PICICA: "História real de um mosteiro trapista invadido na calada da madrugada pela guerrilha islamista, em 1996, na Argélia."
Homens e deuses, Xavier Beauvois, 2010.
São humanistas. Não tomam nenhum partido, senão o da humanidade. Querem ajudar as pessoas e está bem. Não se metem na política e não fazem questão de formar opinião. Permanecem neutros no que não podem saber com conhecimento de causa. Sua lealdade está com os pobres. Preferem ficar com o rebanho que lhes compete. Quando o mal absoluto irrompe, alguns estremecem. O instinto de autopreservação protesta. Instala-se o tema da reconversão. Ao final, todos se unem ao redor da missão humanitária, fiéis à devoção pessoal de cada um. Sacrificam-se por um bem maior, segundo o ensinamento de Jesus.
Homens e Deuses trata de pessoas ingênuas que, diante da sentença da morte, não se acovardaram. Fortaleceram-se junto de seu líder espiritual eleito, e foram até o fim. O drama não conclui com os assassinatos, que permanecem fora do plano. Dilui-se na espera ao mesmo tempo pacata e obsedante da violência, abordada sem falsos grandes sentimentos. Dilemas, debates, hesitações, autorreflexões — os frades de esquerda precisam se converter novamente, lembrar para si o real significado de sua profissão de fé. A sequência catártica da Santa Ceia, com vinho e Tchaikovski, beira o kitsch. Longe de frustrar o drama, reafirma o caráter telúrico e mesmo simplório desses pobres idealistas numa terra conflagrada pela brutalidade e fanatismo.
A direção mundaniza os personagens, concede-lhes face imperfeita, demasiado humana, ressalta sobretudo que são como nós, nunca deuses nem seus mártires. Se os rostos em close remetem a Carl T. Dreyer e o minimalismo cênico a Robert Bresson, nada há aqui de transcendental. Nesse filme, o sentido de Jesus está na terra, e afirma a vida no contato com o outro. Menos sacrifício que generosidade. Xavier Beauvois está consciente da contradição inerente à própria existência do mosteiro. Aí também está a oposição entre colonizadores e colonizados, que o filme tinge de um multiculturalismo duvidoso. Mas isso não afasta a simpatia de toda a composição pelos que provam estar vivos, por não temerem morrer como homens, isto é, uma única vez.
História real de um mosteiro trapista invadido na calada da madrugada pela guerrilha islamista, em 1996, na Argélia. Sete monges foram sequestrados e eventualmente assassinados (num caso até hoje mal-resolvido). É um filme modesto, que prima pela simplicidade, com que narra a tragédia de pacifistas e ingênuos consumidos pelas fogueiras da história.
Fonte: Quadrado dos Loucos
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