abril 21, 2011

"Legalizar todas as drogas", por Bruno Cava

PICICA: O que a entrevistadora do programa da Globo News faz no vídeo abaixo não é jornalismo, com J maiúsculo. Ao invés de abrir o contraditório, de maneira inteligente, ela reage invocando sua condição de mãe de adolescentes para se contrapor à posição crítica, assumida pela pesquisadora Gilberta Acselrad, sobre a política anti-drogas vigente na atualidade, incapaz de dar conta da complexidade da questão do uso e abuso de drogas na sociedade atual, e quem tem nos EUA a liderança de uma política desastrada que mal disfarça os interesses geopolíticos em jogo.  
De: | Criado em: 28/12/2010
Entrevista muito esclarecedora concedida pela Educadora Gilberta Acselrad a um programa da Globo News, pertencente à Rede Globo. Resta evidente a postura do discurso oficial, midiático, proibicinista, lugar-comum, ineficiente e falido, frente à intelectual que não se limita a repetir as "soluções" propagandeadas e busca conhecer de verdade o "problema das drogas". Parabéns Gilberta Acselrad!

A mídia carniceira vibrou com a fala pró-legalização do deputado federal Paulo Teixeira, num debate sobre política de drogas. O líder do PT na Câmara defendeu abertamente a descriminalização da maconha e propôs a criação de cooperativas de usuários para o plantio seguro. Uma declaração corajosa, levando em conta o afastamento de Pedro Abramovay do ministério da justiça, em janeiro, depois de posicionar-se pela despenalização de pequenos comerciantes de substâncias ilícitas.

No fundo, Paulo não falou nada revolucionário, senão no ato performativo de falá-lo na condição de parlamentar. Repetiu uma tendência do direito brasileiro e mundial em despenalizar o usuário, mantendo a repressão sobre o comércio.

O debate ainda se pauta demais por parâmetros liberais. Isto é, discutem-se os limites: até onde se deve proibir, em que ponto traçar a linha entre ingerência estatal e liberdade individual. Nessa direção, sustentar que ao estado cabe educar sobre os efeitos, controlar a qualidade e oferecer tratamento aos viciados, mas não invadir a esfera pessoal da escolha.

Que não deixa de ser bastante razoável. Não há delito de autolesão e existem milhares de drogas lícitas cujo uso descontrolado tem potencial agressor igual ou maior do que as ilegais. Bastam citar o cigarro e a bebida alcóolica, vendidas em qualquer boteco, ou então fármacos tarja-vermelha e preta: analgésicos, estimulantes, remédios para regime, ansiolíticos como o Rivotril. Este último, consumido ma$$ivamente no Brasil (viva a “Nação Rivotril“), induz aguda dependência, é altamente incapacitante, e sua sobredose conduz ao óbito.

Não se trata de “liberar geral”. Legalizar significa estabelecer marcos regulatórios que prevejam racionalmente os usos para cada substância. É botar uma bula na maconha, cobrar imposto e impedir que seja misturada com o crack. É esclarecer a respeito de dosagens recreativas (e seus riscos) para o lança-perfume e o ectasy, mas restringir a heroína a reservadíssimos usos medicinais (para doentes terminais de câncer, por exemplo). É viabilizar o uso religioso do Santo Daime, bem como o uso artístico do LSD.

Nenhuma droga é perigosa em si (aliás, nada é perigoso em si). O perigo consiste em usá-la de modo errado, desinformado, imaturo. Como o carro, o sexo, o Big Mac, a arma de fogo. Aí a interdição resta tão nefasta: descontrola o uso ao invés de discipliná-lo, incentiva-o em vez de esclarecer a respeito, incita a violência e a guerra em vez de combatê-las, e corrompe profundamente o sistema policial e, assim, a própria democracia.

É preciso ir além desse debate liberal, e abordar como a proibição de certas drogas constitui peça de uma engrenagem com rendimentos econômicos, eleitorais e políticos. Ultrapassar a discussão dos limites significa desnudar a malha de relações de poder e regimes de acumulação implicados na economia das drogas. Ser materialista.

Porque não adianta continuar chovendo no molhado, e ficar só repetindo o quão absurdo é abraçar a política de drogas com o sistema policial/penal. Isso já se sabe. O caso está que a legalização não interessa a quem lucra — financeira, eleitoral ou politicamente — em cima de monopólios de produção e venda, e do controle social reflexo, realizado em nome do “combate às drogas” (ex.: a ocupação do complexo do Alemão).

Desbaratar essa máquina de gestão violenta do ilícito, — o que o filósofo Michel Foucault chamava “economia das ilegalidades” — não passa somente por argumentos racionais, mas por uma luta política, que legalize todas as substâncias e desmonte as empresas lucrativas de drogas entranhadas unha-e-carne com a atuação do estado.

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A ocasião me concede a licença para reproduzir a tábua dos dez argumentos do Quadrado dos loucos, sobre a proibição das drogas ilícitas:

A criminalização da circulação de uma substância:

1) não coíbe efetivamente o consumo;
2) não desincentiva a demanda;
3) fortalece a aura de rebeldia jovem, ao redor da clandestinidade;
4) conduz à territorialização armada da venda;
5) motiva a violência na defesa e conquista dos territórios monopolizados;
6) motiva a violência policial em resposta, mesmo como pretexto para outras ações;
7) inflaciona o preço, contorna os impostos e reduz drasticamente a qualidade do produto, multiplicando os lucros da cadeia produtiva;
8) facilita a corrupção da polícia, a formação da milícia e o caixa 2 de campanhas eleitorais;
9) confere um corte classista à violência, incidindo sobre populações mais pobres, acentuando o estigma social e racial;
10) financia a máfia internacional, que aufere os principais dividendos do negócio e os utiliza noutras atividades muito piores (tráfico de armas, de mulheres), estendendo tentáculos aos governos nos mais diversos níveis institucionais.

Por tudo isso, nenhuma droga deveria ser assunto de polícia, mas de saúde pública. Como o cigarro e a bebida alcóolica.

Aproveito também um post do escritor Alex Castro, em seu blogue. Trata-se de vídeo em que uma militante pró-legalização rompe fragorosamente o consenso de almoço de domingo da classe-média. Observar a reação desconcertada da entrevistadora, que se apressou em apelar ao argumento “e-meus-filhos?!“. (Vídeo acima)

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