Nivaldo de Lima, o 'fotógrafo dos esquecidos', capoeirista, ex-presidente da Associação Chico Inácio, entidade que luta pelos direitos de cidadania das pessoas com transtorno mental, filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, e Vanessa Grazziotin, então deputada federal pelo PC do B, em manifestação de rua alusiva ao movimento afroa-ameríndio.
(Acervo Nivaldo de Lima - 2008)
PLANO DE GOVERNO - SAÚDE - PREFEITA VANESSA GRAZZIOTIN - 65
PICICA: Olhando o conjunto da obra dos candidatos à Prefeitura de Manaus, ao meu ver ninguém carrega em seu currículo compromissos históricos com a luta dos trabalhadores no Estado do Amazonas como Vanessa Grazziotin. Você pode ter restrições às suas alianças. Atire a primeira pedra que não tenha queixas contra o quadro de alianças que sustenta cada uma das candidaturas. Ideologicamente estou mais próximo da candidata do PC do B do que qualquer outra candidatura. Ainda mais que a candidata é a única que explicita sua política para o setor de Saúde Mental. Sabe a estimada companheira que não me furto de fazer minhas críticas, o mínimo que a lealdade entre companheiros exige. Que outras áreas do conhecimento exerçam seu direito de crítica naquilo que lhes compete! Boa sorte na reta final desse primeiro turno. Pelo conjunto da obra, a candidata terá meu voto.
Espremida entre outras propostas de governo para a saúde,
finalmente uma candidatura à Prefeitura de Manaus dá destaque à área de saúde
mental – o patinho feito das políticas públicas.
Foram eleitos três pontos. Quanto ao primeiro, acertadamente
propõe-se a implantação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), cujo
atendimento em nada se parece com os antigos ambulatórios medicalizadores,
posto que a oferta de recursos terapêuticos tem uma dimensão superior ao velho
modelo que se encerra com o hospício que fecha as portas este ano.
A maioria dos CAPS deve ser construída, sim, pois que as
residências que podem ser adaptadas para tal fim não as temos em quantidade
necessária e suficiente nos bairros modestos de Manaus. Vale lembrar que o
desafio de implantação desses CAPS é proporcional ao atraso da municipalização da
saúde em Manaus, cuja assinatura foi formalizada em 2003 entre a união, o
município e o estado. É a ausência da construção de competências que explica o
número modesto de CAPS criados pelo município nos últimos dez anos. No presente
momento, temos apenas dois CAPS (um para adultos e um em que cometeu-se a
façanha de misturar crianças e adolescentes autistas e psicóticas com
abusadores de drogas), o que é absolutamente insuficiente para uma população de
quase dois milhões de habitantes.
Para atender as demandas que vem de crianças e adolescentes
psicóticos e autistas, adultos com problemas mentais severos e persistentes, abusadores
de álcool e outras drogas – sem esquecer o atendimento não se encerra no
atendimento médico, mas se desdobra no atendimento das demandas psicossociais,
incluindo aí desafio de incluir pessoas historicamente discriminadas mediante
projetos de geração de renda, é louvável a segunda proposta, mas há um ruído de
comunicação na medida em que pressupõe a existência de Centros de Convivência,
onde circulam pessoas sem os problemas do nosso público alvo. As experiências
em nível nacional recomendam a construção de Centros de Convivência
específicos, onde poderão ser desenvolvidos projetos de geração de renda para
atender usuários dos serviços de saúde mental. Tal medida não pode ser
entendida como uma prática discriminatória. Os números falam mais alto. Vale
lembrar que mais de trinta mil pessoas circularam nos últimos anos no hospício
público, até então principal referência em saúde mental em nossa cidade.
A terceira mediada - os consultórios de rua - é um
importante instrumento para abordagem da questão do uso e abuso de drogas
disseminadas pelo tecido urbano.
Todas essas medidas irão exigir a qualificação dos recursos
humanos, posto que não basta reunir uma equipe multidisciplinar para atuar
conforme os princípios éticos do modelo psicossocial vigente no país. Para
tanto será necessária a devida formacão e, igualmente, um corpo de supervisores para cada tipo de
serviço implantado. Nomes não faltarão. O Ministério da Saúde dispõe de
experientes profissionais. Vale lembrar que por enquanto, temos formação
contínua de médicos na Residência Médica em Psiquiatria. Falta-nos uma
Residência Multidisciplinar em Saúde Mental, à semelhança da que existe em
Porto Alegre.
Finalmente, a quarta medida deixa a desejar, porquanto
reproduz em nível local medidas tomadas pelo governo federal, que tem como
efeito perverso o fortalecimento do setor privado, contrariando decisão da IV
Conferência Nacional de Saúde Mental. Melhor entendê-la como estratégia
provisória, posto que não há quadros em quantidade suficiente para abrir, a
curto prazo, novos caminhos como os que a Prefeitura de São Bernardo do Campo
tomou sob a administração do Partido dos Trabalhares ao deixar de adotar
modelos que vem sendo denunciados com frequência pelos meios de comunicação,
seja pela ineficiência de seus métodos, seja pela perigosa relação que guarda
com as práticas manicomiais.
Constata-se a tentativa de conciliar o velho e o novo, o que
leva este blogueiro a pensar que a assessoria da candidata do PC do B para o
setor certamente está longe de ser composta por ‘reformistas de araque’. Entretanto,
o deslize mencionado requer cuidados. Precisamos de um caminho independente do
que o governo federal anda propondo para a abordagem da questão dos abusadores
de álcool e outras drogas, sobretudo estas últimas, com a exagerada ênfase no
crack. É sabido o desconforto provocado entre os segmentos que compõem a luta
antimanicomial. A decisão do governo federal atropelou experimentados formuladores
de políticas para o setor, obrigados a engolir a seco acordos que passaram ao
largo das questões técnicas para contemplar acordos políticos. Todo cuidado é
pouco. Esse é o ponto mais vulnerável que irá requerer investimentos em
formação e qualificação se não quisermos repetir o mesmo de sempre.
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