abril 29, 2011

Serviço Social & Saúde Mental

PICICA: "Vai daí que só se desperta interesse público, via mídia, se formos ao encontro de novas formas de vida, novos agenciamentos, nova comunhão entre homens e mulheres na construção da cidadania seqüestrada dos “loucos”, da subjetividade que lhes foi negada, da luta contra ultrapassadas formas de racionalidade e da transitoriedade do conhecimento. Alguns caducam em pouco tempo."
Angela e Vanderléia - Foto: Rogelio Casado, Manaus, Abril 2011

Serviço Social & Saúde Mental

         Com o generoso convite de Vanderleia e Angela, estagiárias do Serviço Social do Projeto Nós & Voz, do qual sou coordenador técnico – projeto a ser abordado noutro artigo –, fui ao complexo universitário da ESBAM numa destas noites da semana que passou. Foram três horas de palestra, com direito à leitura crítica das políticas públicas de saúde mental, e incursão sobre a história da aventura da humanidade no convívio com o mais trágico dos saberes: a loucura.

         Fui recebido por duas turmas de estudantes num enorme salão, acompanhados de suas professoras, cujas disciplinas trabalham os conteúdos das políticas públicas. Pouco mais de sessenta alunos ouviram atenciosamente o palestrante, no que pese apenas duas delas manifestaram interesse pelo campo da saúde mental. Uma delas, curiosamente, sobre a associação entre Saúde Mental e Economia Solidária, em torno do qual giram as atividades do Projeto Nós & Voz, acima mencionado.

         Seria precipitação afirmar que o desinteresse coletivo sobre o tema é exclusivo da comunidade acadêmica. Certamente, há aí algo a pensar. O fato extrapola a academia, embora ali tenha feito morada. O que ocorre pouco difere do silêncio que reinou na sociedade, após os fecundos anos 1980, quando colocamos o Amazonas no mapa da Reforma Psiquiátrica. Penso que o silêncio e a mudez tem entre outras fontes a perda de rumo do setor na década seguinte, ainda que alguns aleguem que estavam envolvidos numa prosaica tarefa caseira: desospitalizar os internos. É pouco, para um real compromisso com a principal bandeira da reforma: desinstitucionalizar a loucura. Tanto que o significado e prática deste novo paradigma ficou inteiramente desconhecido até o início deste século.

         Mesmo o silêncio da mídia tem relação com a ausência de obra que sucedeu o início da década de 1980, marcada pelo fim da associação entre violência e corrupção no único hospício de Manaus, até o fim daquela década, quando se deu a desarticulação da equipe que iniciou a experiência de reorientação do modelo de atenção em saúde mental. Se ela não atingiu pleno êxito, deve-se aos mesmos fatores que impediram a continuidade do processo da desinstitucionalização desejada, encarnados em agentes interessados na manutenção do velho status quo. Não eram poucos. Vai daí que só se desperta interesse público, via mídia, se formos ao encontro de novas formas de vida, novos agenciamentos, nova comunhão entre homens e mulheres na construção da cidadania seqüestrada dos “loucos”, da subjetividade que lhes foi negada, da luta contra ultrapassadas formas de racionalidade e da transitoriedade do conhecimento. Alguns caducam em pouco tempo. Mantê-los tem-nos custado uma grande tensão no campo dos afetos e uma enorme coação à potencia de nossos intelectos e à liberdade de ação. 

          É a potência da informação, da circulação da palavra que pode nos levar em direção ao saber que liberta, abrindo caminho para a retomada dos princípios que norteiam o modelo de atenção de saúde mental vigente no país, e que ainda é muito incipiente no estado do Amazonas. 

Manaus, Abril de 2011.

Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
www.rogeliocasado.blogspot.com

PICICA: Artigo publicado no jornal Amazonas em Tempo, no caderno Saúde & Bem Estar, que sai aos domingos.

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