PICICA: "(...)para a deputada Erika Kokay, que é psicóloga, não se trata de discutir a possibilidade de abrir ou não leitos psiquiátricos, mas de ter hospitais gerais que prestem esse tipo de atendimento. “Se tenho um problema cardiológico, vou para o hospital geral. Por que, se a doença é mental, tenho de ser enfurnada em uma instituição que cronifica o transtorno, despersonaliza?”, questiona."
Reforma psiquiátrica: aumentam repasses a tratamentos extra-hospitalares
Formalizada em 2001, pela Lei 10.216, mudança no atendimento completa dez anos com avanços no tratamento integrado aos portadores de transtornos mentais, mas redução de verbas do SUS a hospitais ainda provoca polêmica.
Brizza Cavalcante
A deputada Erika Kokay (PT-DF) vê sucesso na reforma psiquiátrica.
O item mais importante da lei é o que transforma a internação do doente em recurso extraordinário, e não mais na única opção, como ocorria anteriormente. O novo modelo baseia-se no atendimento por uma rede integrada de proteção ao doente e sua família, formada principalmente pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), com o oferecimento de uma série de serviços – da internação à psicoterapia, terapia ocupacional, qualificação profissional e mesmo apoio para moradia. “Passamos do modelo concentracionário para o comunitário”, destaca Roberto Kinoshita, coordenador da área de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde.
Dados do ministério apontam a existência no País de 1.620 CAPs e 3,1 mil pacientes vivendo em residências terapêuticas. Atualmente, essa quantidade de centros é quase quatro vezes maior que em 2002, quando havia 424 CAPs. No ano passado, de acordo com os dados, os CAPs registraram 21 milhões de atendimentos ambulatoriais em saúde mental – 50 vezes maior que a quantidade desse tipo de assistência prestada em 2002 (423 mil procedimentos). Especificamente para crianças e adolescentes, os atendimentos saltaram de 12,2 mil, em 2002, para 1,2 milhão, no período.
Implantado em 2003, o programa “De Volta para Casa” também já atende mais de 3,7 mil pessoas, que recebem R$ 320 mensais ao terem alta de instituições psiquiátricas. As quase 32 mil equipes de Saúde da Família estão sendo treinadas para atender esses pacientes.
Rede hospitalar
Com a mudança no foco do tratamento adotada pela reforma, houve também inversão na destinação dos recursos às entidades encarregadas do atendimento. Em 2009, 68% das verbas já eram investidas em serviços extra-hospitalares, contra 32% destinados aos hospitais. Esse, aliás, é o aspecto mais criticado do “modelo comunitário”.
Beto Oliveira
Mandetta (DEM-MS) questiona os eventuais riscos para os hospitais.
No início da década de 1980, explica Roberto Kinoshita, o tempo médio de internação dos pacientes superava cinco anos. Até 2002, mais de 75% das verbas destinadas a tratamentos mentais iam para os hospitais.
Na rede hospitalar ainda existem 32,7 mil leitos psiquiátricos. De acordo com o gerente de Saúde Mental do Distrito Federal, Augusto César Farias Costa, cerca de 13 mil dessas vagas são ocupadas por pacientes abandonados pela família que não necessitariam mais de internação. Ele acrescenta que o objetivo do sistema hoje é promover a integração dos doentes mentais à comunidade a que pertencem. A internação deve ser prescrita unicamente em situações “que impliquem ameaça à integridade física da própria pessoa ou de terceiros”.
Para Farias Costa, essa concentração do tratamento em hospitais foi fruto da privatização da atenção psiquiátrica feita pelo então Inamps. Segundo ele, entre 1972 e 1982, o “parque manicomial” cresceu 400% no País. Naquele último ano, o número de leitos em manicômios chegou a 400 mil, “atendendo a interesses empresariais que transformaram o doente mental em objeto de ganho”.
Falta de leitos
Mandetta argumenta que, hoje, muitos dos pacientes que deveriam estar internados fazem parte da população carcerária. Segundo ele, 12% dos presos do País têm problemas psiquiátricos. “Se são 500 mil presidiários no total, estimam-se em 60 mil as pessoas com doença mental presas sem tratamento”, contabiliza.
No entanto, para a deputada Erika Kokay, que é psicóloga, não se trata de discutir a possibilidade de abrir ou não leitos psiquiátricos, mas de ter hospitais gerais que prestem esse tipo de atendimento. “Se tenho um problema cardiológico, vou para o hospital geral. Por que, se a doença é mental, tenho de ser enfurnada em uma instituição que cronifica o transtorno, despersonaliza?”, questiona.
Reportagem – Maria Neves
Edição – Rosalva Nunes
A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara de Notícias'
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