setembro 19, 2012

"A classe operária volta ao paraíso – contribuições para o debate sobre a situação atual da classe trabalhadora (Parte II)", por Daniel Lage (Passa Palavra)

PICICA: "[...]compreendemos que não basta apontar os limites das políticas públicas implementadas pelos governos Lula e Dilma, justamente porque há avanços importantes na diminuição da miséria e no aumento do acesso à educação, por exemplo. É preciso, antes de tudo, recompor quais são as bandeiras das lutas operárias. E assim voltar ao Partido dos Trabalhadores e entender qual identidade de classe, por ele protagonizada, permite que o fim da exploração do trabalho seja posto de lado. Ou melhor, qual é a identidade criada que permite que a intensificação da exploração do trabalho sob condições desumanas, como se viu nas greves das grandes obras do PAC (Plano de Aceleração do Desenvolvimento) em Jirau e Pecém, seja comemorada como conquista da classe trabalhadora.

Por fim, cremos que entender que a realização do projeto do Partido dos Trabalhadores significa uma classe operária que não se enxerga como classe; que se apresenta dócil para as altas taxas de exploração a que é submetida; que está entregue às formas selvagens de extração de mais-valia típicas da periferia do capitalismo; e que comemora e chora junto com os sindicatos patronais o crescimento ou retração do Produto Interno Bruto, pode ser um bom ponto de chegada. Por outro lado, saber que a classe operária continua grande, ou melhor, ela está maior do que nunca; saber que as condições materiais que a colocam no centro da produção da vida na sociedade capitalista se mantêm; que ela permanece no ponto estratégico da luta contra a exploração do trabalho; e por fim, saber que uma nova identidade operária é necessária e possível, é o ponto de partida para as novas lutas."

A classe operária volta ao paraíso – contribuições para o debate sobre a situação atual da classe trabalhadora (Parte II)

Uma nova identidade operária é necessária e possível, é o ponto de partida para as novas lutas. Por Daniel Lage

Leia aqui a 1ª parte deste artigo.

O novo operariado

 

Tentemos deixar de lado a classificação do IBGE sobre os grandes setores de atividade econômica e pensemos do ponto de vista das atividades envolvidas na produção de capital. Quantos trabalhadores hoje estão envolvidos na produção direta de capital? Quantos são hoje os chamados trabalhadores produtivos? Definimos, na esteira de Marx, trabalhadores produtivos todos aqueles que estão envolvidos diretamente no processo de produção de capital, isto é, os que são atores diretos no processo de valorização do valor. São todos aqueles trabalhadores que dentro de sua jornada estão submetidos à extração de mais-valia através da exploração do trabalho [1] – estando envolvidos em um processo de produção de mercadorias, produzem um valor maior do que eles mesmos valem dentro desse processo, cumprindo assim papel fundamental na produção de capital. Ou seja, são trabalhadores produtivos em relação ao capital, mesmo que realizem atividades muito pouco produtivas do ponto de vista humano.

Da mesma forma, definimos como não produtivos para o capital os trabalhadores que não produzem mais-valia, isto é, que não estão inseridos em atividades produtivas de capital, mesmo que exerçam atividades muito produtivas do ponto de vista humano. Assim, a partir dessa definição, estão excluídos do grupo dos produtivos, por exemplo, os trabalhadores assalariados do setor público, os trabalhadores do comércio, atacado e varejo, assim como os trabalhadores das instituições financeiras, os autônomos e profissionais liberais. Por outro lado, estão incluídos no grupo dos produtivos, além dos trabalhadores fabris, os trabalhadores da construção civil, os trabalhadores do ensino privado, os trabalhadores da saúde privada, os trabalhadores dos transportes de cargas e de pessoas, os trabalhadores dos correios e comunicações, da TV e Rádio, os trabalhadores da agroindústria e etc.

Desse ponto de vista, há um grupo bem maior de trabalhadores que cumprem o papel de produtivos que comumente vemos apenas nos trabalhadores da indústria. Afinal, para o capitalista, não importa o que se produz, importa o quanto se lucra com o que se produz, isto é, o quanto de mais-valia é possível extrair do trabalhador independente da atividade que ele exerça. Por conta disso, para além dos ramos mais evidentes na produção de capital, como construção civil e transportes, temos também que considerar novos ramos de trabalho que acabam de ingressar na esfera produtiva. As recentes mudanças na organização do trabalho, principalmente a terceirização, essa “nova forma de empregar”, reorganizou ramos inteiros de atividade que transforma uma série de “prestadores de serviços” nos mais recentes produtores de capital.

 

Um dos ramos que podemos utilizar como exemplo dessa mudança são os trabalhadores da limpeza. Esses trabalhadores a muito são identificados como do setor de serviços e, portanto, não produtivos. Entretanto, a partir do momento em que esses trabalhadores são contratados por uma “empresa de limpeza”, a qual é contratada por outras empresas, de forma terceirizada, para produzir limpeza nos edifícios, nas escolas, nas ruas e etc., esse ramo de atividade passa a ser produtivo para o capital. Pois agora esse trabalhador não está mais “prestando um serviço” e seu patrão não paga a ele um salário para ele limpar as instalações como antes. Agora que esse trabalhador faz parte da “empresa de limpeza X”, ele recebe um salário de um patrão que vende limpeza, e ele agora é um operário da limpeza, pois fabrica uma mercadoria, “coisas limpas”, que vale mais do que ele mesmo recebe. Apesar de não ser tão palpável quanto um automóvel, a nova atividade de produzir limpeza é uma atividade capitalista como as outras, tem dinâmica própria, empresas concorrentes, ações na bolsa e operários. Portanto, aquele trabalhador que antes prestava um serviço em troca de salário, hoje está inserido em um processo de valorização do valor e trabalha numa “fábrica de produção de limpeza”. Uma reportagem publicada na Folha de São Paulo no dia 7 de agosto de 2011, sob o título “Terceirização move Setor de Limpeza”, ilustra esse movimento que descrevemos:
“A terceirização do serviço de limpeza, segundo especialistas, é o que move o setor, que faturou R$ 15,2 bilhões no ano passado. Há facilidade na abertura de empresas nessa área, afirma Pedro Luiz Paulucci, sócio da Top Marketing Comercial. O investimento inicial é baixo e é possível abrir o empreendimento com endereço residencial, explica. (…) Paulo Gonçalves Peres, 40, sócio da inService, já acumulava experiência no mercado de limpeza quando abriu a empresa, há nove anos. “Demorou dois anos para o negócio ‘virar’ [dar retorno]”. No início, foram investidos cerca de R$ 60 mil. Hoje, a empresa tem 1.500 funcionários e faturamento anual de R$ 45 milhões.”
Ora, de onde vem esse rendimento senão da exploração do trabalho desses novos operários? Se pensarmos que essa mudança no mundo do trabalho, chamada de “terceirização”, acontece de forma massiva também com os trabalhadores de reparações, manutenções e instalações, e tantos outros ramos e atividades, o grande setor não produtivo dos serviços acabou por tornar-se um gigantesco setor produtivo de capital.

Assim, há milhões de trabalhadores que passaram a estar submetidos ao trabalho produtor de capital. Isto é, estão agora submetidos às “leis da produção de capital” como um trabalhador fabril: extensividade das jornadas, intensividade do trabalho, controle de produtividade e qualidade, metas, e etc. Ou seja, toda a série de medidas de controle da extração de mais-valia passam a valer em setores que tradicionalmente não estavam determinados por essa lógica, e um número maior de trabalhadores passa a ter seu trabalho explorado. Evidentemente, há setores que não são produtivos e que são impelidos a seguir a mesma lógica de produção. Exemplo disso é a recente aplicação de metas para os atendentes do INSS, e servidores públicos em geral. Do ponto de vista da produção do capital, os trabalhadores da Previdência Social não produzem mais-valia, contudo, são impelidos a seguir uma intensividade de trabalho semelhante à realizada pelos trabalhadores fabris. Vale lembrar que, como dissemos anteriormente, ser produtivo ou não produtivo não diz respeito à qualidade do trabalho realizado, mas sim à produção e acumulação de capital. Segue, então, o gráfico 10, que considera os subsetores 16, 17, 18, 19 e 20 como atividades não produtivas, e o restante dos subsetores como produtivos:



Observando o gráfico 10, vemos que pelo menos 50% da força de trabalho em atividade pode estar envolvida diretamente com a valorização do valor. Do ponto de vista do capital isso significa mais extração de mais-valia do que antes. Do nosso ponto de vista, o que essa perspectiva nos permite ver é o aumento do número de trabalhadores operários não só na indústria, mas em outros setores que antes eram somente assalariados e não produtivos. Isso significa que parte do conjunto da classe trabalhadora que não estava tradicionalmente ligado à valorização do valor passa a estar submetida às leis do capital e a compor o que poderíamos chamar de “grande setor produtivo”. Portanto, mais do que simplesmente crescer numericamente, a classe trabalhadora passou por uma mudança qualitativa: há novos operários sendo incorporados a todo vapor à produção de capital.

A “nova classe média”

 

Visto que as recentes mudanças na qualidade das relações de produção ampliam a massa explorada de trabalhadores, seguimos para o último pilar do senso comum que apresentamos: afirma-se comumente que os operários ganham altos salários e por isso compõem a classe média ou classe média alta. Antes de entrarmos no debate sobre a definição do que seria uma classe média e o que significa falar de uma classe média operária, vale a pena voltarmos à classificação do IBGE e verificarmos os dados da evolução salarial dos trabalhadores por faixa de remuneração e atividade. Os dados disponíveis sobre remuneração são do banco de dados da RAIS e dizem respeito, portanto, aos trabalhadores com registro em carteira. Para atualização dos valores dos salários nos respectivos anos para os dias de hoje utilizamos dados do IPEA.



O primeiro aspecto que podemos apontar no gráfico 11 é que de 1985 até 1998 os trabalhadores da indústria tinham a maior média salarial em relação aos outros setores. Contudo, a partir de 1998, o setor de serviços, puxado pelos trabalhadores da administração pública, passa a ter a maior média salarial. Isso significa que o imaginário comum que constrói um passado no qual os trabalhadores da indústria tinham piores salários é completamente falso. Ou melhor, está invertido. É no passado que os trabalhadores da indústria detinham a melhor média salarial da classe trabalhadora, não hoje. Contudo, é fato que os trabalhadores da indústria têm remuneração mais alta do que os trabalhadores da construção e do comércio.

Um segundo aspecto interessante de se notar no gráfico 11 é que a média dos salários dos trabalhadores da indústria em 2010 é próxima da de 1994. Ou seja, não há um crescimento contínuo da média salarial. Pelo contrário, vemos que entre 1994 a 2002 há um recuo na média dos salários que cai de R$2.043 para R$1.726 seguido de uma recuperação de 2002 até 2010. Respectivamente, um recuo do valor dos salários nos oito anos de governo de Fernando Henrique e um aumento dos salários nos oito anos de governo de Lula.

De modo geral, em relação ao imaginário comum, esses dados nos mostram que hoje, em primeiro, não é o trabalhador da indústria o melhor remunerado, mas sim os trabalhadores dos serviços, setor no qual se encontram os servidores públicos que historicamente são melhores remunerados do que o conjunto da classe trabalhadora em atividade. E, em segundo, não há um crescimento progressivo dos salários dos trabalhadores da indústria e de nenhum outro setor. O que vemos são avanços e recuos no valor pago aos trabalhadores a depender da conjuntura política e econômica do país.

Contudo, é importante lembrar que a média salarial é calculada pela soma de todos os salários dos trabalhadores de um setor, inclusive dos que assumem cargos de liderança e chefia, dividida pelo número de trabalhadores desse mesmo setor. Por isso esses dados têm um problema: se um setor emprega uma quantidade pequena de chefes, mas esses recebem muito acima do restante dos trabalhadores, a média dos salários vai esconder a maioria dos trabalhadores que ganham menos no setor. Assim, se considerarmos um cálculo por faixa salarial veríamos que grande parte dos trabalhadores recebem menos do que a média, pois os cargos de liderança por serem melhores remunerados jogam a média para cima. Por conta disso, elaboramos a tabela a seguir, que traz a porcentagem dos trabalhadores por faixa salarial e por setor de atividade.


Podemos verificar, pela tabela, o importante dado de que mais da metade dos trabalhadores da indústria em 2010, 57,66%, tem remuneração média de 0 a 2 salários mínimos, valores correspondentes a no máximo R$1.138 por mês. Se somarmos esses aos trabalhadores que ganham de 2 a 3 salários mínimos em 2010, isto é, no máximo R$1.708, temos 71% da classe operária nessa faixa salarial (de R$0 a R$1.708). Comparativamente, ao observar o ano de 1985 vemos que 60,21% dos trabalhadores da indústria tinham uma remuneração de até R$915; somando esses trabalhadores com os que estavam na faixa de salário de 2 a 3 salários mínimos em 1985, temos que 70% dos trabalhadores da indústria naquela época ganhavam no máximo R$1.373. Ora, se ocorreu algum grande aumento na remuneração real para a maioria dos trabalhadores da indústria nos últimos 25 anos, esse valor é de no máximo 335 reais para quem ganha o valor máximo que são 3 salários mínimos. Somente alguém com um senso de realidade desregulado poderia considerar que um aumento de 335 reais em 25 anos de trabalho seja algo relevante para colocar os trabalhadores fabris no patamar dos bem remunerados da sociedade brasileira. Do ponto de vista comparativo com a remuneração dos trabalhadores de outros setores da economia, podemos afirmar que assim como na construção civil, no comércio e no grande setor de serviços, a maior parte dos trabalhadores registrados da indústria ganha de 0 a 2 salários mínimos mensais. Lembrando que os valores aqui apresentados estão atualizados para o mês de maio de 2012.

 

Esses dados revelam uma das construções ideológicas mais perversas sobre os operários: de que são classe média. Por mais controverso que seja o termo e já venha carregado de ideologias, façamos o exercício de pensar a imagem comum da classe média. Isto é, uma família cujos filhos estão em escolas privadas, que possui assistência médica ampla, que tem casa própria e um carro na garagem. Seria possível com um rendimento de R$1.708 mensais, uma família pequena, de 3 pessoas (cônjuges e uma criança), ter esse padrão de vida? Evidentemente, os operários brasileiros estão muito longe desse “acesso”, e a imagem da classe média parece não corresponder à renda de 71% dos trabalhadores da indústria. Vale considerar que esses mesmos trabalhadores possuem rendimento abaixo do salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE, no valor de R$2.383,28 atualmente. Talvez as moradias subnormais, favelas e aglomerados urbanos, tenham mais a nos dizer sobre como vivem os trabalhadores da indústria no Brasil do que se imagina.

Contudo, para botar à prova a ideia de que o operariado é classe média, não basta identificar a irrealidade de ser classe média do ponto de vista da renda. Temos, sobretudo, que investigar sua possível eficácia do ponto de vista dos hábitos, comportamentos e costumes. Afinal, como afirma Marx e Engels, o poder das construções ideológicas está justamente em conseguir representar algo realmente, sem representar algo real [2]. O que nos traz a pergunta: será que é possível que o operariado brasileiro se identifique como classe média, mesmo não tendo condições para realmente sê-lo? Por ocupar um lugar de extrema importância na produção da vida na sociedade capitalista e ser responsável direto pela manutenção dos lucros e das condições de reprodução da classe dominante, a identidade que se forma entre os trabalhadores da indústria é fundamental para a conjuntura da luta de classes. Nos últimos 30 anos vimos o “novo sindicalismo”, iniciado pelos metalúrgicos do ABC paulista, protagonizar a construção de uma identidade operária. Muitos dos principais personagens que construíram essa nova identidade estão hoje em cargos importantes do executivo, tendo como modelo padrão o ex-presidente Lula, ex-metalúrgico. Apesar de aparentemente ser uma identidade calcada no ganho salarial e em um forte corporativismo, seria preciso um estudo qualitativo de peso para apontar quais as características da identidade operária criada no ABC e em qual momento, afinal, ela se encontra. Não obstante, as políticas do governo Lula, e sua continuidade por Dilma Rousseff, apontam para uma descaracterização da identidade de trabalhador para a celebração do mote “somos todos classe média”. Fato que retrospectivamente pode ter algo a dizer, mas o que é possível verificar agora é uma política de desagregação da classe trabalhadora por parte do governo.

Como exemplo, recentemente, a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal) estabeleceu, finalmente, a faixa de renda que corresponde hoje a da classe média brasileira. Depois de longa discussão, foi dito que fazem parte da classe média brasileira os trabalhadores que têm renda per capita familiar entre R$ 291 e R$ 1.019. Sem desconsiderar o bom humor do governo na falta de correspondência entre a faixa estabelecida e o que comumente chama-se de classe média, pensemos no caso do atual trabalhador da indústria. Pensemos que no melhor dos casos, estando ele entre os 71% dos trabalhadores desse grande setor produtivo, ele seja um privilegiado e receba mensalmente R$1.708. Se considerarmos que ele tem uma família composta por uma esposa e um filho e que com seu salário sustenta a todos, pois bem, nosso operário é o mais novo membro da classe média brasileira com renda per capita de 569,33 reais mensais. Não à toa a secretaria é de assuntos estratégicos, e parece muito oportuno definir que a maior parte da população economicamente ativa do Brasil compõe a “nova classe média”.

 

Ao fim e ao cabo a definição de classe média da SAE tenta colocar nessa categoria a maioria dos trabalhadores assalariados, substituindo oportunisticamente o que seria a linha da pobreza pelo conceito de classe média. Evidentemente, para quem quer governar sem perturbações, esta é a identidade ideal para a classe trabalhadora. Pois a classe média sabe que está melhor que outra parcela da sociedade, os mais pobres, e, justamente por isso, permanece submissa aos que lhe proporcionam essa posição, os mais ricos que lhes pagam os “bons salários”. Além disso, há um estímulo explícito do governo ao comportamento consumista e competitivo que alimenta valores individualistas típicos dessa camada média. Fatores que somados garantem a tranquila acumulação de capital e a harmonia nas relações de trabalho. Assim, estamos diante da ideologia que marca o período atual. Do ponto de vista salarial não podemos dizer que houve avanço suficiente para gerar um padrão de consumo que eleve os operários ao padrão classe média. Mas, sob direção do Partido dos Trabalhadores, a classe trabalhadora é tratada e reconhecida como classe média, criando terreno pouco favorável à identidade de classe que esse mesmo partido construiu. Troca-se o mote “trabalhador só vota em trabalhador” da origem do partido pela sua negação consentida “somos todos classe média”.

Questões de classe

Primeiramente, esperamos ter cumprido com o objetivo proposto de desconstruir ideias do senso comum sobre o operariado brasileiro. O imaginário que elabora um “passado operário” e um presente de outra ordem não se justifica tanto pela quantidade de trabalhadores ativos quanto pela qualidade das relações de produção. Nesse sentido, hoje a classe operária é numericamente maior e proporcionalmente semelhante àquela de trinta anos atrás. Ou seja, este imaginário, como toda ideologia presente no senso comum, apresenta a realidade invertida. Por sua vez, é uma eficiente ferramenta de dominação de classe cuja característica fundante está em esconder tanto as próprias classes quanto as relações de produção da vida.

 

Em consequência, a constatação de que quantitativamente a classe operária ainda está de pé nos serve também para colocar o debate nos seus devidos termos: é na qualidade das organizações de classe que se encontram as boas perguntas e as saídas para a luta contra a exploração do trabalho. Assim, não é trivial que seja sob a direção do Partido dos Trabalhadores que o operariado cresça substantivamente, e, ao mesmo tempo, esteja pacificado politicamente.

Nesse sentido, compreendemos que não basta apontar os limites das políticas públicas implementadas pelos governos Lula e Dilma, justamente porque há avanços importantes na diminuição da miséria e no aumento do acesso à educação, por exemplo. É preciso, antes de tudo, recompor quais são as bandeiras das lutas operárias. E assim voltar ao Partido dos Trabalhadores e entender qual identidade de classe, por ele protagonizada, permite que o fim da exploração do trabalho seja posto de lado. Ou melhor, qual é a identidade criada que permite que a intensificação da exploração do trabalho sob condições desumanas, como se viu nas greves das grandes obras do PAC (Plano de Aceleração do Desenvolvimento) em Jirau e Pecém, seja comemorada como conquista da classe trabalhadora.

Por fim, cremos que entender que a realização do projeto do Partido dos Trabalhadores significa uma classe operária que não se enxerga como classe; que se apresenta dócil para as altas taxas de exploração a que é submetida; que está entregue às formas selvagens de extração de mais-valia típicas da periferia do capitalismo; e que comemora e chora junto com os sindicatos patronais o crescimento ou retração do Produto Interno Bruto, pode ser um bom ponto de chegada. Por outro lado, saber que a classe operária continua grande, ou melhor, ela está maior do que nunca; saber que as condições materiais que a colocam no centro da produção da vida na sociedade capitalista se mantêm; que ela permanece no ponto estratégico da luta contra a exploração do trabalho; e por fim, saber que uma nova identidade operária é necessária e possível, é o ponto de partida para as novas lutas.

Notas

[1] MARX, Karl. Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo. In: ANTUNES, RICARDO. A Dialética do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

[2] KARL, M. ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

Acesse aqui os anexos das duas partes do artigo.

Fonte: Passa Palavra

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