PICICA: "A crença ou o sentimento religioso faz parte da esfera íntima de cada
pessoa e nada tem a ver com o proselitismo histérico contra o Demônio e
suas tentações, ou com curas milagrosas em nome de Jesus. Os candidatos
deviam parar com essa romaria bajuladora em busca de votos de fiéis e
lembrar que o Estado brasileiro é laico. Deviam esclarecer seus
programas e metas, dizer o que é factível em quatro anos de governo
municipal, explicar se há recursos para construir creches, escolas,
moradias e postos de saúde, melhorar o transporte público e o saneamento
básico. Devem expor com clareza um programa de ação para enfrentar os
problemas mais sérios da cidade, mas sem demagogia e proselitismo, sem
recorrer a promessas delirantes. Prometer o impraticável é golpe baixo. E
já se sabe que a promessa vã é a morte do político." EM TEMPO: Milton, mano velho, aqui em Manaus o atual prefeito prometeu mil creches na campanha passada e está deixando a prefeitura sem ter lançado sequer a pedra fundamental de uma delas. Será que ele será consumindo no 'fogo dos infernos' por promessa não cumprida de acordo com o ideário religioso, ou ele amargará o ostracismo político por ter iludido a boa-fé do(a) eleitor(a)?
Reféns do fanatismo
Milton Hatoum - O Estado de S.Paulo
Haja santidade, caros leitores. Haja beija-mão a bispos, pastores, ao clérigo em geral. Um dos candidatos é católico fervoroso e autor de dezenas de livros de autoajuda. Outro tem laços estreitos com uma poderosa igreja neopentecostal. E tudo leva a crer que esse candidato usa o templo e a estrutura dessa igreja. O ideal seria agradar a todos os fiéis num espetacular ato ecumênico. Deus lhes agradeceria, indistintamente. Mas não é bem assim: as disputas inter-religiosas tornam-se cada vez mais acirradas no período pré-eleitoral. Além disso, não há apenas fiéis sob o vasto céu poluído de São Paulo. O que esses candidatos têm a dizer para um número nada desprezível de agnósticos, homens e mulheres que não praticam a fé das três religiões monoteístas nem as dos demais fiéis? O que eles vão dizer aos pecadores sem culpa, que fazem parte de um amplo arco ideológico? Aos libertários e anarquistas radicais, que não são poucos? Como agradar ao mesmo tempo aos milhões de participantes da parada GBTL e aos milhões da Marcha com Jesus? Eis aí um dilema moral. Ou um dilema dos pregadores da moral.
No dia das eleições, será que a maioria do povo vai pensar na devoção religiosa ou nos projetos sociais de cada candidato? Vai pensar em Jesus ou nos princípios éticos e na capacidade administrativa de fulano ou sicrano?
Deus, que em sua infinita piedade é onipresente e onipotente, sabe muito bem como sofrem as paulistanas que moram longe do lugar onde trabalham. São essas mulheres, crentes ou agnósticas, que votam; são elas que não têm onde deixar suas crianças numa creche. Elas e milhões de trabalhadores que, de manhã cedo e no começo da noite, passam horas dentro de um ônibus e de um vagão lotado da CPTM ou do metrô.
A crença ou o sentimento religioso faz parte da esfera íntima de cada pessoa e nada tem a ver com o proselitismo histérico contra o Demônio e suas tentações, ou com curas milagrosas em nome de Jesus. Os candidatos deviam parar com essa romaria bajuladora em busca de votos de fiéis e lembrar que o Estado brasileiro é laico. Deviam esclarecer seus programas e metas, dizer o que é factível em quatro anos de governo municipal, explicar se há recursos para construir creches, escolas, moradias e postos de saúde, melhorar o transporte público e o saneamento básico. Devem expor com clareza um programa de ação para enfrentar os problemas mais sérios da cidade, mas sem demagogia e proselitismo, sem recorrer a promessas delirantes. Prometer o impraticável é golpe baixo. E já se sabe que a promessa vã é a morte do político.
Fonte: Estadão.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário