PICICA: "Reafirmando
seu envolvimento pelas causas do direito à saúde e à democracia, Carlos
Nelson contribuiu para o livro “Reforma sanitária em busca de uma
teoria”, resultado de seminário promovido pelo Núcleo de Estudos
Políticos Sociais em Saúde (Nupes), fundado por Sonia Fleury nos anos
80, formado por pesquisadores que estudavam e documentavam a reforma
sanitária brasileira.
“Ele foi um grande interlocutor para nós, era um homem de ideias e adorava a questão teórica, política, muito estimulante pra gente. Sua obra linda deu força não só para nós, mas para diversos grupos, transformando o conhecimento em luta jurídica. Deixou ele também uma grande conclusão para a sociedade, de alargar os pensamentos”, concluiu a professora."
“Ele foi um grande interlocutor para nós, era um homem de ideias e adorava a questão teórica, política, muito estimulante pra gente. Sua obra linda deu força não só para nós, mas para diversos grupos, transformando o conhecimento em luta jurídica. Deixou ele também uma grande conclusão para a sociedade, de alargar os pensamentos”, concluiu a professora."
Nelson Coutinho, o intelectual militante
Faleceu, na última quinta-feira (20), aos 69 anos, o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Nelson Coutinho, baiano autor de ampla obra sobre o pensamento socialista e a democracia – além de personagem de grande apoio ao Cebes e à reforma sanitária.
“Coutinho é referencia para todos nós do campo da esquerda e, particularmente, para os ativistas da Reforma Sanitária. Mais que tradutor de grandes obras essenciais na nossa formação política de autores como Karl Marx e Antonio Gramsci, ele foi um teórico da democracia e da política. A existência do Cebes está vinculada a estes intelectuais que alimentaram a luta pela democracia. Com sua morte, perdemos um dos maiores intelectuais orgânicos deste país”, lamentou a presidenta do Cebes, Ana Maria Costa.
Considerado um grande especialista no pensamento dos filósofos György Lukács e Antonio Gramsci, e tradutor do elogiado clássico O Capital, de Karl Marx, Coutinho fazia duras críticas ao estruturalismo e trazia em si grande simplicidade ao discutir ideais, além de tornar perceptível o prazer que havia em si ao discuti-las. “Era maravilhoso”, afirmou a ex-presidenta do Cebes e professora titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sonia Fleury.
Após seu exílio em Bolonha, o pensador trouxe consigo influências que tornaram memorável o artigo “A democracia como valor universal”, escrito por Carlos Coutinho em 1979, publicado na revista “Encontros com a Civilização Brasileira”. “Tal artigo se mostrou como uma revelação no pensamento da esquerda no Brasil”, afirmou Fleury.
Faz-se importante ao Cebes registrar que, na época da redemocratização, havia orientação de que ou se organizavam grupos nas universidades, ou nos partidos ou nos sindicatos. Não havia lugar pra um centro de estudos. Coutinho foi um dos que, então, afirmou que uma sociedade democrática era uma sociedade onde você tinha que conquistar hegemonia através de saberes e valores. “Ou seja: o Cebes para ele era o máximo, o centro era a expressão da sociedade civil que lutava pela hegemonia, pela consciência sanitária”, relatou Sonia.
Reafirmando seu envolvimento pelas causas do direito à saúde e à democracia, Carlos Nelson contribuiu para o livro “Reforma sanitária em busca de uma teoria”, resultado de seminário promovido pelo Núcleo de Estudos Políticos Sociais em Saúde (Nupes), fundado por Sonia Fleury nos anos 80, formado por pesquisadores que estudavam e documentavam a reforma sanitária brasileira.
“Ele foi um grande interlocutor para nós, era um homem de ideias e adorava a questão teórica, política, muito estimulante pra gente. Sua obra linda deu força não só para nós, mas para diversos grupos, transformando o conhecimento em luta jurídica. Deixou ele também uma grande conclusão para a sociedade, de alargar os pensamentos”, concluiu a professora.
Assista vídeo-homenagem e leia, abaixo, mais uma homenagem feita à Coutinho:
Por Tarso Genro
Um vazio que se abre: a morte de Carlos Nelson
Os intelectuais do PT, os formuladores de ideias dentro do nosso Partido - nesta época que se abrirá depois das eleições - depois do “Fantástico” (em todos os aspectos) julgamento do “mensalão”, quando se aprofunda a crise européia e os tucanos afiam suas garras ajudados pela mídia complacente com os seus mensalões, - nossos intelectuais e formuladores - deveriam ler e reler Carlos Nelson Coutinho. Sua contribuição teórica é um bom antídoto contra o pragmatismo e uma boa vacina contra a acomodação burocrática. Bravo Carlos Nelson Coutinho. Vai fazer muita falta. O artigo é de Tarso Genro.
A morte de Carlos Nelson Coutinho abre um vazio em toda uma geração. Autor de uma vasta bibliografia sobre o pensamento socialista e a questão democrática -promotor no Brasil dos debates mais fecundos sobre Gramsci, Rousseau e Lukács, ouso dizer, também o pensador provavelmente mais credenciado sobre os vínculos do socialismo com a democracia.
Analista herege de Marx e antiestalinista ferrenho, Carlos Nelson também foi um ser humano excepcional. Foi do velho “partidão” ao Psol, passando pelo PT, sem romper uma relação pessoal, sem desrespeitar um amigo ou qualquer pessoa que divergisse das suas posições e, mais do que isso, sem qualquer resquício de sectarismo ou pretensão de ser tornar paradigma. Tenho uma dívida pessoal com Carlos Nelson, por ter aprendido muito com ele, seja nas nossas conversas ou no intercâmbio de opiniões por escrito, seja pela leitura dos seus livros: um grande intelectual, sem afetação e sem medo de enfrentar os temas mais complexos da esquerda contemporânea.
Em março de 79, na antiga revista “Encontros com a Civilização Brasileira” (n..9) Carlos Nelson publica uma brilhante artigo, “A democracia como valor universal”, que começa assim: “A questão do vínculo entre socialismo e democracia marcou sempre, desde o início, o processo de formação do pensamento marxista; e, direta ou indiretamente, esteve na raiz das inúmeras controvérsias que assinalaram e assinalam a história da evolução desse pensamento.”
Era uma bomba. A luta armada derrotada no Brasil, a transição controlada pelos políticos centristas -acordados com os militares que viam o modelo econômico da ditadura ruir- Carlos Nelson parecia ajudar a transição promovida pelas elites, que apenas abririam um espaço mais generoso para o povo sete anos depois, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, aliás não originária. Mais adiante, seu artigo teve uma resposta respeitosa e de alto nível do meu irmão, já falecido, Adelmo Genro Filho, (n.17, da mesma revista).
Vale a pena transcrever o início do texto de Adelmo, que discuti com o próprio autor na época e o secundei com algumas opiniões: “Carlos Nelson Coutinho pensa grande.(...) Seu combate às tendências estruturalistas e neopositivistas que vicejam nas cátedras universitárias, tanto na Europa como no Brasil, em alguns momentos tornou-o quase um solitário. E o reconhecimento da persistência na solidão de teses justas é tributo mínimo que lhe devemos. Assim, é Carlos Nelson Coutinho, um pensador com “R” (de razão dialética) maiúsculo.”
O debate travado, naquela oportunidade, por Carlos Nelson e Adelmo, ainda mantém sua atualidade, mas, creio, não mais a partir da dúvida se a democracia -como forma de organização do Estado e de organização das liberdades públicas- tem ou não valor universal. A atualidade do debate está mais centrada na questão de “qual a democracia?”, capaz de expandir as liberdades públicas e organizar o Estado, de tal forma que dele derivem políticas que reduzam crescentemente as desigualdades sociais e as dominações de classe. Que uma ditadura não faz isso -qualquer ditadura- isso a crise dos modelos do Leste já demonstrou.
Quem “ganhou” o debate naquela época não importa, mas que a democracia -o oposto de qualquer ditadura- que garanta as liberdades públicas e as mesmas condições de concorrer para chegar o poder (o que ainda é muito relativo na atual democracia brasileira), tem um valor universal -como dizia Coutinho- parece não haver dúvida na ampla maioria da esquerda pensante. Em grande parte, devemos a integração deste pensamento antidogmático a Carlos Nélson Coutinho, sua persistência no debate, sua capacidade de inovar dentro do marxismo, sua postura permanentemente “revisionista” das ideias positivistas-naturalistas, que estiveram no cerne do marxismo-leninismo da Academia de Ciências da URSS.
No prefácio que Carlos Nelson fez do meu livro ”Utopia Possível” (Artes e Ofícios, 1994), no qual inclusive diverge de algumas abordagens críticas que faço, do marxismo “realmente existente”, ele diz com a sua sinceridade e clareza lapidar: “Tenho insistido na idéia -com a qual Tarso talvez concorde- de que a essência do método marxista é o revisionismo, o empenho permanente em aprender dialeticamente as novas determinações do real.
Na ampla gama de intelectuais que acompanharam e participaram das lutas do nosso povo nos últimos 50 anos lá está, luminosa, a coerência e a profundidade intelectual de Carlos Nelson. Alguns, originários da mesma época, organizaram-se em torno dos pensamentos liberais (mais propriamente neoliberais), que hoje formam o grande conglomerado do conservadorismo político nacional, cuja ocupação predileta é inconformar-se com as conquistas sociais, educacionais e políticas, dos últimos dez anos. Até nisso Carlos Nelson foi mais brilhante do que eles: suas divergências com o PT e com os governos Lula, ocorreram porque ele entendeu que estas mudanças foram pouco profundas e também modestas, em termos sociais e econômicos. Rompeu com o PT -concorde-se ou não com as suas razões- pela esquerda, não pelo udenismo fundamentalista ou pelas ideias do Consenso de Washington.
Os intelectuais do PT, os formuladores de ideias dentro do nosso Partido - nesta época que se abrirá depois das eleições - depois do “Fantástico” (em todos os aspectos) julgamento do “mensalão”, quando se aprofunda a crise européia e os tucanos afiam suas garras ajudados pela mídia complacente com os seus mensalões, - nossos intelectuais e formuladores - deveriam ler e reler Carlos Nelson Coutinho. Sua contribuição teórica é um bom antídoto contra o pragmatismo e uma boa vacina contra a acomodação burocrática. Bravo Carlos Nelson Coutinho. Vai fazer muita falta.
Créditos da foto: Arquivo O Globo
Fonte: Cebes
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