julho 12, 2012

"Arte-ativismo OMO: a cultura como higienização", por Bruno Cava

PICICA: "Vale pensar: como protestar contra a higienização da cidade com um protesto limpinho, branco, comportado, amo-todo-mundo, “cultural”? Um ativismo OMO que o governo não vê problema algum em tolerar, conviver, e até mesmo patrocinar? Apesar de manifestos e declarações, algumas marchas e eventos “arte-ativistas” acabam por integrar, sutilmente, o mesmo projeto de ordenação desigual e racista das metrópoles. Higieniza-se também para que o “cultural” e o ativismo clean, zonas de conforto da classe média engajada, possam tomar o espaço dos pobres e pretos, das unhas encravadas que tanto incomodam interesses e desvalorizam o capital. Artista assim não faz arte, limita-se a reproduzir a representação dominante com cores mais palatáveis." EM TEMPO: Não deixe de ler a dica da Fabi Borges:
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No sábado passado, participei pela segunda vez do cortejo organizado pelo Opavivará Coletivo. A travessia pelo centro do Rio esbanja cores, panos, faixas, purpurinas, drinks e bastante música. Arte-ativismo por uma metrópole viva, onde a alegria é a prova dos nove. Em que a resistência acontece no interior do carnaval, dentro e contra o plano dos megaprojetos, meganegociatas e megaeventos, que tratora e reaterra o Rio de Janeiro para os ricos. Éramos umas 50 ou 60 pessoas numa marcha de reocupação e transformação da rua em lugar de festa e protesto, apesar do trânsito inclemente, dos canteiros de obra e do policiamento generalizado. Panfletos foram distribuídos, performances individuais se sucederam, um ambulante aderiu à marcha. O cortejo foi da Casa França-Brasil até uma rampa em obras, interditada, que dá acesso à Via Perimetral, entre duas pistas de tráfego rápido. Ali, inusitadamente, muita música, muita dança, os motoristas diminuíam a velocidade, buzinavam e colhiam panfletos.

Foi então que a Guarda, agente do choque de ordem, chegou com uma viatura. Membros do Opavivará deram meia volta nos carrinhos de som e de bebidas, e começaram a descer a rampa. Imediatamente. Não houve discussão com outros participantes da marcha, numa decisão de comitê. Simplesmente resolveram ir embora à primeira vista da possibilidade de repressão. No momento do contato, de tentar fazer da resistência mais do que uma passagem alegre e descontraída pelas ruas, de um make a stand. O camelô, quem sabe mais acostumado a resistir diariamente, estranhou: “até eu tô aqui, distribuindo o material!”. Nessa hora, eu e mais alguns amigos resolvemos ficar para ver no que daria, enquanto o sol se punha na Perimetral. A guarda foi embora e cerca de 50 minutos depois chegaram duas viaturas da PM. Permanecemos, explicando que estávamos numa “ação autorizada”. Recebendo ordens pelo rádio, os policiais diziam que não podíamos mais ficar ali, que se tratava de local vedado a qualquer manifestação, que estávamos atrapalhando as vias rápidas vizinhas. Tudo terminou com a nossa saída diante dos policiais armados. Não havia muito o que fazer. Éramos apenas quatro.

Não escrevo por pretensão de “humilde heroísmo” (como propõe o manifesto do próprio coletivo), mas simplesmente porque entendo que cortejos, marchas e protestos do gênero sejam uma forma de resistência, que ocupa para afirmar uma posição, uma diferença e um descontentamento. É na hora H, do imprevisto, da relação com as forças, que fica mais claro de que um movimento é feito, qual seu caráter diante da violência real, e como ele lida com os medos e inseguranças que afetivamente sustentam o governo das pessoas.

Vale pensar: como protestar contra a higienização da cidade com um protesto limpinho, branco, comportado, amo-todo-mundo, “cultural”? Um ativismo OMO que o governo não vê problema algum em tolerar, conviver, e até mesmo patrocinar? Apesar de manifestos e declarações, algumas marchas e eventos “arte-ativistas” acabam por integrar, sutilmente, o mesmo projeto de ordenação desigual e racista das metrópoles. Higieniza-se também para que o “cultural” e o ativismo clean, zonas de conforto da classe média engajada, possam tomar o espaço dos pobres e pretos, das unhas encravadas que tanto incomodam interesses e desvalorizam o capital. Artista assim não faz arte, limita-se a reproduzir a representação dominante com cores mais palatáveis.

É preciso repensar constantemente os enunciados, para não se tornar engrenagem da mesma máquina de controle social a que se pretende (dizem) resistir.  A memória carnavalesco-militante é vasta em bons exemplos. Imagino protestos cobertos de lixo, com moradores de rua e papelões situacionistas, com gente suja, feia, brancaleônica, fumando crack diante do poder.
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PS. Devo o conteúdo à vivência e conversas com Talita, Gabriel e Diego, com quem compartilhei desse pôr-do-sol tão polivalente.

Fonte: Quadrado dos Loucos

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