maio 29, 2011

"Sou brasileiro tanto quanto tenho olhos claros", por Bruno Cava

PICICA: "É lamentável a capitulação cada vez mais vulgar de certas figuras da esquerda aos tiques de um nacionalismo mixuruca. Da atuação ultranacionalista do deputado “transgênico” Aldo Rebelo (PCdoB) ao integralismo linguístico da Lei Carrion, no Rio Grande do Sul; da esconjuração do Creative Commons pelo Ministério da Cultura, sob a acusação de “interesses gringos”; à absurda percepção de que o ditador líbio Muamar Gadafi lidera uma luta antiimperialista de libertação nacional."


“O verdadeiro patriotismo não tem nação. Toma forma na conspiração dos muitos, no sentimento concreto contra todos que se apropriam do amor à pátria para as suas fábricas de nação e poder.” (Antônio Negri)

Acreditar em algum tipo de nacionalismo como potência para o movimento político, os pobres e a revolução é ignorar toda a memória das lutas neste subcontinente, nas Américas e no mundo. O povo macunaímico não é brasileiro nem quer ser. Somente poderá existir além do brasileiro, pouco se importando para a tapeação do verde-amarelo, a pátria das chuteiras e o samba das mulatas.


Que me importa a história do Brasil? que importa o Brasil, como mistificação? sou brasileiro tanto quanto tenho olhos claros, poderia ser diferente, que não faria a menor diferença — como mobilização do desejo por liberdade e democracia. O amor não tem nação.


E que não se confunda patriotismo com nacionalismo, sob a pena de perdermos uma palavra.


Sim, a língua portuguesa pode ser nossa pátria (esta!), mas somente no quanto tem de mestiça, indócil e mutante, no que propicia e fomenta as relações entre diferentes. Trabalho vivo dos muitos, cuja norma não tem como vir de fora, de lei dos homens ou de código fechado. Vazará sempre dessas injunções normativas, em irrefreável desmedida.


Minha pátria são todos os livres e assim sou de ninguém.


Oswald de Andrade e a antropofagia que nos une já eram pós-brasileiros. Para eles, a questão desliza de como ser brasileiro, para como devir minoria, — uma minoria des-brasileirada. Ou seja, como se constituir na relação com o outro, o estrangeiro, o que ainda não somos. É preciso amar o distante. Por isso, São Paulo é a cidade mais brasileira do Brasil, justamente por não ser. A tal revolução brasileira só acontece quando sai de si mesma.


O ideário nacionalista tupiniquim — do romantismo indianista à Escola da Anta, do tenentismo pós-Paraguai à linha-dura de Médici, das frentes de libertação nacional à velha esquerda velha, — toda essa persistente ratoeira nunca serviu para potencializar nada. Senão como lógica excludente, para fechar o discurso e armadilhar-se numa “alma” proto-fascista e paquidérmica.


“O nacionalismo é uma secreção sublimada de testículos estancados, e mesmo assim consegue, periodicamente, insuflar orgasmo extremo”. Disse um filósofo brasileiro, mas que era o menos.
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PS. É lamentável a capitulação cada vez mais vulgar de certas figuras da esquerda aos tiques de um nacionalismo mixuruca. Da atuação ultranacionalista do deputado “transgênico” Aldo Rebelo (PCdoB) ao integralismo linguístico da Lei Carrion, no Rio Grande do Sul; da esconjuração do Creative Commons pelo Ministério da Cultura, sob a acusação de “interesses gringos”; à absurda percepção de que o ditador líbio Muamar Gadafi lidera uma luta antiimperialista de libertação nacional.


Fonte: Quadrado dos Loucos

Um comentário:

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Rogelio: perfeito. Belíssima entrevista do Cortázar que disse: sou latinoamericano... numa tentativa de evitar o nacionalismo; quando nosso devir humanidade nos leva a uma ética de valorização da vida e não de interesses particulares.
Abraços com carinho, jorge bichuetti
www.jorgebichuetti.blogspot.com