PICICA: "Não, este não é um post sobre a sorte triste das revoluções, mas sobre a realidade histórica e as limitações reais - não objetivas ou subjetivas, reais - das lutas materiais bem como um chamado à urgência da boa estratégia política - coisa que Maquiavel, ao seu tempo, soube captar de forma tão singela e sublime. Lá (tal como cá) temos tensões de força e vetores, o que não faz com que a experiência vista ano passado seja inválida, nem que, por isso, deixemos de enxergar que estar a haver uma reação relativamente efetiva."
Revisitando a Primavera Árabe
Monet - Lavacourt d'Inverno (daqui) |
Há um ano e
meio, a Primavera Árabe florescia durante o inverno do hemisfério norte,
contudo, em um cruel paradoxo histórico, ela chegou ao seu inverno
ainda na última primavera. Mas no inverno, mesmo em um tão longo e
rigoroso, há vida, sempre houve e haverá.
A irrupção
na Tunísia da revolta que se espalhou pelo mundo árabe, do Magreb à
península arábica, encontrou sua culminância no Egito: de repente, a
Praça Tharir se tornou o centro nevrálgico de um mundo árabe que se
levantava, catalisando uma segunda onda que se espraiou pelo mundo - da
Espanha dos indignados que lotaram a Puerta del Sol até os inúmeros occupy pelos Estados Unidos e pelo mundo (Brasil, inclusive).
Hoje, o que
temos? No Egito, a Irmandade Muçulmana capturou (eleitoralmente) a
Revolução que não fez - nem faria e jamais fará -, enquanto na Líbia, o
Ocidente se aproveitou da balbúrdia geral para estimular uma revolta à la Pancho Villa para derrubar seu
pouco confiável Kadafi - justiçado barbaramente pelos rebeldes -, já na
Tunísia, ainda que de forma mais moderada, os islâmicos estão no poder
e, por fim, o regime baatista da família al Assad está prestes a tombar na Síria, enquanto uma guerra civil sangrenta faz o país arder.
Não, este
não é um post sobre a sorte triste das revoluções, mas sobre a realidade
histórica e as limitações reais - não objetivas ou subjetivas, reais -
das lutas materiais bem como um chamado à urgência da boa estratégia
política - coisa que Maquiavel, ao seu tempo, soube captar de forma tão
singela e sublime. Lá (tal como cá) temos tensões de força e vetores, o
que não faz com que a experiência vista ano passado seja inválida, nem
que, por isso, deixemos de enxergar que estar a haver uma reação
relativamente efetiva.
Sem sombra
de dúvida, não podemos deixar de agir pelo medo da captura ou do
fracasso, mas isso não quer dizer que possamos agir sem concebê-los - na
alegria da imanência. E foi a Primavera Árabe que deflagrou, em termos
práticos, a única experiência política de multitudinária que, durante
esta crise mundial, consigo realmente preocupar e perturbar o Poder -
ainda que, não nos esqueçamos, Wikileaks, e suas revelações sobre a Tunísia, teve um papel fundamental para disparar seu estopim.
No que toca à experiência subsequente dos occupy, como nos ensina o mestre David Harvey: as metrópoles - ao contrário do que todo o pedantismo dos catastrofistas não cansa de exclamar de forma cansada - são o locus
da potência revolucionária contemporânea. A luta segue e os
desdobramentos da Síria e, curiosamente, da política interna israelense,
são cruciais no que toca ao Oriente Médio, bem como o decorrer da crise
na periferia da Europa, sobretudo na Grécia e na Espanha. E onde há a
resistência não há derrota.
Fonte: O Descurvo
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