PICICA: O artigo abaixo será publicado neste domingo no jornal Amazonas em Tempo, no Caderno Saúde & Bem Estar. Houve por bem antecipar sua postagem, por razões que os leitores certamente entenderão. O Projeto Nós & Voz celebrará no Sábado, 21, o Dia Nacional de Luta Antimanicomial. Daí o convite abaixo ter um caráter especial. Uma personalidade pública que põe mais de 60 mil pessoas na rua, por ocasião de um evento muito caro à sociedade civil, não poderia passar despercebida entre os que lutam por uma sociedade sem manicômios.
Foto: Rogelio Casado
Um convite a Nejme Aziz
Peço sua atenção para o que se segue. Num mundo de desigualdades sociais, econômicas e políticas, há quem afirme que elas decorrem das diferenças individuais das capacidades humanas, da inteligência e da força de vontade. Não é o que pensam Devlin, Fienberg, Resnick e Roeder num estudo sobre as relações entre a sociedade e a educação na América do Norte, como relata a professora Mônica de Carvalho Magalhães Kassar, da UFMS. A análise elaborada pelos autores permite afirmar, a partir da experiência sul-americana, que o discurso das diferenças também tem sido utilizado por nossa sociedade para explicar o sucesso e o fracasso das pessoas, seja no trabalho, seja na escola.
Aqui há um agravante ideológico. Não raro, homens de bem apontam a escola como o espaço para aquisição de conhecimentos necessários para “a cidadania” e o mercado de trabalho. O acesso à escola é quem possibilitaria a ascensão social. Em síntese, nesse discurso as desigualdades sociais ou são apagadas, ou são interpretadas como diferenças naturais entre os indivíduos, segundo os autores citados.
Pessoas com transtorno mental e pessoas com deficiência mental, estigmatizados, sofrem os efeitos dessa inércia cultural que toma o sistema escolar como fator de mobilidade social. O filósofo Bourdieu, segundo esses autores, demonstrou que o atual sistema tende a fornecer a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, atuando como fator de conservação social ao sancionar a herança cultural e o dom social como dom natural.
Quando o “Projeto Nós & Voz”, projeto de extensão da Universidade do Estado do Amazonas, proposto pela Associação Chico Inácio, abraçou a causa da inclusão social de pessoas com transtorno mental e pessoas com deficiência mental, sabíamos que estaríamos enfrentando a imposição de significados consagrados por uma ideologia que legitima e justifica as diferenças, excluindo-as do convívio social. Nesse cenário, apelar para a tolerância para com as diferenças é aceitar o convívio com a desigualdade e a falta de oportunidades.
O Projeto “Nós & Voz” trabalha na construção de novos elementos para uma efetiva inclusão social de pessoas que perderam a oportunidade de acesso à escola e ao mercado de trabalho. E, ainda que pareça paradoxal, temos esperança de abrir novos espaços no campo da geração de renda através da Economia Solidária, tendo como parceiros: o CETAM, a Universidade do Papel, a Secretaria Estadual de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde e o Centro de Formação em Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego.
Além de pessoas com transtorno mental (oriundos dos serviços de saúde mental do SUS) e deficiência mental (alunos da Escola Diofanto Vieira Monteiro, da SEDUC), o público-alvo do Projeto inclui os familiares e pessoas da comunidade do bairro de S. Geraldo em situação de vulnerabilidade social.
No mapeamento da geografia das relações, identificamos o sentimento difuso do sofrimento que une as famílias empenhadas no enfrentamento da realidade acima descrita. Não poderia passar despercebido pelos integrantes do Projeto Nós & Voz o seu empenho em reduzir a desigualdade que afeta a vida das pessoas marcadas pelo estigma da deficiência. Em nome desse compromisso, torno público o desejo daquele coletivo em convidá-la a conhecer e apoiar esse empreendimento solidário.
Manaus, Maio de 2011.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
www.rogeliocasado.blogspot.com
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