julho 22, 2012

"Greve nas Federais: A (Im)Potência do Não e o Corporativismo", por Hugo Albuquerque

PICICA: Hugo Albuquerque aumenta mais ainda a polêmica: "greve nas universidades federais, entre o negacionismo e o corporativismo."  

Greve nas Federais: A (Im)Potência do Não e o Corporativismo

Praça Cinza (Klee): para além do preto e do branco (daqui)
As universidades federais estão paralisadas devido à greve massiva do seu corpo docente pelo país, marcando o fim da lua-de-mel entre professores e o governo petista - mas essa questão, para variar, está para além dos maniqueísmos habituais. O resumo da arenga é o seguinte: os professores reivindicam salários melhores sob o argumento que a carreira magisterial nas federais, embora exija anos de estudo e titulação acadêmica considerável, remunera abaixo de outros postos no funcionalismo público federal que demandam, inclusive, níveis de graduação inferiores, enquanto o Governo alega a impossibilidade objetiva de atender à demanda em virtude, sobretudo, da emergência econômica causada pela crise mundial.

É óbvio que, mesmo ganhando menos do que burocratas e aspones em geral, os professores das universidades federais ganham muito mais do que um trabalhador médio brasileiro - e que, por favor, não há santos nem vítimas nessa história, uma vez que a greve tem lá seu caráter corporativista, coisa que se percebe ao se constatar que é reivindicado ganhar tão bem quanto os burocratas ou os aspones da República, mas não problematizar social e politicamente a existência desse tipo de parasitagem (o que abre margem para nivelar todos os funcionários públicos no mesmo baixo nível como fazem os privatistas).
O governo petista por sua vez, tem trabalhado para ampliar a verba do MEC - que durante o governo petista, aumentou de forma relevante, com foco, inclusive, na educação superior -, mas tópicos como o plano de carreira estão travados no Congresso. Não, não é fácil furar certos bloqueios no Congresso, mas também há de se dizer que a articulação do governo não está tão empenhado nisso quando deveria - e é provável que o MEC, ao contrário da equipe econômica ou a Casa Civil (ou seja lá quem lhe faça às vezes hoje) esteja mais mobilizado por isso, que afinal de contas é um grande problema para si.

Também não há empenho por parte do governo em forçar algo porque a tendência da política econômica, em meio à crise mundial, é clara (e a crise nas federais não pode ser descolada disso): aquecer a economia menos por investimentos públicos - em um plano nacional de banda larga ou nas universidades federais - e mais por cortes e isenções tributárias. 

A crise, é verdade, impõe limitações econômicas, mas há limites políticos impostos pelas opções assumidas e, sobretudo, pelo método dilmista de fazer política e seu gosto por aquilo que é considerado na mítica da opinião pública como sua firmeza em resistir a pressões - na verdade, uma tendência paranoica frente a demandas multitudinárias, o que a faz ser, em termos práticos, mais lacaniana que os lacanianos na arte de dizer não (e aí vê-se que o NÃO PODE! e a recusa detêm uma natureza tão mais conservadora do que alguns intelectuais gostam de admitir).

Dilma tem seu grande plano para desviar o Brasil da crise mundial, mas ele está no mundo das ideias e não da prática, portanto, diante da sua contextualização histórica, evidenciado pela tensão real das lutas materiais, sua ação é uma reação, um arco-reflexo em certa medida histérico, mas também paranoico. Se parte da esquerda que cultiva a hipótese da alternativa radical ao posto admite a validade, ou cultiva lá sua devoção, à recusa e à negação como elemento de luta, é curioso notar que o maior exemplo de reprodução prático dessa concepção está no governo ao qual eles, não raro, se opõem. Pensem nisso.

Estrategicamente, o movimento de professores não quebrou a lua-de-mel com o governo à toa: com o lançamento da candidatura do ex-ministro da educação, Fernando Haddad, a prefeito de São Paulo, esperou-se uma posição negocial frágil do governo frente à questão - e, quem sabe, uma posição da mídia tradicional um tanto mais simpática à causa, por questões colaterais, eminentemente eleitorais e partidárias. 

Houve um erro de cálculo aí, porque se subestimou a forma e a intensidade da suspensão por negação da ação política que governo atual, diante de pressões frontais, poderia operar. Também foi desconsiderado o empenho pessoal morno de Dilma com o quadro eleitoral em São Paulo. Por fim, esqueceram que a mídia poderia fazer uma opção política e não eleitoral-partidária diante do quadro das greves, isto é, de repente este se tornou um bom momento para voltar a se defender a privatização do sistema educacional e (a acentuação do) desmonte do serviço público - além de ser um flanco para se fazer um movimento tático, (neo)liberal, contra as reivindicações remuneratórias para que, em vez delas, haja espaço para mais cortes tributários.

Outro ponto, é que no Brasil, a distância da ampla maioria dos acadêmicos da vida quotidiana da sociedade é tão gritante que angariar apoio junto às pessoas é quase impossível - ao contrário do Chile, por exemplo. Ainda mais com um acadêmico ganhando (bem) mais do que qualquer brasileiro. Até porque a multidão, que sempre foi mais judiciosa do que o Príncipe, defende que, diante do quadro de disparidade das remunerações em meio ao funcionalismo público federal, os burocratas e os aspones ganhem menos ou nada, não que se brigue para se equipar a eles.

Dilma poderia dirimir essa crise facilmente a golpe de espada da pior forma. E os professores podem terminar tão ou mais humilhados do que os controladores de voo americanos foram por Reagan nos EUA dos anos 80, se além dos jornais, eles forem bombardeados por uma intervenção política direta do Palácio do Planalto que use da emergência da crise ou mesmo da emergência salarial histórica do Brasil - pela disparidade entre vencimentos. Mas é difícil para Dilma fazer isso, uma vez que isso seria confrontar diretamente uma base social histórica e relevante do PT. Se ela o fizer, no entanto, o movimento grevista sairá derrotado.

O que o quadro em questão alude não é o mesmo que (as aparentemente antagônicas) manchetes de jornais e discursos oficiais ou reivindicações dizem: não há vítimas nesse jogo, estamos falando da falência do Estado como forma de intervenção e relacionamento político efetivos, do perigo da volta forma Estado gigante e velada do (neo)liberalismo,  de governos que insistem no estatalismo - Dilma, muito mais do que Lula, o que demonstra uma certa debilidade e desgaste do longo governo petista, mas também das práticas de sua oposição conservadora - e de práticas grevistas corporativistas, desconectadas do contexto social como um todo - inclusive da ideia da universidade ilha, um dos frutos do elitismo e do solipsismo acadêmico. Nem governo, nem grevistas vão na direção correta, e o descompasso entre eles abre espaço para a reação conservadora que deseja, há muito, reverter as conquistas sociais que ela não conseguiu evitar no governo Lula.

Fonte: O Descurvo

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