julho 21, 2012

"A redenção da Adoção está por conta dos seus Grupos de Apoio. ‘Cegonheiros, Nunca Mais!’", por Nelson José de Castro Peixoto

PICICA: "Escrevo com essa dureza um tema tão afetivo e envolvente, depois de conhecer "No Bico Da Cegonha” – História da Adoção - Abreu, Domingos, Relume-Dumara, 2008. Minhas intuições, constatações históricas e provocações existenciais em relação aos processos de adoção sempre me perseguiram. Meu primeiro encontro desta tensão foi em Manaus, em 1994, quando tendo acolhido a Caroline, e trabalhando a possibilidade de sua reintegração fui interpelado para proceder "legalmente” a entrega da menina para a adoção que teria como pais de origem espanhola, já radicados em Miami e "muito bem de vida”, me diziam os agentes da lei a serviço da criança e do casal de adotantes. O fato ocorrido foi que seus advogados estavam procedendo à "papelada” para a adoção do irmãozinho da Carol que acabara de nascer. Ao saber da menininha ofereceram ou atenderam também ao desejo do casal de adotar os dois. E assim aconteceu. Mas relato que por estranhar a rapidez do procedimento, fui ameaçado e optei a creditar a legalidade da ação. Mas, confesso que nunca se aquietou em mim essa cena. Outras cenas que me atormentavam eram as tristes histórias de devolução." 

19.07.12 - Brasil
A redenção da Adoção está por conta dos seus Grupos de Apoio. ‘Cegonheiros, Nunca Mais!’
Nelson José de Castro Peixoto
Gestor Social das Aldeias Infantis SOS Brasil, em Brasília - Filósofo e Conselheiro de Direitos da Infância
Adital
Escolho o termo "redenção” para falar dos atuais Grupos de Apoio à Adoção. Do hebraico, no sentido de "vingança” ao que se fazia às crianças vendidas aos estrangeiros, dos escravos sem dono, aos miseráveis sem proteção que eram resgatados também como moeda de troca e colocados em liberdade para outro estado de graça e de compreensão comunitária. Os grupos de apoio à adoção se inserem entre os que vingam o passado triste no trato da criança e do adolescente. E os Serviços de Acolhimento com a qualidade requerida e possível, como fazem as Aldeias Infantis SOS Brasil e tantos outros, requerem o reconhecimento de sua atuação na contramão do que acontecia e se criticava dos depósitos chamados internatos de "órfãos” ou abrigos do passado.

A revisitação na história das adoções no Brasil entre 1980 a 1990 ajuda-nos a entender o que significa hoje o que os grupos de apoio à adoção fazem em prol do direito à convivência familiar e comunitária. Sabe-se de alguns advogados inescrupulosos que se aproveitavam da condição de pobreza das classes populares, do sentimento de incapacidade, da aceitação cruel da miséria nas periferias das grandes cidades. Estes advogados ou rábulas, advindos ou já possuídos do ideal da família burguesa, precisavam disseminar a crença de que a criança pode ser salva através de suas intermediações. Valia o troféu humanitário, caso fosse adotada por uma família rica e de preferência estrangeira. Mediação perversa, cruel, falsária que rendia até milhões de dólares quando em série aconteciam as adoções. Encontra-se vastidão de sombras pairando sobre a adoção quando lemos o artigo de conclusão de Curso de História, Anelise M.R.de Araújo (2010), "VÍTIMAS DO DESCASO, OBJETOS DA ILEGALIDADE”: O TRÁFICO DE CRIANÇAS PARA ADOÇÃO ATRAVÉS DAS PÁGINAS DO JORNAL DIÁRIO CATARINENSE (1985-1990).

Escrevo com essa dureza um tema tão afetivo e envolvente, depois de conhecer "No Bico Da Cegonha” – História da Adoção - Abreu, Domingos, Relume-Dumara, 2008. Minhas intuições, constatações históricas e provocações existenciais em relação aos processos de adoção sempre me perseguiram. Meu primeiro encontro desta tensão foi em Manaus, em 1994, quando tendo acolhido a Caroline, e trabalhando a possibilidade de sua reintegração fui interpelado para proceder "legalmente” a entrega da menina para a adoção que teria como pais de origem espanhola, já radicados em Miami e "muito bem de vida”, me diziam os agentes da lei a serviço da criança e do casal de adotantes. O fato ocorrido foi que seus advogados estavam procedendo à "papelada” para a adoção do irmãozinho da Carol que acabara de nascer. Ao saber da menininha ofereceram ou atenderam também ao desejo do casal de adotar os dois. E assim aconteceu. Mas relato que por estranhar a rapidez do procedimento, fui ameaçado e optei a creditar a legalidade da ação. Mas, confesso que nunca se aquietou em mim essa cena. Outras cenas que me atormentavam eram as tristes histórias de devolução.

Minhas leituras, estudos, experiências e indagações tomam minha liberdade acadêmica para relacionar as crianças que apareciam mortas no rio Tevere (Rio Tibre que atravessa Roma)... "Felix culpa”, diriam os romanos convertidos ao movimento subversivo de Jesus. Nessa trilha reflexiva agradeço a invenção da roda dos expostos quando constato o infanticídio a declinar. De advogados de porta de orfanato e dos arredores de lixões suburbanos e degradados constato ter surgido uma nova legislação já triunfada mesmo antes da Nova Lei da Adoção. Fecha-se, portanto, o comércio das "principais práticas utilizadas por pessoas que "compravam” a criança ainda no ventre da mãe (geralmente oriunda das camadas pobres). Prática mediante a assinatura de uma procuração outorgando o direito sobre o infante, posteriormente colocado de forma "legal” em família substituta brasileira ou estrangeira” (Anelise Araújo). Minha mistura fina chega ao delírio para compor a relação desses fatos com os atuais grupos de apoio à adoção que já estão na contramão desse passado. E sobre isso tenho observações valiosas para explicitar o valor que eles possuem.

"A análise das transferências de crianças entre grupos de tradição diferente introduz necessariamente a questão das desigualdades sociais e políticas”, no dizer de Cláudia Fonseca, em "Da circulação de crianças à adoção internacional: questões de pertencimento e posse”. Título grande, mas de fácil entendimento no sentido de que a pobreza/miséria como determinante para o "desejo” de entregar o filho para a adoção. Um gesto desesperado de amá-lo, sendo que sentir-se pobre nesse ponto é decretar-se incapaz de cuidar dos filhos, modelar-se infeliz e oferta-los em busca de "qualidade de vida” que se acreditava apenas ser a família burguesa capaz de assim fazer. Do lado da família, na tipologia de Cláudia Fonseca, pode ser mera ação salvacionista, discriminatória de quem se vê orgulhosamente acima da multidão dos pobres e sem condições de criar sua prole, quer seja por incompetência ou falência de valores. Algo parecido como se acreditassem na impossibilidade das crianças pobres serem felizes no seio de sua família de origem. Uma forma de proibição velada e inconsciente quando o fanatismo de certos grupos de adoção parece colocar na adoção a solução exclusiva da erradicação da pobreza com a falência dos serviços de acolhimento. Grupos que nem querem dialogar sobre a qualidade da relação das cuidadoras residentes e nem da autonomia que essas mulheres devem ter para o relacionamento com as famílias de origem das crianças e dos adolescentes.

Esta outra observação é mais explicitamente otimista, pois escrevo sobre o que tenho observado junto aos amigos do Aconchego, o grupo de Apoio à Adoção que é parceiro das Aldeias Infantis SOS Brasil, em Brasília. A experiência positiva do Apadrinhamento Afetivo e das ações de desenvolvimento da autonomia para os emancipados dos serviços de acolhimento e/ou reintegrados à sua família de origem. 

A ANGAAD empreende sua ação estratégica em crescente resgate histórico para sua atuante credibilidade atual. Os grupos de apoio à adoção conta com técnicos capacitados mais do que apenas voluntários preconceituosos em relação os pobres. Protagonizam e assessoram para que a Nova Lei da Adoção esteja "pegando” como nova cultura de igualdade e de justiça para todos. Nada do que fazem lembrar o passado infame se comparados aos "cegonheiros” de plantão, advogados ou não vendilhões de crianças descritos por Domingos Abreu. Entendem-se como defensores do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, mais do que da rude atuação alienada que se ocupa apenas com a adoção na bitola dos preconceitos de classe. Sim, pois querem casais bem habilitados e fazem busca ativa para as crianças que vão ficando nos serviços de acolhimento sem poderem ser reintegrados. Reinventam formas de lutar para que as famílias com direitos violados e/ ou ameaçados superem as intempéries sociais e garantam que seus filhos estejam protegidos.

Postos lado a lado com os serviços de acolhimento, do CRAS, CREAS, Conselhos Tutelares começam a escrever uma página cidadã como atores de Outro Mundo Possível, pois que se a Lei fenecer, a Ética da Vida vai prevalecer com a Justiça aos pequenos deste mundo.

Fonte: Adital

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