Que Venha a Mídia Tática!
Por Tatiana Wells e Ricardo Rosas
Um espectro ronda a cultura - o espectro da mídia tática. Desafiante, brincalhona, iconoclasta e consciente, a mídia tática não tem papas na língua para por em questão os padrões do bom gosto, da apatia social, da prática artística ou da assepsia ideológica das novas mídias.
A partir dos anos 80 e com o advento de tecnologias baratas, uma nova forma de ativismo começa a surgir levada pela idéia de nomadismo e resistência. Esses movimentos visam oferecer uma outra maneira de pensar a função transgressiva da comunicação, muitas vezes através de um discurso estético. Essas características vêm tanto dos movimentos de contracultura dos anos 60 quanto da versão européia de estética revolucionaria vanguardista. As vanguardas mudaram o lugar da arte das galerias para as ruas reintegrando-a à práxis da vida, mas a experimentação cultural não pode ser privilégio de uma política ou movimento assim como a arte não precisa mais ser a expressão maior de uma superioridade moral.
Mídia Tática é um conceito que se firmou nos anos 90, fruto de práticas de ativistas de mídia e festivais de novas mídias na Europa e nos EUA. Seu fundamento básico é a produção "faça-você-mesmo", realizando um uso diferenciado das potencialidades de comunicação tornadas possíveis graças à crescente acessibilidade de materiais e equipamentos de mídia.
Desvinculada de interesses de mercado e de agendas ideológicas associadas aos grandes meios de comunicação, a mídia tática dá voz a todos aqueles excluídos desses meios: classes desfavorecidas, minorias (raciais, sexuais, etc.), comunidades alternativas, dissidentes políticos e artistas de rua, entre outros.
Mídia tática usa não somente os meios usuais, mas também os espaços públicos - não como mera maquiagem urbana, mas voltada a questões de interesse geral, e por isso sua natureza híbrida misturando cultura popular, cultura oposicionista e mesmo a cultura de massas. Daí também sua vasta abrangência, que vai da reutilização de mídias tradicionais como tv, rádio, vídeo, meio impresso e artes em geral, a web sites, produção de softwares e todo tipo de mídia eletrônica, incluindo igualmente, se for o caso, performance, djs e teatro de rua. Rua = esfera pública alternativa que permite uma maior interação entre obra e audiência. Mídia como entendimento de seu próprio potencial criativo, e a conscientização como um processo critico contra a hegemonia deformadora.
Isso não quer dizer que ela seja somente uma mídia alternativa, pois o conceito de mídia tática foi criado justamente para fugir destas dicotomias - amador vs profissional, alternativo vs. mainstream - baseado-se justamente na flexibilidade de suas extensões, de suas respostas, assim como no trabalho colaborativo e em sua mobilidade entre as diferentes mídias. O mais importante são as conexões temporárias que conseguem ser feitas através dela.
Mas qual o sentido de um "Laboratório de Mídia Tática" no Brasil?
Ocorre que muita gente tem produzido mídia tática por aqui, mesmo sem saber que o que fazem tenha um nome. Seja intervenção urbana, usos táticos da arte, da web, de rádios piratas, fanzines e por aí vai, o fato é que estamos assistindo a um verdadeiro boom de mídia indie no Brasil. Algo que não se poderia deixar passar despercebido. Além disso, urge uma inclusão digital que contemple, por exemplo, quem não possa bancar um micro. O conceito de mídia tática, então, pode ser adaptado à realidade brasileira ao propor alternativas, formas de mobilizações que propagam circuitos interdependentes. Essas buscas por autonomia falam sobretudo de educação, disseminação tecnológica inclusiva e relações centro-periferia.
Antropofagizamos práticas de mídia para, além de propor a coletividade e autonomia das relações produtivas, reconhecer igualmente a periferia - somos todos periféricos em relação ao Império - como realidade marginalizada e, antes de tudo, expressão primeira da lógica colonizada das culturas latino-americanas.
O estudo dessas praticas, através de um laboratório, demonstraria como utilizamos, consumimos e passamos adiante essas representações, pois já sabemos que as usamos muito mais criativamente do que supomos. Um laboratório, sendo um espaço de experimentação, de troca de informação e experiências, e um local em que químicas insuspeitadas acontecem. Um laboratório de mídia tática é um espaço em que todos nós somos artesãos de nossa mídia. Onde todos podem produzir, interferir, recombinar, informar a nossa realidade ordinária e assim voltar aos pequenos mitos cotidianos. Os praticantes de mídia tática são aqueles que não somente produzem suas histórias locais, seus dramas, alegrias e preocupações, como também as protagonizam.
Seja você a sua mídia, esse é o nosso lema!
E parafraseando o antropófago-mor,
"A nossa independência ainda não foi proclamada".
Contra a realidade social, vestida e opressora, catalogada de estatísticas e personagens de novela. Contra as guerras santas, os reality shows e os tráficos de sonhos disfarçados pela conivência dos jornais espetaculosos ante a anestesia e a cegueira de quem vê apenas o lado de cá das grades que se auto-impõem - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias de um outro mundo possível.
http://mtb.midiatatica.info/in_manifesto.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário