agosto 05, 2011

Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial solicita audiência com a Presidenta da República

PICICA: O governo federal corre o risco de reeditar a versão moderna dos manicômios ou o “hospício para os drogados”. Enquanto isso, no Amazonas, uma tendência semelhante está dando dor de cabeça para os militantes da luta por uma sociedade sem manicômios. Esse tipo de política é um dos efeitos da cópia do modelo norte-americano de "combate às drogas", conhecido como "Diga não às drogas". Para o psiquiatra e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo, Dartiu Xavier, esse modelo é absolutamente ineficaz. Leia matéria matéria publicada na Carta Capital.

Marcha à Brasília - Acervo do Conselho Federal de Psicologia

Belo Horizonte, 18 de Julho de 2011
 
Excelentíssima Dilma Rousseff
Presidenta da República do Brasil
 
Em setembro de 2009, em meio aos intensos e articulados ataques à Reforma Psiquiátrica, ao retorno a velhos argumentos e propostas de reedição do manicômio como solução para a vida dos portadores de sofrimento mental, o movimento social da luta antimanicomial, invenção brasileira pela qual a voz da loucura se faz audível, se dirige à Brasília para defender sua conquista, fazer valer seus desejos e propostas.
Vindos de todos os cantos do país, mais de três mil usuários, familiares e trabalhadores dos serviços substitutivos produziram no cenário do planalto central um real acontecimento político, forçando governo, imprensa e sociedade a reconhecerem sua presença e discurso. A delicada, sensível e politizada recepção feita aos usuários pelo então Chefe de Gabinete do presidente Lula, Ministro Gilberto Carvalho, foi decisiva. Vale lembrar que até aquele momento, a voz do usuário era a grande ausência no debate. Especialistas e mídia, auto-intitulados avaliadores da Reforma Psiquiátrica, propunham, como fazem agora, o retrocesso.
Respondendo à Marcha o governo federal, em especial a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério da Saúde, decide, enfim e após um longo intervalo, convocar a sociedade a debater os rumos da política pública de saúde mental. E, neste fórum _ amplo, democrático, participativo, governo, prestadores, trabalhadores, usuários e familiares discutiu-se e apresentaram suas propostas para o avanço da política. Dentre estas, e como pauta já anunciada, a atenção aos usuários de álcool e outras drogas, os novos sujeitos do perigo social, ameaçados, como os loucos o foram antes, pelas propostas de segregação e exclusão.
A IV Conferência Nacional de Saúde Mental decide, com clareza e coragem, pela não inclusão das comunidades terapêuticas à rede de serviços do Sistema Único de Saúde, reafirmando que o investimento público deve ser dirigido à criação e ampliação da rede de serviços substitutivos e não a lugares e instituições com princípios e formas de atuação contrária à ética que sustenta a prática nos serviços substitutivos: a defesa dos direitos humanos, a liberdade e a inclusão dos usuários no território.
A Reforma Psiquiátrica não tem como sustentar _ ética, mas também financeiramente, dois modelos. Serviços que convidam ao exercício da liberdade não convivem com outros que negam este mesmo direito, os primeiros trabalham para substituir os segundos, esta é a proposta e a lógica.  E mais, sobre este ponto específico, há uma decisão coletiva, democraticamente definida em Conferência para o qual o governo convocou a sociedade a decidir, que não pode ser ignorada. Cabe, portanto, ao governo federal coerência e compromisso com sua escolha e respeito à decisão firmada sob o risco de tornar inócuos os processos democráticos tão caros à sociedade brasileira.
O argumento da existência de uma epidemia de crack, sobretudo, sustenta-se, de fato, sobre a constatação e verificação epidemiológica da questão ou sobre o interesse em provocar o terror social? A intenção dos que fazem tais afirmações pode ser enunciada em público? Suporta _ o argumento da epidemia, a contraposição dos dados sobre esta realidade? Suporta o debate democrático, lúcido e cidadão ou vende a fantasia do juízo final, da sociedade imersa sobre dejetos e restos humanos desgovernados e alucinados?
Um governo democraticamente eleito, como o governo atual, escuta e dialoga com a sociedade e tem nesta posição seu maior patrimônio e responsabilidade. O que o leva ou deveria levar a reconhecer e convidar à interlocução as diferentes posições e segmentos da sociedade. Não foi assim que se conduziu o governo federal quando se propôs a buscar saídas para o problema das drogas, o que o levou à posição de desrespeito às decisões da IV Conferência Nacional de Saúde Mental.
As entidades ligadas à luta antimanicomial e outros segmentos da sociedade envolvidos com o tema solicitam ao governo federal a mesma oportunidade concedida às federações das comunidades terapêuticas. Solicitam em especial à presidenta Dilma Rousseff, ao Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, à Ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, ao Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, a abertura de espaço para o diálogo e apresentação de outras posições e propostas, reivindicando a introdução da pluralidade na discussão e encaminhamento do tema.
Não desejamos de forma alguma que, ao tomar a decisão de incluir o descabido na Reforma Psiquiátrica e no SUS, o governo federal passe à história como aquele que reeditou a versão moderna dos manicômios ou o “hospício para os drogados”, que desrespeitou o coletivo responsável pela construção de uma das mais belas e corajosas políticas públicas deste país. Por que assumir tal ônus? Qual o valor e sentido de buscar na exclusão e na segregação o modo de tratar brasileiros que fazem uso de drogas? Como um governo que propõe seu lema e, portanto, como orientação ética a construção de um país de todos, adota o banimento para alguns recuando de sua intenção de promover a cidadania?
Pedimos e convidamos o governo e sociedade, ao debate: amplo, tolerante e democrático.
Assinam esta solicitação de audiência:
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
Associação Chico Inácio (AM)
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de João Monlevade (MG)
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (MG)
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental do Estado de Goiás (GO
Associação Franco Rotelli – Santos (SP)
Associação Verde Esperança (MG)
Associação Loucos por Você - Ipatinga (MG)
Fórum Cearense da Luta Antimanicomial (CE) 
Fórum Goiano de Saúde Mental (GO)
Fórum Mineiro de Saúde Mental (MG)
Instituto Damião Ximenes (CE)
Movimento dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental da Bahia (BA)
Movimento Pró-Saúde Mental do Distrito Federal (DF)
Núcleo Antimanicomial do Pará (PA)
Núcleo da Luta Antimanicomial da Paraíba (PB)
Núcleo de Estudos pela Superação do Manicômio (BA)
Núcleo Estadual de Saúde Mental (AL)
Núcleo Estadual do Movimento da Luta Antimanicomial (RN)
Núcleo Libertando Subjetividades (PE)
Núcleo Por Uma Sociedade Sem Manicômios (SP)
Conselho Federal de Psicologia

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