abril 08, 2011

O parecer do movimento socioambiental "SOS Encontro das Águas" que o deputado Sinésio Campos não leu

PICICA: Repostamos o denso parecer sobre a delimitação do IPHAN para o Tombamento do Encontro das Águas elaborado pela bióloga Elisa Wandelli, integrante do movimento socioambiental "SOS Encontro das Águas". Recomendamos a leitura deste importante documento científico, omitido pela caravana liderada pelo deputado Sinésio Campos por ocasião da audiência com a Ministra da Cultura. Em tempo: o movimento "SOS Encontro das Águas" está agendando uma audiência com a ministra, com o objetivo de instalar o contraditório, garantindo assim a criação da Área de Conservação do Encontro das Águas "Thiago de Melo". Seria uma justa homenagem ao poeta que canta e defende o Amazonas, por ele chamado de "Pátria das Águas". Este post é dedicado a Ana de Hollanda, com açucar e com afeto.

Pelo Tombamento e Criação da Unidade de Conservação do Encontro das Águas

PICICA: "Foi um grande erro estratégico o IPHAN-AM não ouvir o movimento SOS Encontro das Águas, a sociedade científica e comunitários da região para estabelecer a delimitação do tombamento do Encontro das Águas".
 Parecer sobre a delimitação do IPHAN para o Tombamento do Encontro das Águas

Elisa Wandelli
Bióloga – SOS Encontro das Águas

Contextualização do Parecer
Em reunião do movimento SOS Encontro das Águas realizada no dia 22/10 decidiu-se por apoiar o tombamento proposto pelo IPHAN, por ser a única alternativa ao não tombamento nos concedida, pois a Notificação publicada no Diário Oficial em 11/09/2010 permitiu somente a faculdade de anuir ou impugnar a iniciativa do tombamento. Portanto, o presente parecer sobre a delimitação irrisória do Tombamento do Encontro das Águas proposta pelo IPHAN-AM objetiva tão somente demonstrar o quanto foi importante que pelo menos o polígono proposto pelo Instituto (Figura 1) tenha sido tombado como Patrimônio Cultural e Natural.


Foi um grande erro estratégico o IPHAN-AM não ouvir o movimento SOS Encontro das Águas, a sociedade científica e comunitários da região para estabelecer a delimitação do tombamento do Encontro das Águas. Enquanto ambientalistas, cientistas e comunitários não foram ouvidos pelo IPHAN-AM, apesar dar inúmeras solicitações do movimento SOS Encontro das Águas, os defensores da construção do terminal portuário Porto das Lajes no Encontro das Águas foram os únicos convidados a constituir a comitiva oficial do IPHAN que sobrevoou de helicóptero a região e tiveram acesso antecipado do polígono de tombamento, segundo pronunciamento do representante da Lajes Logística no Jornal A Crítica em 05/11/2010. 

No entanto, todos os membros do Encontro das Águas reconhecem a importância do tombamento do Encontro das Águas para o qual tanto trabalharam e contaram com a ética e o espírito de defesa do bem comum de diversos homens públicos, pesquisadores, escritores e artistas e instituições como, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, CPRM e IPHAN Nacional.

Este parecer objetiva também subsidiar as instituições competentes e a sociedade para a necessidade de ampliação, em relação a área que foi tombada pelo IPHAN em 04/11/2010, da área a ser protegida pela Unidade de Conservação do Encontro das Águas (Figura 2 e 3), a ser criada pelo Instituto Chico Mendes. A criação de uma Unidade de Conservação será fundamental para a efetivação do Tombamento do Encontro das Águas, pois, uma Reserva Federal possui instrumentos gerenciais, jurídicos e financeiros que por meio do plano de manejo permitirá o planejamento participativo, o zoneamento, a educação ambiental, a recuperação ambiental, a criação de alternativas econômicas, a pesquisa, o monitoramento e a fiscalização.


O que o Tombamento do IPHAN excluiu do Encontro das Águas
Delimitar o Encontro das Águas, realmente e uma ação complexa e demanda diferentes ciências como a hidrologia, a ecologia, a antropologia, a limnologia, assim como os saberes locais sobre este fenômeno. O significado ecológico e paisagístico do fenômeno foi subestimado pelo IPHAN-AM,  já que estabeleceu um polígono da área a ser tombada que contempla apenas  5%  da amplitude geográfica do Encontro das Águas. O polígono de tombamento excluiu fisionomias vegetais, lagos essenciais para a avifauna e a reprodução de peixes, importantes sítios arqueológicos, históricos e geológicos, comunidades tradicionais, reservas já existentes como a da Soka Gakai, a do Exercito e a de Iranduba, além de  ilhas, lagos, paranás e margens de terras-firmes, que obviamente fazem parte do complexo. 

Ilha do Careiro
A ilha do Careiro com seus inúmeros lagos berçários de aves e espécies aquáticas do Encontro das Águas e que constitui uma ilha fluvial, e não a margem direita do rio Amazonas como o tombamento do IPHAN-AM definiu, deveria ter sido contemplada em sua totalidade pelo polígono do Tombamento. Inexplicavelmente o polígono de tombamento do Encontro das Águas abrigou somente uma faixa de 200 m de margem do extremo oeste da ilha do Careiro e excluiu todos seus lagos que possuem estreito sinergismo com o canal principal do rio e constituem território das populações tradicionais que ali vivem.  

Ilha Xiborena
A ilha de Xiborena, por onde no período de cota máxima do rio o Encontro das Águas se inicia em sua porção oeste, na altura do furo do Piracacuia e da Ilha do Marapatá, também só teve seu extremo oriental contemplado no polígono. A ilha Xiborena situada no interflúvio dos rios Negro e Solimões, com suas dezenas de lagos, como o Catalão, abriga tradicional comunidade de pescadores e constitui importante refúgio e área de reprodução para a vida aquática do Encontro das Águas e de toda a bacia hidrológica. A ilha Marchetaria, situada ao lado da ilha Xiborena também deveria ser incluída por ter abrigado a maior parte dos estudos limnológicos do INPA na região do Encontro das Águas.

Ilha de Marapatá
A simbólica ilha Marapatá com suas ruínas, que representava para os navegantes a chegada a Manaus também foi excluída do Tombamento. O escritor Euclides da Cunha, no seu livro Terra Sem História e Mário de Andrade, ao escrever Macunaíma, referem-se à ilha Marapatá. O compositor Armando de Paula e o poeta Anibal Beça na música Marapatá cantam: “É Marapatá, porta de Manaus”. De fronte a ilha do Marapatá inicia-se o Encontro das Águas no auge da estação cheia, quando as águas do Solimões entram no leito do rio Negro pelo ístimo da parte oeste da Ilha Xiborena (Figura 4). 
 
Margens e  terra firme
O tombamento proposto pelo IPHAN-AM não considerou sequer o limite de 500 m de mata ciliar que a Lei Federal estabelece como Área de Preservação Permanente para rios com a magnitude do Amazonas, e somente entre o canal de entrada do Lago do Aleixo e as Lajes areníticas, em uma extensão de 500 m, foi contemplado 200 m de margem de terra firme. No entanto, o IPHAN não esclareceu se considerará como margem na delimitação do tombamento os 200 m a partir da cota da estação cheia ou da chuvosa, e obviamente a Legislação determina que seja a partir da cota máxima do rio. Contudo, no edital de notificação de tombamento do IPHAN foi usada a imagem satélite Google Earth de 1/9/2010, representando o extremo da estação seca, e, portanto conclui-se que a cota mínima do rio foi utilizada para estabelecer os 200 m de margens, o que significa que possivelmente somente as áreas de praia serão contempladas pelo polígono. Na região do Sítio Geológico das Lajes em fonte a Reserva da Soka Gakai o afloramento arenítico das Lages na vazante se estende a mais de 350m dentro do rio Amazonas, o que indica que 40% deste raro fenômeno não serão contemplados pelo tombamento. 

Encontro das Águas termina no paraná da Eva
O Encontro das águas, como se observa nitidamente nas imagens satélites (Figura 5), pode se prolongar sem homogeneizar suas águas até a jusante da foz do Rio Preto da Eva, no Paraná da Eva, a 100 km da foz do rio Negro e não somente até a desembocadura do lago do Aleixo, distante 5 km da foz. Sequer uma arvore adulta de Sumaumeira (Ceiba pentandra), gigante majestosa e típica das várzeas do Encontro das Águas foi contemplada no tombamento. 


Sítio Geológico Ponta das Lajes
O sítio geológico Ponta das Lajes, formado por uma falésia de 90 m de altura, de onde se contempla o Encontro das Águas e por um afloramento arenítico, já tombado como Patrimônio Geológico por sua excepcionalidade na bacia sedimentar amazônica, só foi contemplado a parte inundável das lajes que aflora na estação seca. O Sitio Geológico Ponta das Lajes recebeu o status de Patrimônio Geológico graças ao trabalho dos Professores da UFAM Elena Franzinelli e Hamilton Igreja que registraram a raridade geológica, morfológica, paleológica da falésia e da laje arenítica de aproximadamente de nove ha que aflora na vazante no rio Amazonas sobre as águas do rio Negro. O sítio geológico Ponta das Lages, além de sua importância geomorfológica, pedológica, geológica e cênica, registra importantes arquivos fósseis e arqueológicos como pinturas rupestres, registros líticos e terras preta de índio com suas cerâmicas e urnas funerárias.

Sítios arqueológicos
A densa população de habitantes pré-colombianos que a grandiosidade biológica do Encontro das Águas abrigou propiciou o legado de grande quantidade de sítios arqueológicos constituídos principalmente de ricos utensílios e urnas funerárias  de cerâmicas encontrados nas terras preta de índio, fértil solo de origem antrópica. O polígono de tombamento do IPHAN-AM não incluiu nenhum dos ricos e diversos sítios arqueológicos encontrados sobre terra preta de índio ao longo de toda margem esquerda do Encontro das Águas. Na margem esquerda do rio Negro, na altura da ilha do Marapatá encontra-se um importante sítio arqueológico representante da população indígena existente na chegada dos europeus, caracterizado pelo pesquisador alemão Peter P. Hilbert nos anos 1950 como da fase ceramista Paredão ligadas à Tradição Borda Incisa. Este sítio arqueológico com também o que descreveu a subtradição denominada “Guarita, ligada à Tradição Policrômica da Amazônia”, situado na região do Aeroporto Ponta Pelada e na Refinaria também não foram contemplados no tombamento para que fosse estimulado um processo de resgate, ao menos parcial, e uma recuperação paisagística desta região, atualmente bastante degradada.
 
Em novembro de 2010, durante a vazante estrema, membros do movimento SOS Encontro das Águas mudaram o conhecimento etnoarqueológico sobre os povos do Encontro das Águas, ao registrarem em um levantamento arqueológico na Ponta das Lajes a existência de um importante sítio arqueológico não cerâmico, nunca antes registrado e bastante raro para a região. O sítio arqueológico é constituído de gravuras rupestres e centenas de polidores redondos e ovais, que afloraram na superfície e em abrigos da laje arenítica e que nunca haviam sido registrados possivelmente devido a estarem sempre submersos em outras vazantes e devido a pesquisa arqueológica da região ser centrada mais em sítios cerâmicos do que em inscrições na pedras, que são raras nesta região da bacia sedimentar amazônica. As gravuras rupestres, símbolo da comunicação social de povos que residiam e visitavam o Encontro das Águas consistem de espirais, formas serpentiformes e principalmente cabeças humanas. Este novo sítio arqueológico encontrado nas Lajes na forma de gravuras rupestres, conjuntamente com a raridade paisagística, geológica e paleontológica do Sitio Geológico Ponta das Lages, aumentou ainda mais a necessidade de sua criteriosa conservação. Infelizmente este sítio arqueológico que já é submetido às intempéries hidrológicas porque é anualmente inundado e seus principais painéis passaram décadas submersos, recebem também a ação corrosiva dos resíduos industriais lançados no Encontro das Águas pelo Distrito Industrial da SUFRAMA e pela ação predatória de exploradores do Arenito Manaus das Lages para obtenção do minério para construção civil. Até a década de 80 exploradores de rochas  dinamitaram grande parte das bordas e da superfície das Lajes, o que deve ter causado a perda de muitos vestígios arqueológicos deste sítio.

As inscrições rupestres foram encontradas por membros do movimento SOS Encontro das Águas durante uma tormenta que caiu no dia 06/10/2010 após a piracaia de comemoração do tombamento do Encontro das Águas que ocorreu na RPPN da Soka Gakai e contou com a presença do poeta Thiago de Mello, comunitários da Colônia Antonio Aleixo e demais defensores do Encontro das Águas.

Sítios históricos
O Farol da Pedra do Jacaré (1905) e o Farolete Moronas (1910), situados no Encontro das Águas e representantes maiores da sinalização náutica fluvial do Brasil também foram excluídos do polígono de tombamento. Também não foi incluída no polígono de tombamento a antiga Vila da Colônia Antônio Aleixo com seus pavilhões, casarões e hospitais que constituíram o antigo hospital de hansenianos e que representa importante parte da história da saúde pública brasileira e cuja comunidade foi o baluarte da luta pelo tombamento do Encontro das Águas. Os históricos casarões da década de 40, que em sua maioria foram demolidos em 2009 pelo Governo do Estado do Amazonas, tinham como uma de suas preciosidades arquitetônicas lajotas com desenhos em mosaico do Encontro das Águas.

Reservas já existentes
Não foram incluídos também as Unidades de Conservação já regulamentadas e que poderiam com facilidade fortalecer o tombamento do Encontro das Águas, como a Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) da Soka Gakai, Nossa Senhora das Lajes, criada pelo Decreto Presidencial de 1995, a APA Encontro das Águas do município de Iranduba, criada pela Lei Municipal nº041/2000, e a Reserva do Exército situada entre o rio Puraquequara e Rio Preto da Eva que juntamente com comunidades tradicionais, como a Jatuarana preservam grande refúgio florestal ao leste de Manaus. A RPPN Nossa Senhora das Lajes situada ao lado da recém construída Adutora de Água é um exemplo de recuperação ambiental e paisagística a ser seguido para toda a região do Encontro das Águas. A adutora de água construída pelo governo do Estado em 2010 infelizmente destruiu um importante sítio geológico e degradou severamente a paisagem do Encontro das Águas devido sua arquitetura impactante e nada mimética.

Comunidades tradicionais
Diversas comunidades tradicionais com seus conhecimentos e usos sustentáveis dos recursos pesqueiros e sistemas agroflorestais adaptados aos ciclos dos rios foram desconsideradas no polígono do Tombamento.

Porto das Lajes
Na Amazônia, as hidrovias são preferencialmente prioritárias em relação às Rodovias, devido seu menor impacto na cobertura vegetal. Terminais Portuários que permitam a rápida circulação de mercadorias e que suportam navios de grande calado são fundamentais para privilegiar o transporte hidroviário. No entanto, o local escolhido para a instalação do Porto das Lajes irá causar perdas socioambientais irreversíveis e o plano de mitigação e compensação ambiental apresentado pela Lajes Logística é inconsistente e omisso. Portanto, este, ou qualquer outro empreendimento deverá ser construído em local já degradado, distante do Encontro das Águas, distante dos lagos de desova e de pesca e em local de menor importância paisagística, social, cultural, turística e ecológica. Na imagem satélite Google Earth de 1/9/2010 utilizada pelo IPHAN para traçar o polígono do Tombamento do Encontro das Águas a cota do rio está baixa e há orla de praia é de pelo menos 200m. Portanto o polígono proposto pelo IPHAN não contempla margens de terra firme, assim como também não contempla a área de propriedade da Lajes Logística onde se pleiteia construir o Porto das Lajes. A única área do empreendimento que foi contemplada pelo polígono de tombamento do IPHAN é a área alegável pertencente a União e situada no extremo sudeste do local previsto para a construção do Porto das Lajes (Figura 6).

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