várias outras áreas há décadas, mas considerada pela turma da ABERT/ANJ/ANER uma ameça à liberdade de imprensa.

A gritaria — é o melhor termo para designar a reação da grande mídia às propostas natimortas da Agência Nacional do Audiovisual/Ancinav e do Conselho Federal de Jornalismo/CFJ, entre outras —  mais recente é a criação de conselhos estaduais de comunicação**, a exemplo do que fez o Ceará.

A Constituição de 88 (Art. 224) prevê um Conselho de Comunicação Social para auxiliar o Congresso Nacional. Demorou 14 anos para ser instalado e já está mofando desde 2007, graças à omissão do grande democrata José Sarney (na condição de presidente do Senado, é o responsável pela nomeação dos integrantes do conselho) e ao desinteresse do governo federal no tema.

Para ABERT/ANJ/ANER, Confecom foi tentativa do governo de criar um soviete da mídia (clique na foto para ampliar)

Os conselhos estaduais de comunicação (o de Alagoas existe há vários anos, embora também seja inócuo) são inspirados no que prevê a Constituição, mas ABERT, ANJ, ANER e até a OAB os consideram “inconstitucionais” e, óbvio, uma ameça à liberdade de imprensa.

Já a Confecom ocorreu em dezembro de 2009 e contou com a participação ativa de executivos da Rede Bandeirantes, de empresas de telecomunicações e áreas afins, além de milhares de militantes, pesquisadores, e gestores públicos de todos os estados e do Distrito Federal.

Hoje (9/11) e amanhã ocorrerá, em Brasília, o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, primeiro grande debate após a Confecom.

Promovido pelo governo federal e voltado a especialistas (participação apenas mediante convite), o seminário será transmitido pela NBR (TV do Poder Executivo) e pela web:
http://www.convergenciademidias.gov.br

O seminário é fruto das recentes andanças mundo afora do minsitro da SECOM, Franklin Martins, para conhecer legislações de vários países e dialogar com autoridades da área. O objetivo é preparar terreno para a atualização da legislação brasileira para a comunicação.

Para quem não sabe, este setor é regido, em sua maior parte, pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962 (link aqui). Defasagem pouca é bobagem.


O trecho da lei espanhola que abre o texto é fruto de ampla pesquisa realizada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social sobre a legislação da mídia em vários países. Mais detalhes sobre a pesquisa estão no site da entidade: www.intervozes.org.br
E a tese de doutorado do professor Fernando Paulino está disponível para consulta:
http://www.scribd.com/doc/6883773/tesefernandopaulino

*ABERT: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão / ANER: Associação Nacional de Editores de Revistas / ANJ: Associação Nacional de Jornais


**Recomendo a leitura do artigo “Conselhos fortalecem a democracia”, de Bia Barbosa, Jonas Valente, Pedro Caribé e João Brant (todos do Intervozes), publicado na Folha de S. Paulo (30/10/2010) e disponível no link abaixo:
http://direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=7283

O artigo foi o contraditório ao texto do jurista Hélio Bicudo, publicado na mesma página da Folha. Outrora um dos maiores defensores dos direitos humanos do Brasil, Bicudo é hoje porta-voz dileto das teses ultraconservadoras  que guiam PSDB e DEM. O artigo dele segue abaixo, para que fique registrado o seu lamentável grau de conversão ao conservadorismo. Clique em Leia Mais.

Liberdade de expressão

HÉLIO BICUDO
A liberdade de expressão, que tem na imprensa sua melhor qualificação, não é vista com bons olhos por quantos se sentem intocáveis no exercício da função pública.
Quando os ventos autoritários se fazem sentir, violando os direitos fundamentais da pessoa humana, o primeiro a ser descartado é o da liberdade de expressão, buscando cerceá-la para que a verdade seja ocultada da sociedade civil, embalada pela mentira.
Tivemos episódios na América Latina que bem demonstram o mal-estar de governantes que, embora eleitos inicialmente segundo as normas democráticas, não conseguem aceitar, mínimas que sejam, críticas a seu modo de atuar.
É o que se viu na ditadura Fujimori no Peru e que reaparece em países de nosso hemisfério, alguns deles claramente agindo contra a liberdade dos meios de comunicação e outros, como é o caso do Brasil, procurando, sorrateiramente, o mesmo resultado, mediante o sofisma da “democratização da mídia”.
Das críticas à imprensa escrita, falada e televisiva, diante da dificuldade encontrada pela União em agir segundo um claro sistema de censura, a incumbência passa, numa primeira etapa, aos Estados governados pelo PT.
É o caso do Ceará, que já elaborou lei fiscalizadora e que está sendo seguido por Alagoas, Piauí e Bahia, nos quais se pretende constituir conselhos para atuar no controle dos órgão de comunicação, como se isso devesse ocorrer em benefício do povo.
Ora, basta ler a Constituição, quando trata dos direitos fundamentais, para constatar, no seu artigo quinto, a imposição da inviolabilidade do direito de expressão, independentemente de censura ou de licença.
Acrescente-se que a Constituição impõe a punição a qualquer discriminação atentatória contra os direitos e liberdades fundamentais (inciso XLI do citado artigo quinto).
Na verdade, o reconhecimento dos direitos fundamentais é, sem dúvida, o elemento básico para a realização do princípio democrático. Na lição de Gomes Canotilho, constitucionalista português de notável saber, qualquer que seja a compreensão que se queira atribuir ao princípio democrático, parece inequívoco que, dentre outros, o exercício democrático do poder implica o livre exercício do direito de liberdade de expressão, que é, ao lado de outros, constitutivo do próprio princípio democrático.
Vai daí que, no ensinamento de Hans Kelsen, na ideia de democracia há dois postulados, considerados primordiais do ser social: a reação contra a coerção resultante do estado de sociedade e o protesto contra o tormento da heteronomia, ou seja, a submissão de tício a terceiro.
Desde que concretizados os conselhos estaduais de real censura à mídia, que se irão multiplicar segundo as imposições do poder central, passar-se-à à regulamentação deles pelo governo federal, sob o pretexto de uniformiza-los.
É, sem dúvida, a estratégia de impor censura aos meios de comunicação e, em especial, à imprensa, ideia que fora enunciada pela Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) em 2009, por convocação do governo Lula.
É preciso, pois, que a vigilância pela sociedade civil não se deixe esmorecer diante da euforia que o desenlace eleitoral possa ensejar a este ou àquele, mas continue mostrando que não se conforma com aventuras antidemocráticas.
HÉLIO BICUDO, 88, advogado, é presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Foi vice-prefeito do município de São Paulo (gestão Marta Suplicy) e deputado federal pelo PT-SP (1990-94 e 1995-98).

Fonte: Conexão Brasília Maranhão

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