abril 18, 2011

"Há algo de podre em Bruzundanga", por Luiz Ricardo Leitão

PICICA: "(...)o imbróglio entre o capital e a política nesta era ‘pós-moderna’ assume ainda novas facetas mais cínicas e sórdidas(...)"
Imagem postada em gutocarvalho.blogspot.com

Há algo de podre em Bruzundanga




Mafiosos e empresários, hoje, são as duas faces de uma única e aparentemente sólida (prestes, portanto, a desmanchar-se no ar...) moeda
14/04/2011

Luiz Ricardo Leitão

Não, meu caro leitor, eu não me ocuparei nesta semana das histéricas declarações do ‘nobre’ deputado Bolsonaro. Não digo que seja muita vela para pouco defunto, pois sei que ele vocaliza posições de um segmento nada invisível de nossa conservadora sociedade. Seu racismo e homofobia, porém, são tão caricatos, que fizeram até levantar do sarcófago o colega Jarbas Passarinho, que, após décadas de serviços prestados à ditadura, disse à mídia que odeia “radicais”, sejam “de direita ou de esquerda” (!).

Há, de fato, outros processos em curso – menos estridentes, mas bem mais poderosos e letais – a merecer a atenção de todos nós. Eles vão muito além de discursos ou embates ideológicos e avançam ainda mais rápido do que os aviões da OTAN sobre os céus da Líbia e da África. Como advertiu há pouco o economista José Luís Fiori, existe uma nova corrida imperialista no planeta e o continente africano, assim como o Oriente Médio, é, sem dúvida, um dos palcos centrais deste movimento.

Desde o fim da Guerra Fria e o fiasco dos EUA na Somália (1993), Tio Sam passou a empunhar a bandeira da “globalização e democracia” para a Mãe África, preocupando-se apenas com as reservas de petróleo e o controle de grupos islâmicos e dos ‘terroristas’ em áreas ao norte do continente. Mas a roda do mundo girou e não foi possível deter a invasão econômica dos países do BRIC, cuja presença em solo africano é mais efetiva do que os mísseis da OTAN. Por isso, pondera Fiori, não é improvável que as potências envolvidas nessa disputa geopolítica voltem a pensar na recolonização de algumas nações que elas um dia já ocuparam e dizimaram.

São as metamorfoses infindas do capital, que não pressupõem, contudo, o fim do império ianque – afinal de contas, a desregulação dos mercados e a flexibilização do dólar (que continua a ser a moeda chave do sistema) conferem aos EUA “um poder monetário e financeiro sem precedente na história”. Por outro lado, o imbróglio entre o capital e a política nesta era ‘pós-moderna’ assume ainda novas facetas mais cínicas e sórdidas: os aviões franceses e as bases aéreas italianas estão a postos para os ataques à Líbia, mas como se resolverão os negócios firmados entre Sarkozy, Berlusconi e Kadhafi?

Mafiosos e empresários, hoje, são as duas faces de uma única e aparentemente sólida (prestes, portanto, a desmanchar-se no ar...) moeda. Como escreveu o italiano Roberto Saviano, em obra recém-lançada no Brasil, “a política é súdita dos negócios” – e, por isso, também se curva aos negócios da máfia nos quatro cantos da Itália e mais além... Assim, já não importa se o comércio é ‘legal’ ou ‘ilegal’: cocaína, cimento, armas, construção civil e coleta de lixo se tornaram ramos de atividades controlados pelos clãs corporativos da Camorra napolitana, da ‘Ndrangheta calabresa e da Cosa Nostra siciliana.

De fato, os novos grupos empresariais mafiosos são capazes não só de obter vultosos contratos públicos para erguer prédios ao sul e ao norte da Itália, como também de prestar serviços à OTAN, como fez o clã Zagaria, que construiu a central de radar instalada nas imediações do lago Patria, um ponto estratégico para as operações militares da Organização no Mediterrâneo. Em suma, se a guerra nada mais é do que uma condução da política com outros meios (apud Von Clausewitz) e a política vem a ser a guerra dirigida com outros meios (segundo Foucault), Saviano conclui que os clãs empresariais da Itália “não são outra coisa senão economias que usam todos os expedientes para vencer a guerra econômica”.

Quando vejo um posto de gasolina de um vereador de Bruzundanga vender cocaína com cartão de crédito a caminhoneiros, dou-me conta de que até nessa área os malandros da pátria ainda são meros aprendizes dos mestres de além-mar. Os nossos executivos decerto aprenderão muito com a velha bota, mas não custa nada indagar que negócios cá estão a promover esses dublês de políticos & empresários...

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.

Crônica publicada originalmente na edição 423 do Brasil de Fato.

Fonte: Brasil de Fato

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