maio 27, 2011

"Por que ir à Slutwalk", por Marjorie Rodrigues

PICICA: "Nós, brasileiras, temos inclusive um gancho recente para o protesto: as declarações do humorista Rafinha Bastos, que afirmou, segundo a revista Rolling Stones, que “homem que estupra mulher feia não merece cadeia, merece um abraço”. Mas, na real, nem precisa de gancho, né."

Por que ir à Slutwalk

por Marjorie Rodrigues

Sábado (04/6), na praça da República, São Paulo, vai acontecer a versão brasileira da Slutwalk, ou marcha das vagabundas. O evento nasceu no Canadá, em resposta a um policial que disse que uma vítima de estupro “pediu” para ser estuprada por causa da roupa que vestia.


A marcha, na qual várias mulheres vestiram roupas provocantes ou lingeries, virou moda. Nos EUA, uma das organizadoras foi a incrível Jaclyn Friedman, co-autora da antologia Yes Means Yes, de quem sou fã. Agora, no dia 4 de junho, a marcha acontece simultaneamente em várias cidades, incluindo Sampa. Mais detalhes sobre o evento, aqui.


Nós, brasileiras, temos inclusive um gancho recente para o protesto: as declarações do humorista Rafinha Bastos, que afirmou, segundo a revista Rolling Stones, que “homem que estupra mulher feia não merece cadeia, merece um abraço”. Mas, na real, nem precisa de gancho, né.

Convivemos diariamente com a dicotomia santa x puta, com o controle da sexualidade feminina. Somos o país do carnaval que escurraça Geisys no intervalo da aula. Um país que continua elegendo Bolsonaros e Malufs. Nada mais apropriado do que uma Slutwalk por aqui.

No entanto, há quem não esteja querendo participar. Por motivos vários. Eis, abaixo, porque eu acho que você devia, sim, ir à marcha.


“Não vou porque estaria me denegrindo. Não sou puta, não quero ser vista como puta, acho que estou assinando embaixo de uma cultura que incita as mulheres a mostrar os seus corpos e reduz a sexualidade delas a isso.”


A ideia da manifestação é justamente tirar a carga pejorativa da palavra puta. Ou vadia, ou vagabunda, ou biscate, como preferir. Não existem santas nem vadias, existem diferentes maneiras de exercer sua sexualidade. A ideia da marcha tampouco é reduzir a sexualidade à exibição. Pelo contrário. Estamos defendendo que as mulheres possam vestir o que quiserem e que nada, nem uma saia curta nem uma gola rolê, dá a alguém o direito de te desrespeitar ou te agredir. Você pode ir à marcha vestida da maneira que bem entender. Estamos defendendo (bom, pelo menos eu estou) que a sexualidade é natural e plural, e que eu tenho direito de seduzir com pouca roupa se essa for a minha vontade. Mas que fique bem claro que a decisão final de fazer sexo e com quem fazer sexo é sempre minha.


“Não vou porque o negócio tá despolitizado.”


A meu ver, toda manifestação de mulheres clamando por mais liberdade e menos estigma sexual é válida, esteja ela oficialmente ligada ao movimento feminista ou não. O churrascão da gente diferenciada, em Higienópolis, estava cheio de gente que só foi ali por pura farra — e isso, de maneira nenhuma, anulou ou invalidou o significado do ato. O recado foi dado: o preconceito de classe de alguns não p0de se sobrepor ao que é melhor para a cidade como um todo. Todo mundo entendeu.


O fato de muitas meninas dispostas a comparecer à marcha não se declararem feministas não é algo necessariamente ruim. Pelo contrário. Acho que, se elas já se sentem revoltadas com a cultura que culpa as mulheres pelo estupro, se elas já se sentem oprimidas pela dicotomia santa x puta, então há grandes chances delas já serem inclinadas ao feminismo: elas talvez apenas não conheçam o movimento direito. Talvez ainda estejam presas a um estereótipo bobo de que feministas são caricatas, ranzinzas, odiadoras de homens. E bem, nada mais eficiente para quebrar estereótipos do que ter algum tipo de contato com o Outro. A Slutwalk colocará as moças que dizem “defendo isso, isso e aquilo, mas não sou feminista” em contato direto com militantes e outras moças que se assumem abertamente feministas. Taí uma excelente chance delas enxergarem as feministas com outros olhos e, quem sabe, se juntarem ao nosso balaio.


“Não vou porque a imprensa só está interessada nas mulheres de lingerie.”


Não há dúvidas de que a imprensa só se interessou pela marcha por causa das moças com pouca roupa. Aposto meu dedo mindinho que boa parte da cobertura sobre o evento o tratará como fait-divers, algo inusitado, bizarro. Aposto outro dedo que ainda vai rolar “vou/não vou” das participantes: manifestante que não for gostosa vai ser ridicularizada. Podem ter certeza de que haverá veículos que tornarão invisível ou pouco visível o discurso que norteia a manifestação. Mas, gente, isso é o que a imprensa já faz conosco todos os dias. E não falo apenas do movimento feminista, mas dos movimentos sociais em geral. São diariamente ‘invisibilizados’ (quando não vilanizados) pela imprensa. Quase todo protesto é abordado pelo viés do trânsito, da baderna, do tumulto. Se a gente passar a se sentir desencorajado a protestar só porque a imprensa pode nos retratar de maneira equivocada, bem, então deixaremos de protestar por completo. Por tudo. A imprensa que se foda, vou fazer o que acho certo. Vou pra rua dizer que não quero mais uma cultura de Malufs e Rafinhas, independentemente do que a mídia vá falar de mim.

Jornalista formada pela ECA-USP, passou por Reuters, editora Globo e Transparência Brasil e hoje bandeou-se para os lados da assessoria de imprensa. Sua grande paixão é a crítica feminista de mídia, assunto sobre o qual fala em seu blog e também foi tema do seu TCC, "Backlash à brasileira: A construção do feminino no jornalismo impresso".

Marjorie Rodrigues

Fonte: Amálgama

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